quinta-feira, 27 de outubro de 2016

UMA PROPOSTA DE VIDA FORA DO MERCADO

"Argumentei que os homens de negócios 
precisam separar os seus interesses 
do mundo dos negócios de seus 
interesses como cidadãos"
(George Soros) 
Segundo as estatísticas do IBGE há no Brasil 12 milhões de desempregados. Computam-se como desempregados apenas aqueles que compõem a população economicamente ativa. Assim, se considerarmos os dependentes dessa população (crianças, donas-de-casa, inválidos, idosos não-aposentados, aposentados que gastam com remédios mais do que recebem de aposentadoria, etc.), tal número pode chegar a três ou quatro dezenas de milhões de brasileiros desesperados, contingente humano que necessita de alimentação, habitação, energia elétrica, água, vestimenta, transporte, educação, saúde, lazer, etc.

Como a sociedade capitalista é individualista e o seu Estado governamental, que é sustentado pela atividade econômica em depressão, já não consegue sequer manter-se de pé graças ao déficit orçamentário, tudo se transforma num grande caldeirão de desgraças sociais que é a oficina do diabo. Sob tal estado de coisas não há polícia, estrutura judiciária e cadeia que consiga debelar a barbárie daí resultante. 

Empurrada para o andar social de baixo, a chamada classe médiaque tem capacidade para formar opinião, vai às ruas na vã esperança de que o governo restabeleça o Estado do bem-estar social, ao invés de ombrear-se com os que buscam uma saída coletiva para a crise. Assim procede não apenas pelo apego ao passado, mas por ignorar as causas de sua debacle social e não acreditar em modos alternativos de vida social.         

Diante de tal quadro crítico, que ora se agrava, os seres humanos mais sensíveis e solidários devem assumir sua responsabilidade na formulação de propostas para reverter tal quadro de miséria social. 

Tais ideias não podem ficar adstritas às regras comprovadamente caducas da economia de mercado. Há que se buscar alternativas fora dela, embora o poder do capital e as recalcitrantes viúvas da sua fase de expansão não queiram admitir a deterioração atual, devendo certamente se colocarem contra qualquer ideia que não conste do mesquinho mecanismo de reproduzir valor e ganhar dinheiro. 

Diz o dito popular que a necessidade é a mãe de todas as iniciativas, e a tomada de iniciativas nunca foi tão urgente e necessária. Mas é preciso se saber por que e como tomá-las. 

Temos de buscar formas alternativas de produção, para satisfazermos as necessidades básicas coletivas. A questão mais complexa é como fazermos isto numa sociedade completamente tomada pela coerção da lógica de mediação social feita pelo dinheiro, por meio do sistema produtor de mercadorias e dos seus cânones legais, que agora dão sinais claros de travamento como consequência da contradição dos próprios fundamentos (o capital corta o galho sobre o qual está sentado).      

O sistema produtor de mercadorias, que sustenta o processo autotélico e vazio de sentido virtuoso de reprodução do capital e também as instituições do Estado que lhe dão apoio jurídico-institucional (o chamado establishment), não tolera a produção de bens que não sejam mercadorias, ainda que haja uma barbárie em curso provocada por sua insensatez. Esta é a grande oposição que se nos apresenta. 
Mas, é justamente no confronto entre a produção de mercadorias (com valor de uso e valor de troca) e a produção de bens que não sejam mercadorias (apenas com valor de uso) que se situa a verdadeira revolução social da modernidade; e não nos espaços político-institucionais, tal qual querem todos os enquadrados seguidores dos partidos de todos os matizes ideológicos, assim como as instituições do Estado e seus vaidosos membros. 

Mas, esta revolução social que virá da superação do modo de produção atual, como todas as verdadeiras revoluções sociais havidas ao longo da história, poderá se processar de forma gradual e consistente, de modo a que se vá evidenciando a obsolescência do modo de produção mercantil e de toda a entourage institucional decadente que o sustenta.

Há que ocuparmos espaços tanto da área de produção de bens como na área de serviços. Na área de alimentos, p. ex., poderemos convocar as pessoas que estão na fila do desemprego há longo tempo e que queiram produzir, propondo-lhes a ocupação de terras não agricultáveis. Nelas produziriam alimentos para si e para distribui-los a outras pessoas desempregadas, de modo gratuito e num sistema de cotas pessoais que envolvam, inclusive, a administração por parte de outros desempregados. 

Alguém certamente indagará: como essas pessoas irão pagar suas contas de luz, de água, adquirir vestimentas, ter onde morar, etc., já que ocupam todo o seu tempo produzindo alimentos sem serem remuneradas?

Primeiramente, é necessário se dizer que os desempregados crônicos já estão privados da capacidade de pagamento e suprimento dessas necessidades pelo dinheiro. Então, agora, eles passariam a ter a dignidade de produzirem para outras pessoas que certamente estão privadas da capacidade de aquisição dos alimentos, e farão isto sem serem pagas.
Neste sentido, será necessário mobilizarmos os produtores, de modo a proverem as demais necessidades de modo alternativo e com o uso da tecnologia (energia, água, tijolos para habitação, etc.); e que travem uma luta para a ocupação de terras improdutivas, na contramão do direito de propriedade das terras (ou seja, praticando uma forma de resistência bem diferente da do MST, que se limita a buscar a propriedade da terra para que nela se continue produzindo produzir mercadorias  para o mercado).    

