sexta-feira, 5 de maio de 2017

AINDA SOBRE O LINCHAMENTO JUDICIAL DOS 'TERRORISTAS DE GOGÓ'

Indo além da indignação causada pela sentença aberrante que os oito terroristas de gogó acabam de receber (vide aqui), temos de fazer uma profunda reflexão sobre o tipo de sociedade em que queremos viver: uma na qual aceitemos os riscos inerentes à opção de procedermos com justiça ou uma com as facilidades de um estado policial.

Depois do atentado ao WTC, os Estados Unidos adotaram a segunda opção, coerentemente com suas tradições históricas, afinal haviam eletrocutado Sacco e Vanzetti em meio a uma exacerbada histeria anti-anarquista e só meio século depois o governador do Massachussetts reconheceu oficialmente a inocência de ambos; tinham caçado bruxas em pleno século 20 (macartismo), etc. 

Durante a nefanda guerra ao terror de George W. Bush, os EUA prenderam suspeitos aos montes, submeteram-nos a sevícias em centros clandestinos de tortura espalhados pelo mundo e os mantiveram encarcerados sob tratamento cruel e degradante em Guantánamo, chegando ao cúmulo de conservá-los prisioneiros mesmo depois de serem absolvidos pela Justiça estadunidense (caso nenhuma nação os aceitasse receber).

A opção correta será esta, combatermos a brutalidade tornando-nos, nós mesmos, brutais, injustos e insensíveis?

A coisa se complica face à prática agora adotada pelos terroristas islâmicos de, utilizando as redes sociais, incentivarem fanáticos a agirem por conta própria contra infiéis no mundo inteiro. Ministram-lhes conhecimentos básicos de terrorismo e exortam-nos a escolherem e golpearem duramente seus alvos, para, assim, adquirirem o direito de deflorarem 72 virgens no paraíso dos mártires muçulmanos...

Um thriller literário que focaliza esta nova tendência é A lista (The kill list, 2013), de Frederick Forsyth. Mostra a operação montada pelo serviço secreto estadunidense para localizar e executar um propagandista do terrorismo islâmico cujo proselitismo virtual causara grande número de óbitos.

Algo semelhante foi testado pelo grande revolucionário brasileiro Carlos Marighella, em fins de 1968. Frustrado com a pouca combatividade dos partidos comunistas tradicionais, que no seu entender estavam burocratizados demais para atuarem com eficiência na luta armada, ele resolveu dissolver a organização que liderava, mantendo apenas um pequeno núcleo ao redor de si e exortando os demais efetivos e os aspirantes a recrutas a provarem seu valor na prática (mais tarde, os que tivessem passado na prova seriam chamados de volta)

Depois que esses soldados sem oficiais cometeram várias ações disparatadas, Marighella recuou horrorizado, reagrupando-os de imediato e restaurando a cadeia de comando. O que parecia ser uma boa solução para dificultar o trabalho da repressão política se revelara desastroso quanto ao objetivo da luta: o que se queria era conquistar o povo, não assustá-lo com violência inútil (p. ex., tentativas canhestras de tomarem a arma de vigilantes de quarteirão, que acabavam redundando em tiroteios).

Os aloprados de Alá não têm os mesmos melindres: nenhuma matança parece ser suficiente para fazê-los desistir do incitamento a debiloides despreparados. 
Maratona de Boston, 2013: com bombas caseiras, dois irmãos mataram três pessoas e feriram 264.
Ao sancionar a lei antiterrorismo, Dilma Rousseff confirmou que abriu mão dos seus valores ideológicos de outrora e hoje não passa de uma mera utilitarista: o receio de atentados durante a Rio-2016 prevaleceu sobre qualquer outra consideração, mandando às urtigas os direitos civis e os direitos humanos . 

Para desestimular ações que empanassem o brilho do megaevento valia tudo, inclusive repetir os excessos da guerra ao terror. E nem lhe parece ter ocorrido que as Olimpíadas passariam, mas a lei draconiana ficaria.

O primeiro resultado está aí: a tal Operação Hashtag localizou facilmente um grupelho que espalhava aos quatro ventos virtuais sua intenção de arrombar a festa. A Polícia Federal tinha todos os recursos para, com idêntica facilidade e absoluta segurança, monitorar esses ingênuos amadores, para saber se seriam mesmo capazes de agir, ou não. 
A lei é vaga, permite enquadrar quem se quiser.

Poderia detê-los quando quisesse. Por que não deixar para fazê-lo quando já estivessem com a mão na massa?  Mas não, a lei fascistoide poupou-lhe o trabalho de fazer direito a lição de casa. Então, restará para sempre a dúvida: eram apenas fantasistas devaneando ou se constituíam numa verdadeira ameaça?

Isto parece não ter preocupado o juiz que os sentenciou com rigor extremado.

A mim incomoda –e muito!– a possibilidade de amargarem entre 5 e 15 anos de prisão cada um por conta de algo que jamais conseguiriam levar à prática. Espero que eu não seja o único. 

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