terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A ODEBRECHT JÁ FINANCIAVA O PT EM 1994 E ISTO PROVOCOU MUITA INDIGNAÇÃO ENTRE OS MILITANTES NA ÉPOCA

Um momento inesquecível da arte cinematográfica é quando, no filme Julgamento em Nuremberg de 1961, um dos principais juristas alemães de então tenta compreender como ele e outros ilustres togados, mesmo não sendo nazistas, cederam às pressões do poder, acabando por eles próprios sentarem no banco dos réus, acusados de cumplicidade com o arbítrio do regime hitlerista. 

Numa conversa particular, o personagem interpretado por Burt Lancaster pergunta ao juiz estadunidense que preside o tribunal (Spencer Tracy, a dignidade em pessoa): "Afinal, quando tudo isso começou?". E ouve esta resposta acachapante: "Começou quando o primeiro juiz condenou o primeiro réu que sabia ser inocente".

Uma das maiores desilusões da minha vida, depois da derrota da luta armada, foi o desvirtuamento do Partido dos Trabalhadores, que ajudei a nascer e depois vi apodrecer aos poucos, até se tornar a antítese de quase tudo que pregava no final de 1979/começo de 1980.

Até agora, eu supunha que o primeiro marco emblemático do abandono da moral revolucionária por parte do PT tivesse sido o duelo Paulo de Tarso Venceslau x Roberto Teixeira, em 1997. Uma reportagem publicada neste dia 1º pela Folha de S. Paulo, contudo, obriga-me a corrigir tal informação. 

Na verdade, o ovo da serpente começara a ser chocado alguns anos antes. E a primeira oportunidade (desperdiçada!) que os petistas tiveram para esmagá-lo foi quando, após a derrota de José Dirceu na eleição de 1994 para o governo de São Paulo, a lista dos doadores de sua campanha, publicada pela imprensa, trouxe esta revelação pra lá de indigesta:
"Dirceu declarou ter arrecadado R$ 1,1 milhão. Desse total, 42% vieram da Odebrecht e de uma empresa sob seu controle, a CBPO. A empreiteira também doou para as campanhas do PT no Distrito Federal e no Espírito Santo. 
A notícia chocou a militância mais à esquerda no partido porque a Odebrecht havia passado por dois escândalos duramente atacados pelo PT – em especial por José Dirceu, na época deputado federal– nas CPIs que investigaram o esquema PC Farias, durante o governo de Fernando Collor, em 1992; e dos Anões do Orçamento, em 1993.
Uma corrente do PT em Brasília tentou até mesmo devolver à empreiteira os R$ 200 mil que a sigla havia recebido. Um dos fundadores do partido, o economista e ex-guerrilheiro Paulo de Tarso Venceslau disse à Folha que soube do próprio Dirceu o quanto o caso Odebrecht o incomodou na época.
Zé Dirceu chegou a chorar: sua campanha não seria a real beneficiária da doação da Odebrecht.
'Eu tive reuniões com ele e estava frustradíssimo. Ele dizia que esses recursos da Odebrecht estavam aparecendo na prestação de contas dele, mas que o dinheiro era para a campanha do Lula. A campanha do Dirceu foi usada para fazer a triangulação', disse Venceslau, que contou a mesma história à CPI dos Bingos, em 2006.
Venceslau disse que, no começo de 1995, Dirceu se mostrava disposto a deixar a organização do partido e chegou a procurar um imóvel para montar um escritório de advocacia na companhia de outras duas militantes petistas. Mas ele se acertou com Lula e passou a ser apoiado para a presidência nacional do PT, segundo Venceslau".
O repórter lembrou também que em agosto de 1995, diante dos cerca de 500 delegados presentes no 10º Encontro Nacional do PT, o ex-guerrilheiro César Benjamin fez duras críticas às relações promíscuas do partido com a Odebrecht, arrancando lágrimas de Zé Dirceu e do Lula.
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O companheiro Venceslau...
O ESCÂNDALO DA CPEM
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Percebo agora que o traumático episódio da expulsão do honesto Paulo de Tarso Venceslau enquanto o partido atirava uma boia para o encalacrado Roberto Teixeira foi apenas o ato seguinte de um drama que já estava em curso

Tendo sido secretário das finanças de duas prefeituras petistas no interior paulista, em ambas Venceslau resistira a pressões para contratar uma empresa de Teixeira (a CPEM - Consultoria para Empresas e Municípios) ou para pagar-lhe valores exorbitantes por serviços não prestados. 

