sexta-feira, 3 de março de 2017

COMO DETERMOS O FASCISTA BOLSONARO? COMBATENDO-O SEM TRÉGUA!

Toque do editor
Às vezes me sinto como a Cassandra troiana, amaldiçoada com a indiferença do seu povo aos alertas que lançava, tão corretos quanto inúteis em termos práticos.

No segundo semestre de 2014, p. ex., eu já tinha percepção clara de que o novo mandato presidencial transcorreria sob aguda recessão. Tudo fiz para abrir os olhos da companheirada, no sentido de que Dilma Rousseff não tinha competência para administrar uma crise dessas e seu fracasso anunciado seria catastrófico para a esquerda brasileira. 

Vi como preferível, primeiramente, a candidatura de Marina Silva, pois, com ela no poder, a responsabilidade pelo desastre econômico ficaria ao menos diluída. 

Depois que Marina foi destruída pela mais torpe campanha de calúnias e falácias já vista na política brasileira, incentivei o Volta Lula!, pois ele, com todos os defeitos, ainda seria capaz de amenizar um pouco a devastação que se prenunciava. Mas, os petistas vacilaram miseravelmente, encaminhando-nos para a perda total.

Mal assumiu, Dilma jogou as promessas de campanha no lixo e empossou o neoliberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Imediatamente lembrei que estava repetindo o erro de João Goulart, cujas tentativas de adotar a política econômica do inimigo sempre foram inviabilizadas pelo fogo amigo do Brizola e do PCB, lançando o país na confusão e preparando o terreno para a intervenção militar. Dito e feito, Dilma também acabaria sendo derrubada, desta vez não pelos tanques, mas por um peteleco parlamentar.

Tão logo a Câmara Federal aprovou a abertura do processo de impeachment, escrevi que a batalha no Congresso já estava perdida e o único contra-ataque com alguma possibilidade de êxito seria sua imediata renúncia, seguida pelo lançamento de uma nova campanha por diretas-já, unindo toda a esquerda. Mas, Dilma, sempre berrando que não iria cair, marchou de derrota em derrota até o mais amargo fim.
Fiz esta introdução porque novamente há um cenário horroroso se desenhando no horizonte e a esquerda está fazendo tudo errado mais uma vez.

Ao invés de depurar-se e reciclar-se como é inescapável após fiascos tão acachapantes como o de 2016, continua apostando no populismo, ao lançar uma campanha sebastianista pela candidatura de Lula que é simplesmente asnática: a direita, por via judicial, o fulminará quando bem entender.

E não percebe que, se o confronto for entre o populismo decadente do Lula e o populismo ascendente de Jair Bolsonaro, afinado com o espírito da era Trump, é o segundo que prevalecerá.

As lambanças do PT já levaram a direita ao poder. Se persistirem, acabarão conduzindo um fascista explícito ao Palácio do Planalto, enquanto quatro centenas de signatários de um manifesto altamente inoportuno ficarão tentando justificar sua estreiteza de visão política.

Eis os trechos principais de um artigo do Vladimir Safatle que dá uma boa noção do inimigo que temos pela frente:
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UM FASCISTA MORA AO LADO
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Por Vladimir Safatle
"...poderíamos dizer que todo fascismo tem ao menos três características fundamentais.

Primeiro, ele é um culto explícito da ordem baseada na violência de Estado e em práticas autoritárias de governo. 

Segundo, ele permite a circulação desimpedida do desprezo social por grupos vulneráveis e fragilizados. O ocupante desses grupos pode variar de acordo com situações históricas específicas. Já foram os judeus, mas podem também ser os homossexuais, os árabes, os índios, entre tantos outros. 

Por fim, ele procura constituir coesão social através de um uso paranoico do nacionalismo, da defesa da fronteira, do território e da identidade a eixo fundamental do embate político.

Neste sentido, não seria difícil demonstrar todo o fascismo ordinário do sr. Bolsonaro. Sua adesão à ditadura militar é notória, a ponto de saudar e prestar homenagens a torturadores. Não deixa de ser sintomático que pessoas capazes de se dizerem profundamente indignadas contra a corrupção reinante afirmem votar em alguém que louva um regime criminoso e corrupto como a ditadura militar brasileira (vide casos Capemi, Coroa-Brastel, Paulipetro, Jari, entre tantos outros).

Bem, quem começa tirando selfie com a Polícia Militar em manifestações só poderia terminar abraçando toda forma de violência de Estado.

