sábado, 19 de novembro de 2016

EDUARDO VIANNA E CELSO LUNGARETTI ANALISAM A OCUPAÇÃO DE ESCOLAS NO PAÍS

Por Eduardo Rodrigues Vianna
AS ESCOLAS OCUPADAS DE 2016 
TÊM UM GRAVE PROBLEMA
Se observarmos as coisas com alguma calma, e fizermos uma reflexão, perceberemos que o atual movimento das escolas ocupadas é todo negativo; ou seja, definido por uma característica negativa. 

O movimento não aceita a reforma do ensino médio nem a PEC 55 (1), mas não propõe nada que possa ser concretamente contraposto aos dois projetos do governo, que faça sentido, que os trabalhadores e o povo possam entender. Portanto não reivindica nada. 

Pelo menos, não de modo organizado. Vale a pena pensar sobre isto, particularmente quanto à reforma educacional apresentada, de um modo tão desastrado, por um governo impopular.

A atual proposta de reforma do ensino médio não é bem do governo Temer; apareceu em 2013 sob o governo Dilma, quase idêntica ao modo como está agora, e ficou mofando no Congresso. 

Já nos anos 1990 se falava de um ensino médio semelhante ao que era antes da ditadura, com matérias opcionais e aumento da carga horária. 

Em 2014, entra em vigor o Plano Nacional de Educação (PNE), uma política de Estado vigente até 2024, com vinte metas, algumas das quais contempladas pela reforma. Então, o que há de errado com a reforma? Sabemos responder a isto?

O maior problema foi, provavelmente, a medida provisória, aquela forçada de mão que o presidente pode usar, e que um sujeito como o Temer usará sem dó. 

Caiu realmente muito mal, porque Temer é uma figura odiosa, intragável. Mas tem algo a seu favor neste caso, que é a falência, real, verdadeira, do ensino médio. 

É preciso ser muito ingênuo para sair por aí repetindo que a falência do ensino médio é discurso da direita, como se a direita tivesse algum sólido repertório para discutir esses assuntos; não tem. 

Também não preciso dar os dados, conhecidos de todos, do que é o sucateamento do ensino médio, dos quais a evasão de aproximadamente 50% será talvez o mais grave, o mais perverso e duro para a juventude (é algo semelhante a um genocídio); e nem o resultado do Ideb (2) foi inventado pelo [atual ministro da Educação] Mendonça Filho. 

É óbvio que o ensino médio precisa de uma reforma, grande, estrutural. E é a partir daí que o movimento precisaria ser assertivo e positivo, propondo uma reforma alternativa, melhor que a do governo.
Parece que vêm fazendo muito sucesso nas ocupações as discussões sobre gênero, feminismo, essas conversas. Todos os temas são pertinentes e as pessoas têm mesmo o desejo de falar dessas coisas, mas política educacional, que é bom, até agora apareceu de modo bem secundário. 

Se não fosse assim, já teríamos uma pauta nacional dedicada aos rumos do ensino médio, e não há nada nem sequer parecido com isto. 

Sabemos que o assunto é mais ou menos discutido nas diversas ocupações, e que os grupos de pessoas são heterogêneos (como não podem deixar de ser), mas não existe uma reivindicação sobre a reforma, e provavelmente não existe a consideração da sua necessidade. 

E lutas que se resumem a negar ou denunciar algo, sem exigir coisas reais, e melhores, estão sempre condenadas ao fracasso. Quem estudar a história das lutas pequenas ou grandes verá que digo a verdade.

Se o problema pode ser sanado, então é uma tarefa que cabe aos atuais estudantes do curso secundário e aos atuais professores e professoras das redes públicas (e também da rede privada, se isto for possível), porque a maior autoridade para dizer como as coisas precisam ser é quem tem, neste momento, um cotidiano profissional ou estudantil na escola. 

Por outras palavras: seria tarefa dos estudantes, mas principalmente dos professores e professoras, pela importância que têm, criar a linha intelectual e política necessária.

Para definir uma pauta nacional e propô-la, um contingente de estudantes e professores em rede precisaria se dedicar a estudar, mais uma vez, tanto a proposta da reforma quanto o PNE, confrontá-los e tirar conclusões. 

A reforma e o PNE, porque são a política de governo e a política de Estado em curso, e por este motivo é de onde se pode partir. Outros elementos viriam depois, com a discussão, e o objetivo seria o de criar outra via para o ensino médio. 

Criar, produzir, projetar, construir. Seria um bocado difícil. Mas, sem um esforço desse tipo, o atual movimento das escolas ocupadas só convencerá aqueles que já estão convencidos. É o que está acontecendo. Parece que a nossa época gosta que as coisas sejam assim.