Tratava-se, obviamente, de um esquema de desvio de recursos públicos para financiamento partidário; e, por não compactuar com a maracutaia, Venceslau foi exonerado de seu posto na prefeitura de São José dos Campos. 

Depois de dois anos de queixas infrutíferas aos dirigentes máximos do PT, Venceslau tornou público o favorecimento escuso à CPEM em entrevista ao Jornal da Tarde.

Como resposta ao escândalo, o partido criou uma Comissão Especial de Investigação, presidida por Hélio Bicudo, cuja salomônica decisão foi a de que Venceslau errara ao vazar um assunto interno para a imprensa burguesa, enquanto Roberto Teixeira deveria ser julgado por corrupção.

Vale a pena lembrar o que concluiu a Comissão a respeito do segundo, em relatório assinado por Bicudo, Paul Singer e José Eduardo Cardozo:
"...parece provável que ROBERTO TEIXEIRA possa ter se valido, de forma pouco ética, da amizade com LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, para não só se omitir face ao dever de informar e acautelar em relação à CPEM como também para desqualificar denúncias contra a mesma. 
...e o tal Teixeira.
...parece ser difícil descartar a hipótese de que ROBERTO TEIXEIRA tenha cometido ‘abuso de confiança’ com ‘aproveitamento das relações de amizade’ que mantém com LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA. Entre a defesa da empresa que gerou renda para seu irmão e presumivelmente para si e o interesse público e partidário, ROBERTO TEIXEIRA optou pela primeira...
Assim sendo, a presente Comissão de Investigação não pode deixar de concluir que a presumível conduta de ROBERTO TEIXEIRA (...) não se coadunaria com os rígidos padrões éticos que devem orientar as condutas dos militantes do PARTIDO DOS TRABALHADORES... no PT comportamentos dessa natureza se colocam como descabidos e inaceitáveis. 
...esta Comissão sugerirá ao final deste Relatório à Executiva Nacional do PT a abertura de processo ético-disciplinar contra o militante ROBERTO TEIXEIRA pela prática de grave conduta a ser avaliada e julgada (...) pelo órgão partidário competente".
Lula ameaçou desligar-se do PT caso fosse instaurado tal procedimento contra Teixeira  que era seu compadre e lhe fornecia um apartamento de cobertura em São Bernardo do Campo para morar de graça com sua família .

A direção partidária optou, então, por desconsiderar o parecer da Comissão, expulsando Venceslau e aliviando para Teixeira. Foi o instante em que o PT se assumiu como um partido igual aos outros, capaz de, ao sabor das conveniências, mandar às favas todos os escrúpulos de consciência (lembrando a frase imortal com que Jarbas Passarinho recomendou a assinatura do AI-5).  

Orgulho-me de haver sido, naquele momento, um dos raros esquerdistas a protestarem publicamente contra a decisão infame do PT, solidarizando-me ao Paulo de Tarso Venceslau em artigo publicado no Jornal da Tarde.

Segundo Venceslau, o tal Teixeira teria sido "torturador do delegado Fleury". Não tendo como apurar tal acusação, apenas a registro. 
E, duas semanas atrás, o juiz Sérgio Moro acatou denúncia contra Roberto Teixeira, tornando-o réu ao lado de Lula, sob a acusação de participarem de um "esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo dois imóveis que teriam sido concedidos ao petista pela Odebrecht em troca da obtenção de contratos da Petrobras".

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