quinta-feira, 16 de junho de 2016

NADA É MAIS PARECIDO COM A POLÍTICA ECONÔMICA DA DIREITA QUE A DA ESQUERDA NO PODER

Por Dalton Rosado
A FALSA DICOTOMIA
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"A cisão estrutural do sistema produtor de mercadorias nas 
esferas funcionais da economia e da política tornou-se uma 
das fontes principais das lutas e antagonismos ideológicos 
na modernidade." (Robert Kurz, em O fim da política)
.
Foi aprovado na madrugada de Brasília, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que regulamenta o acesso às funções de direção das empresas estatais. Como sempre acontece, estabeleceu-se uma discussão entre parlamentares defensores do capitalismo liberal (tidos como de direita) e defensores do capitalismo de estado, keynesianos ou marxistas tradicionais (tidos como de esquerda). 

Os argumentos dos primeiros se fundamentam na defesa de uma melhor qualificação profissional-técnica e consequente pretensa menor ingerência política na administração empresarial; como obedientes servos dos interesses capitalistas privados, o que defendem mesmo é que as estatais passem à iniciativa privada, pois acreditam (equivocadamente) que isso possibilitaria a retomada duradoura do crescimento econômico. 

Os argumentos dos segundos consistem na conveniência de um maior controle político-estatal dessas empresas, com flexibilidade para nomeações de modo a que se amplie o leque de possibilidades de pessoas mais identificadas com seus projetos políticos e que possam comandar as estatais, pensando (equivocadamente) que possa haver capitalismo estatal do bem

Pode parecer a muitos que a questão se restrinja apenas a estas duas correntes de pensamento político: uma neoliberal e a outra keynesiana (ou marxista tradicional). Há, entretanto, outros pensares que se situam fora desta camisa de força na qual a política nos quer enquadrar.       

Pergunta-se: o trabalhador assalariado, que se submete à extração de mais-valia (seja ela privada ou estatal), deixa de ser explorado? Não. A direção da empresa (seja ela privada ou estatal), deixa de ser patronal? Não. O impositivo regime de concorrência de mercado para a produção de mercadorias produzidas nas empresas privadas ou estatais deixa de existir? Não. 

Busca-se nas empresas privadas e estatais o maior nível de produtividade per capita (aumento da mais valia relativa), sem o qual elas não sobrevivem, condição de eliminação do nível geral de empregos, e gerador de uma redução da massa global de valor, que aponta para a falência sistêmica capitalista? Sim. Estão essas empresas enquadradas na lógica capitalista do sistema produtor de mercadorias e, portanto, submissas a uma autofagia socialmente destrutiva, porque excludente, e autodestrutiva da própria forma-valor, caminhando, portanto, para o colapso? Sim. Sendo privadas ou estatais, as empresas são patrimônio dos trabalhadores ou do povo? Não. 

A identidade das empresas privadas e estatais reside no caráter mercantil de suas atividades; e a diferença reside apenas na forma política de suas administrações. Ocorre, entretanto, que é o caráter mercantil aquilo que define a natureza social de suas existências; e, por terem essa mesma identidade, são iguais na sua essência constitutiva, socialmente segregacionista. 

Ambas exploram o trabalhador assalariado. Ambas obedecem à mesma lógica funcional negativa do capital. Ambas são capitalistas. Ambas caminham para um mesmo destino final: as suas destruições como forma social e como meios capitalistas de produção dos bens indispensáveis à satisfação das necessidades de consumo. E ambas o fazem pelas mesmas razões de natureza substantiva: a contradição dos seus fundamentos (Marx).      

Nas eleições presidenciais francesas de 2012, as pesquisas de opinião pública apontavam dois favoritos. Terminou por ganhar o candidato Françoise Hollande, tido como de esquerda, na disputa com o presidente Nicolas Sarkosy, tido como de direita. A exemplo do que vem ocorrendo em todos os países, assistimos, hoje, à interminável alternância no poder de partidos ditos de direita e de esquerda, sem que nenhum consiga debelar os problemas econômicos e sociais existentes. 

O presidente Sarkosy, como argumento de campanha eleitoral, trombeteava que a esquerda no poder repetiria o colapso da Grécia, numa alusão ao fato de que o governo grego de esquerda (afastado) fora o responsável pela crise que se abateu sobre aquele país. 

Por sua vez, Hollande afirmava que a direita no poder seria a continuidade do que já ocorria na França, envolta em sérios problemas de desaceleração econômica e dívida pública crescente. 

O tempo passou e, hoje, vemos o governo francês de Hollande às voltas com greves e recessão econômica, daí as pesquisas prenunciarem a volta de Sarkosy ou similar. 

Quanto à Grécia o que se sabe é que Aléxis Tsípras, anteriormente de ultraesquerda, aceitou as imposições econômicas do sistema financeiro internacional e capitulou, como forma de sobrevivência dentro de lógica do capital. Todos tinham razão nas acusações mútuas e nenhum tem razão no que defende.

Nada mais parecido na administração da economia do que governos de direita e de esquerda quando entronizados no poder. É que as regras da economia são ditatoriais, e como se diz popularmente, uma vez investido no poder o governante ou dá ou desce.

Entretanto, eles jamais esclarecem que os seus partidos e seus governos são espécies de um mesmo gênero, pois ambos estão circunscritos ao universo político da imanência capitalista, que tem no sistema produtor de mercadorias (e, portanto, de valor) o modo de ser de sua relação social e arcabouço jurídico institucional de governabilidade. 

Hoje podemos compreender claramente que os conceitos políticos de direita e de esquerda se assemelham no seu conteúdo substantivo, para se diferenciar apenas na forma de gerenciamento político daquilo que está previamente posto, do qual fazem parte e contra o qual não podem se insurgir na sua essência constitutiva. 

Assim, tanto os governos neoliberais de apoio ao livre mercado (de direita e de centro) como os de pensamentos keynesianos estatizantes (marxistas tradicionais, socialistas, nacionalistas, etc., considerados de esquerda), todos monetaristas, admitem a extração de mais-valia dos trabalhadores sem o menor pejo, embora tais extrações se tornem cada dia mais precárias. 

Consequentemente, não se atinge o cerne do problema, que é a crise de conteúdo (a crise na forma político-administrativa é efeito e não causa), causada pelo colapso interno irreversível do sistema produtor de mercadorias. 

Todos cuidam de aspectos periféricos da crise, e disputam o poder numa falsa dicotomia ideológica, não podendo trazer a discussão para o patamar necessário e inadiável que é a superação de um sistema agonizante.

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