Evidentemente, tal processo não será coisa fácil nem pacífica, pois, além da oposição dos proprietários de terra (protegidos pela lei do capitalismo), virá o Estado a querer cobrar impostos sobre tal produção; mas, vai ser justamente aí que se travará a luta diuturna, verdadeiramente revolucionária, contra o Estado e o poder, qualquer que seja ele.  

O mesmo poderá ser feito com as unidades industriais falidas e fechadas, ou até instalando-se novas fábricas, dentro do mesmo propósito de produção de bens a serem distribuídos segundo critérios de necessidade; como, digamos, a criação de olarias para a fabricação de tijolos a serem usados na construção de unidades habitacionais pelos e para desempregados (é possível que, em pouco tempo, trabalhadores miseravelmente assalariados abandonem os seus empregos e se engajem em tal projeto). 
Pode-se pensar, ainda, em trabalhadores que, mesmo estando empregados, voluntariem-se para dedicar parte do seu tempo livre ao esforço de construção de uma vida fora do mercado, incentivados por um estímulo de conscientização para a superação da sociedade mercantil em fase de ruína econômica. 

Talvez venhamos a contar também com a solidariedade dos que estão inseridos no sistema e recebem salários, podendo, portanto ajudar financeiramente, dentro das suas possibilidades, para a consolidação deste novo modo de produção, conscientemente, e de modo a que saibam que estão a usar o veneno (dinheiro) como antídoto contra o próprio veneno.  

O setor de serviços talvez seja aquele que mais oportunidade possa oferecer aos desempregados e voluntários, nas áreas de educação básica e profissionalizante, da saúde, etc. 

Na medida em que tal comportamento se corporifique socialmente, evidenciar-se-á a estupidez e mesquinhez da lógica do sistema produtor de mercadorias e do seu processo de acumulação da riqueza abstrata, vazio de sentido virtuoso e que agora chega ao fim pela contradição dos seus próprios fundamentos. Em todo este processo deverá estar incluída a preocupação com práticas de produção não poluentes e que denunciem a insensatez suicida do sistema produtor de mercadorias na sua predação ecológica. 

É evidente que essa caminhada nos ensinará o melhor modo de caminhar, e certamente a criatividade humana e seu histórico sentido de preservação da vida falarão mais alto. O que não dá mais é para continuarmos caminhando celeremente no rumo da guerra e do aprofundamento da barbárie social. 
(por Dalton Rosado)

2 comentários:

Sergio Carvalho disse...

O que Dalton Rosado propõe é viável de hoje para amanhã em pequenas propriedades agrícolas. Muitos já o fazem;trocam, emprestam, sementes para o plantio. Emprestam animais para reprodução, etc. Há uma reciprocidade na ajuda das tarefas agrícolas. Procuram o menos possível o mercado na cidade.

Para a classe média das cidades grandes fica mais difícil. Muitas por questão de falso status não vão mais nem ás feiras-livres; vão nos supermercados pagando o dobro para os mesmos produtos.

As grandes massas têm que reeducar-se, organizar-se para tal propósito. Rechaçar o supérfluo da tecnologia oferecida pelo capitalismo que alienam tanto as famílias. Hoje tem casas que gastam mais em canais de tv paga e conta de celulares do que comida.

Num país com frutas cítricas durante o ano todo as famílias podem muito bem dispensar os produtos das poderosas indústrias de refrigerantes.

O marido ajudar em casa fazendo o pão, o bolo de fubá, as bolachas. Um intercâmbio comunitário; uma família faz o bolo a outra o pão.

De um jeito tem que começar porque essa crise não terá saída.

celsolungaretti disse...

SÉRGIO, EIS A RESPOSTA QUE O DALTON ENVIOU POR E-MAIL:

Caro Sérgio Carvalho,

Toda a produção mercantil tem que passar hoje pelo crivo da viabilidade econômica. Como somente os altos níveis de produtividade podem competir no mercado, todos nós ficamos à mercê do grande capital, o único que detém poder financeiro para os grandes investimentos em capital fixo (instalações, máquinas modernas, robôs, produção computadorizada, tratores, etc.) que reduz o emprego do capital variável (salários). A exacerbação dessa prática nos dias de hoje é a causa do desemprego estrutural mundo afora.
Assim, para os desempregados, a única saída está fora do mercado, com produção de bens e serviços sem a mediação pelo dinheiro. Tal iniciativa não somente é possível, como está se transformando em imposição da própria realidade. A discussão dessa prática com desempregados e com toda a sociedade é uma tarefa essencial como saída da crise fora do receituário tradicional de busca da retomada do impossível e suicida (humano e ecológico) desenvolvimento econômico, que está travado pela própria contradição da lógica dos seus fundamentos irracionais.

É graças a adesões e compreensões como a sua que acredito que poderemos trilhar consistentemente o caminho para uma revolução de costumes e valores humanos que contestem a tirania do mercado e do capital, e tudo sem prescindirmos dos ganhos do saber tecnológico e das informações científicas adquiridas pela humanidade no seu itinerário de dor e de sangue (não se trata de uma volta à idade da pedra).

Obrigado pela contribuição. Dalton Rosado.

Related Posts with Thumbnails