Quanto à PEC 55, creio que a linha deveria ser pela defesa de uma auditoria pública sobre os negócios do Estado e sobre a dívida pública. Este é outro assunto, embora também devesse ser considerado..
1. Proposta de Emenda à Constituição impondo limites aos gastos e investimentos públicos nos próximos 20 anos.  
2. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 2015, divulgado em setembro último, mostrou que o ensino médio segue estagnado na média das escolas do país, com o mesmo resultado de 2011 e 2013: 3,7. A meta era 4,3.
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Pitaco do editor
OS ERROS NA ESCOLHA DAS 
BANDEIRAS E NO TIMING 
Além das barricadas, as ocupações de escolas e de fábricas foram iniciativas dos jovens contestadores de 1968 que impactaram fortemente em vários outros países. Um mês após o maio parisiense, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, na rua Maria Antônia, já era ocupada... apenas para que permanecesse aberta durante as férias escolares de julho, servindo como ponto de aglutinação do movimento estudantil. 

Eu sei, estava lá; e também me lembro, com menos nitidez, da ocupação do Conjunto Residencial da USP, o Crusp. Aquele foi nosso território livre por um bom tempo.

Existiam então bandeiras específicas do movimento estudantil, como a luta contra o acordo MEC-Usaid – o qual, na nossa visão, representava uma ingerência estadunidense na educação brasileira, pois os recursos vindos de fora teriam o objetivo de tecnicizá-la e de dar o pontapé inicial no processo de gradual eliminação da gratuidade no ensino universitário.

Mas, o que realmente nos motivava e mobilizava não era a perspectiva um tanto distante da aplicação do dito acordo, mas o confronto imediato com o autoritarismo, seja na escola, seja na sociedade. O slogan É proibido proibir! talvez fosse o que melhor expressava nossa geração.

Creio ser desnecessário lembrar que tudo era muito diferente quando estávamos submetidos a uma ditadura tão truculenta quanto tacanha, a ponto de apreender, quando desocupou o Crusp pela força, um Manual de bomba hidráulica por supor que se referisse à fabricação de explosivos; e A capital, do Eça de Queirós, confundindo-a com O capital, do Marx. 

Depois, ainda por cima, os incluiu no lote de livros subversivos que exibiu triunfalmente à imprensa, como troféus de batalha! Foi por essas e outras que o grande Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta definiu aquele período como sendo o de um festival de besteiras que assola(va) o País.

Hoje inexiste insatisfação com o governo federal equivalente à de 1968 (o humor do cidadão comum, azedo durante o tempo de vacas magras, só mudaria em 1970, a partir do milagre econômico). Embora estejamos em pindaíba semelhante, as ruas culpam o PT por tal situação, daí o desempenho catastrófico que os candidatos petistas tiveram nas eleições municipais... de apenas três semanas atrás!

Então, está certíssimo o Eduardo: ocupações de escola, no presente, só terminarão em vitória se forem deflagradas por motivos claros, justos e aglutinadores no nível da escola e da comunidade a que serve. Desgastar governos deveria ficar para depois, quando a correlação de forças se alterar em nosso favor; e isto só acontecerá... se começarmos a vencer as lutas, ao invés de as perder. 

Exemplar foi a ocupação da reitoria da USP em 2007 (vide aqui), reestreia  desta prática de luta no movimento estudantil brasileiro. Alunos e professores estavam mesmo, em sua grande maioria, rejeitando os quatro decretos autoritários do governador José Serra. E eles acabaram sendo derrubados!  
O mesmo ocorreu em 2015, quando mais de 200 escolas secundárias de São Paulo foram ocupadas em protesto contra uma tentativa de reorganização da rede que implicaria fechamento de 93 unidades e transferências de alunos para estabelecimentos distantes de suas moradias. 

Com apoio dos pais e da comunidade, os estudantes conquistaram memorável vitória, lavando nossa alma: o governador Geraldo Alckmin, sob vara, teve de recuar do seu desmoralizado intento.

A onda de ocupações atual serve como aprendizado de luta para muitos jovens – e eles precisam mesmo sair de sua apatia, voltando a dar contribuição destacada para a construção de uma sociedade justa e igualitária. 

Mas, os erros na escolha das bandeiras e no timing podem ocasionar uma derrota que bem melhor seria evitarmos, deixando como última imagem, até podermos produzir outra melhor, o nocaute que os secundaristas aplicaram no Alckmin. 

É, repito, o momento de passarmos a acumular forças; fiascos já vínhamos acumulando durante todo o ano de 2016. Infelizmente, por não proporem objetivos exequíveis, as atuais ocupações tendem a engrossar a lista. (por Celso Lungaretti)
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