Por outro lado, sua luta incansável contra a constituição de políticas de direito, reparação e conscientização da violência contra grupos vulneráveis expressa o desprezo que parte da população brasileira sempre cultivou, mas que agora se sente autorizada a expressar.

Por fim, o primarismo de um nacionalismo que expressa o simples culto do direito secular de mando, algo bem expresso no slogan devolva o meu país, fecha o círculo.

Ora, o fato significativo é que a maioria da classe média brasileira, com sua semi-formação característica, assumiu de forma explícita uma perspectiva simplesmente fascista.

Ela operou um desrecalque, já que até então se permitia representar por candidatos conservadores mais tradicionais. Essa escolha é resultado de uma reação à desordem e à abertura produzida pela revolta de 2013.

Todo evento real produz um sujeito reativo, sujeito que, diante das possibilidades abertas por processos impredicados, procura o retorno de alguma forma de ordem segura capaz de colocar todos nos seus devidos lugares. Nesse contexto, a última coisa a fazer é acreditar que devamos dialogar com tal setor da população.
Faz parte de um iluminismo pueril a crença de que o outro não pensa como eu porque ele não compreendeu bem a cadeia de argumentos. Logo, se eu explicar de forma pausada e lenta, você acabará concordando comigo.

Bem, nada mais equivocado. O que nos diferencia é a adesão a forma de vida radicalmente diferentes. Quem quer um fascista não fez essa escolha porque compreendeu mal a cadeia de argumentos. Ele o escolheu porque adere a formas de vida e afetos típicos desse horizonte político. Não é argumentando que se modifica algo, mas desativando os afetos que sustentam tais escolhas.

De toda forma, há de se nomear claramente o caminho que parte significativa dos eleitores tomou. Essa radicalização não desaparecerá, mas é embalada pelo espírito do tempo e suas regressões. Na verdade, ela se aprofundará. Contra ela, só existe o combate sem trégua"

5 comentários:

Anônimo disse...

e se isso acontecer (melhor Jair se acostumando) pode culpar a esquerda com sua burrice e escrotidão..como aliás no Chile, na Alemanha nos anos 30 e em toda parte...

Valmir disse...

"Faz parte de um iluminismo pueril a crença de que o outro não pensa como eu porque ele não compreendeu bem a cadeia de argumentos. Logo, se eu explicar de forma pausada e lenta, você acabará concordando comigo.
Bem, nada mais equivocado."

nesse caso pode-se jogar no lixo toda pedagogia, toda educação e toda pretensão de progresso dos povos e pessoas individuais...

Valmir disse...

quando a esquerda adotou a corrupção e o banditismo comum como seus pilares contratou a ascensão da direita...

SF disse...

Celso, suas análises são atiladas e úteis.
Se há quem as desconsidere o problema é dele.
Pessoas sensatas sempre estão prescrustando o horizonte social e político buscando sinais do que pode vir, ao passo que escutam com atenção a opinião dos mais experimentados e certeiros analistas.
Você se inclui nessa categoria de prescrutador atento aos movimentos das massas e dos políticos.
Saiba que presta inestimável serviço às pessoas simples que procuram viver evitar percalços decorrentes da insensatez da turba.

Contudo, torço que o facismo se repita como farsa e morra precocemente de podre, evitando novos genocídios.

Se não, será a prova de fogo pela qual esta geração vai ter que passar.

Boa sorte aos futuros combatentes da liberdade!

celsolungaretti disse...

Prezado SF,

você entendeu o recado: há vários indícios de que está sendo engendrada uma direita truculenta com embasamento social, algo que a ditadura militar não tinha.

Se a esquerda não se preparar rapidinho para o confronto que inevitavelmente virá, esta geração vai mesmo passar por uma prova de fogo.

Desde a redemocratização, eu tenho sempre descartado a hipótese de um novo golpe militar. As teorias de conspiração que circularam por aí e até os blefes das Forças Armadas para evitar a punição dos torturadores nunca me assustaram.

Pelo contrário, quando foi lançado o livro DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE e o Alto Comando do Exército peitou o Lula com uma nota insubmissa, eu fui o ÚNICO a escrever que o generalato não tinha o apoio das tropas e que o Lula deveria ter pagado pra ver.

Agora, no entanto, eu estou realmente apreensivo. Pode estar vindo por aí um fascismo tradicional [que, apesar das piadas, tenderia a ser mais na linha do Mussolini que da do Hitler].

Tomara que, uma vez na vida, a esquerda se comporte realmente como esquerda. Se continuar repetindo as fórmulas que fracassaram rotundamente em 2016, não conseguirá deter a escalada fascista. E andaremos quase um século para trás.

Abs.

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