"O cidadão é o cadáver
do homem" (Sócrates)
No Brasil há flagrante desencanto com o segmento político, como consequência de três fatores:
- a evidência da corrupção sistêmica envolvendo verbas federais e de várias formas de favorecimento (juros subsidiados, financiamentos apadrinhados, isenção e perdão dirigidos de impostos devidos, licitações dirigidas, nepotismo, etc.);
- a dispendiosa e ineficaz ação política (destituída de soberania de vontade) na economia e na vida social;
- a hipocrisia e ineficiência dos tribunais eleitorais na fiscalização e nos julgamentos das eleições.
O governador eleito em 1914 foi
afastado do cargo sob a acusação de compra de votos. A pergunta que se faz é: que candidato consegue eleger-se sem comprar votos por alguma das formas usuais? A
prevalecer este critério todas as eleições deveriam ser anuladas.
Entretanto, quando existem interesses político-jurídicos para a
cassação de um mandato, facilmente se recorre ao expediente de denunciar a abjeta compra de votos (que sempre existe) para destituir mandatos; isto evidencia uma hipocrisia jurídico-política repugnante, bem como a fragilidade e inocuidade do
sistema eleitoral.
O
eleitorado não tem dúvidas de que apoios políticos mediante contrapartida
financeira existiram dos dois lados na eleição amazonense (e sempre há em qualquer
outra, país afora) e nem por isto o candidato eleito deixará de tomar posse.
Contudo, dependendo dos ventos que soprarem a favor ou contra, poderá ser
cassado no futuro por qualquer denúncia de fraude eleitoral (que sempre existe
de verdade).
O processo eleitoral dá cada vez mais
demonstrações de sua ineficácia como instrumento de ingerência popular nos
destinos da vida sócio-política-econômica; e a politica é cada vez mais
flagrantemente submissa ao poder econômico que, concomitantemente, mantém toda
a população sob seu poder de coerção reificado, mercantilizado, contra o qual
nada se pode fazer.
Os adeptos do capenga processo eletivo
defendem a sua permanência como se, fora dele, existissem somente as ditaduras; omitem que a questão não é como se chega ao poder sob o
capitalismo, mas sim como se extingue o seu próprio poder.
Ao mesmo tempo em que a população
se desencanta com a política, há um consenso (equivocado) de que os problemas
sociais somente podem ser resolvidos a partir da participação política cidadã,
ou seja, sempre se renova a cantilena de que os honestos e bem intencionados
cidadãos devam participar da política como forma de qualificá-la. Este é o mais
usual, ingênuo ou premeditadamente ardiloso dos engôdos de que somos vítima.
Não se entende que o cidadão
(condição reivindicada por 100 entre 100 indivíduos sociais) é um indivíduo
social enquadrado numa forma de relação na qual o seu algoz, o
Estado cobrador de impostos e a serviço da exploração do capital, faz passar-se por seu protetor.
O cidadão é um pseudo sujeito de
direitos sociais, mas que somente se habilita a esta pseudo condição a partir
do cumprimento das (estas verdadeiras!) obrigações que lhe são impostas. Todos os indivíduos sociais são
coagidos a se tornarem cidadãos sob pena de se tornarem párias sociais, puníveis, discriminados e estigmatizados sob diversas formas.
Nada há a estranhar-se, portanto, em que o
Brasil tenha tornado obrigatório o voto. Trata-se de uma anomalia jurídica que transforma um pseudo
direito numa verdadeira obrigação. A conclusão que é são pesados os deveres do
cidadão e irrelevantes os seus direitos.
UM INSTANTÂNEO DO
QUADRO POLÍTICO BRASILEIRO
Temos, hoje, um presidente da
República acusado de corrupção, cujos ministros estão igualmente acusados de
corrupção; ele é recordista de rejeição popular, mas os
políticos preferem que continue no cargo, por conveniências diversas.
Seus aliados parlamentares e o grande
empresariado avaliam tal situação política como um mal necessário,
acreditando na recuperação sustentável da economia (miragem que todos os cegos
embriagados pelo ópio do capitalismo creem ser real); e a oposição finge querer sua destituição, mas prefere que ele continue, realize e sofra as
consequências políticas das malvadezas impostas pelo capitalismo como forma de
sustentação do Estado e da vida mercantil, para não ter de efetuar ela mesma as reformas impopulares, caso volte ao poder na próxima eleição.
O presidente Temerário é carrasco executor dos
interesses sistêmicos, disposto a pagar o preço da vaidade de, no final da sua vida
política, ter-se sentado, por vias oblíquas, no mais alto posto
político-estatal. Eles todos se merecem, pois são faces distintas de uma mesma
moeda.
O eleitor, apesar da incessante manipulação da mídia burguesa (que tudo faz para obnubilar sua capacidade de compreender
o que está subjacente aos seus infortúnios sociais), começa a desacreditar nos políticos
e na capacidade destes do gerenciamento estatal em favor do povo; revolta-se, então, por indiferença comportamental, dizendo um não ao processo eleitoral.
Este é um dos aspectos que começam a
contribuir para a compreensão de que pode haver vida fraterna, solidária e
humanamente superior fora do mercado e da política.
Em que pese o esforço institucional
que será desenvolvido no chamamento ao voto para as eleições presidenciais e para
governadores e deputados de 1918, tal processo deverá representar um novo marco do alheamento da população brasileira com relação à legitimação político-institucional
eletiva. (por Dalton Rosado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário