domingo, 3 de setembro de 2017

DALTON ROSADO EXPLICA E JUSTIFICA O DESENCANTO COM A POLÍTICA

"O cidadão é o cadáver
do homem" (Sócrates)

No Brasil há flagrante desencanto com o segmento político, como consequência de três fatores:
  1. a evidência da corrupção sistêmica envolvendo verbas federais e de várias formas de favorecimento (juros subsidiados, financiamentos apadrinhados, isenção e perdão dirigidos  de impostos devidos, licitações dirigidas, nepotismo, etc.);
  2. a dispendiosa e ineficaz ação política (destituída de soberania de vontade) na economia e na vida social;
  3. a hipocrisia e ineficiência dos tribunais eleitorais na fiscalização e nos julgamentos das eleições. 
O exemplo mais flagrante disso nós encontramos das últimas eleições para governador no Amazonas. Os candidatos em disputa (ambos ex-governadores) totalizaram 1,3 milhão de votos, enquanto a soma dos votos nulos, em branco e abstenções alcançou a casa de 1 milhão de votos. Quase a metade do eleitorado disse não às eleições.

O governador eleito em 1914 foi afastado do cargo sob a acusação de compra de votos. A pergunta que se faz é: que candidato consegue eleger-se sem comprar votos por alguma das formas usuais? A prevalecer este critério todas as eleições deveriam ser anuladas. 

Entretanto, quando existem interesses político-jurídicos para a cassação de um mandato, facilmente se recorre ao expediente de denunciar a abjeta compra de votos (que sempre existe) para destituir mandatos; isto evidencia uma hipocrisia jurídico-política repugnante, bem como a fragilidade e inocuidade do sistema eleitoral.

O eleitorado não tem dúvidas de que apoios políticos mediante contrapartida financeira existiram dos dois lados na eleição amazonense (e sempre há em qualquer outra, país afora) e nem por isto o candidato eleito deixará de tomar posse. Contudo, dependendo dos ventos que soprarem a favor ou contra, poderá ser cassado no futuro por qualquer denúncia de fraude eleitoral (que sempre existe de verdade).

O processo eleitoral dá cada vez mais demonstrações de sua ineficácia como instrumento de ingerência popular nos destinos da vida sócio-política-econômica; e a politica é cada vez mais flagrantemente submissa ao poder econômico que, concomitantemente, mantém toda a população sob seu poder de coerção reificado, mercantilizado, contra o qual nada se pode fazer.

Os adeptos do capenga processo eletivo defendem a sua permanência como se, fora dele, existissem somente as ditaduras; omitem que a questão não é como se chega ao poder sob o capitalismo, mas sim como se extingue o seu próprio poder.

Ao mesmo tempo em que a população se desencanta com a política, há um consenso (equivocado) de que os problemas sociais somente podem ser resolvidos a partir da participação política cidadã, ou seja, sempre se renova a cantilena de que os honestos e bem intencionados cidadãos devam participar da política como forma de qualificá-la. Este é o mais usual, ingênuo ou premeditadamente ardiloso dos engôdos de que somos vítima.

Não se entende que o cidadão (condição reivindicada por 100 entre 100 indivíduos sociais) é um indivíduo social enquadrado numa forma de relação na qual o seu algoz, o Estado cobrador de impostos e a serviço da exploração do capital, faz passar-se por seu protetor.

O cidadão é um pseudo sujeito de direitos sociais, mas que somente se habilita a esta pseudo condição a partir do cumprimento das (estas verdadeiras!) obrigações que lhe são impostas. Todos os indivíduos sociais são coagidos a se tornarem cidadãos sob pena de se tornarem párias sociais, puníveis, discriminados e estigmatizados sob diversas formas.

Nada há a estranhar-se, portanto, em que o Brasil tenha tornado obrigatório o voto. Trata-se de uma anomalia jurídica que transforma um pseudo direito numa verdadeira obrigação. A conclusão que é são pesados os deveres do cidadão e irrelevantes os seus direitos.

UM INSTANTÂNEO DO
QUADRO POLÍTICO BRASILEIRO

Temos, hoje, um presidente da República acusado de corrupção, cujos ministros estão igualmente acusados de corrupção; ele é recordista de rejeição popular, mas os políticos preferem que continue no cargo, por conveniências diversas.
Seus aliados parlamentares e o grande empresariado avaliam tal situação política como um mal necessário, acreditando na recuperação sustentável da economia (miragem que todos os cegos embriagados pelo ópio do capitalismo creem ser real); e a oposição finge querer sua destituição, mas prefere que ele continue, realize e sofra as consequências políticas das malvadezas impostas pelo capitalismo como forma de sustentação do Estado e da vida mercantil, para não ter de efetuar ela mesma as reformas impopulares, caso volte ao poder na próxima eleição.

O presidente Temerário é carrasco executor dos interesses sistêmicos, disposto a pagar o preço da vaidade de, no final da sua vida política, ter-se sentado, por vias oblíquas, no mais alto posto político-estatal. Eles todos se merecem, pois são faces distintas de uma mesma moeda.

O eleitor, apesar da incessante manipulação da mídia burguesa (que tudo faz para obnubilar sua capacidade de compreender o que está subjacente aos seus infortúnios sociais), começa a desacreditar nos políticos e na capacidade destes do gerenciamento estatal em favor do povo; revolta-se, então, por indiferença comportamental, dizendo um não ao processo eleitoral.
Este é um dos aspectos que começam a contribuir para a compreensão de que pode haver vida fraterna, solidária e humanamente superior fora do mercado e da política.

Em que pese o esforço institucional que será desenvolvido no chamamento ao voto para as eleições presidenciais e para governadores e deputados de 1918, tal processo deverá representar um novo marco do alheamento da população brasileira com relação à legitimação político-institucional eletiva. (por Dalton Rosado)

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