segunda-feira, 16 de maio de 2016

HUMANIZAR O CAPITALISMO SERIA COMO ADMINISTRAR O DIABO E SEU TRIDENTE

O RACIOCÍNIO IMANENTE 
DE THOMAS PIKETTY
(ou: mais do mesmo)
O escritor francês Thomas Piketty, autor do livro O capital no século XXI, um best seller mundial, faz uma análise estatística da concentração mundial da riqueza sob o capitalismo; sobre a falência dos serviços públicos; sobre a insolvência do sistema financeiro; da dívida pública; e por aí vai, para concluir que “o capitalismo é um beco sem saída”. 

Entretanto, as soluções por ele propostas, tais como “taxação de grandes fortunas e propriedades globais”, que vêm encantando a esquerda, situam-se dentro do espectro antigo no qual se tenta humanizar o capitalismo, como se nós pudéssemos administrar o diabo e seu tridente como um mal necessário. 

A questão fundamental que se coloca na atualidade foi pouco percebida pelos inimigos do capitalismo de todos os tempos, inclusive pelos marxistas-leninistas; eles não entenderam ou não quiseram entender a necessidade de se superar o capital e suas categorias fundantes no sentido de aboli-las e substitui-las por outra forma de relação social, e não de administrá-lo. 

O Marx exotérico admitiu, equivocadamente, em certo momento de seus escritos, que poderíamos conviver com o capital numa transição para uma sociedade comunal, o que gerou equívocos oportunistas.O Marx esotérico, contudo, contrariou a si próprio posteriormente e em tempo, negando tal possibilidade. Com razão: não podemos viver sob a égide de uma forma de relação social que se exauriu a si mesmo pelas contradições inconciliáveis de seus próprios fundamentos.

Piketty não consegue raciocinar, como de resto o fazem todos os modernos críticos do capitalismo, fora da lógica da forma-valor como se ela fosse ontológica e não histórica; ou, no mínimo, como se fosse possível um modo de relação social no qual pudéssemos conviver com a forma-mercadoria, submetendo-a ao nosso comando.  
Piketty: bem-intencionado, mas ingênuo.

Tal postura, ainda que bem intencionada, revela um desconhecimento do sujeito-automático da forma valor inerente ao fetichismo da mercadoria e da natureza autotélica da lógica funcional do sistema produtor de mercadorias (Marx), que não pode ter outro fim senão a sua autodestruição enquanto fórmula matematicamente inviável no longo prazo. 

Ou seja, desconhece que o capitalismo está afundando não pela maldade intencional, perversa ou egoística dos detentores da riqueza abstrata cada vez mais concentrada, mas pela sua própria inviabilidade, causada por fatores inevitáveis ao seu funcionamento como a concorrência de mercado, essência da circulação de mercadorias na qual ocorre a reprodução cumulativa do capital, e sem a qual ele desaparece tão abstratamente como surgiu, entre outros fatores incontornáveis por ele provocados, como degradação ecológica, segregação social insuportável, deturpação da boa moral, etc. 

Na concorrência de mercado, razão de ser funcional do sistema produtor de mercadorias, cada mercadoria procura obter para si a hegemonia nessa mesma guerra, e isso somente pode ocorrer com a redução dos custos de produção tecnológica, agora aliada à procura de baixos salários (a globalização nada mais é do que a migração de capitais industriais e financeiros buscando o oxigênio vital de sua reprodução em zonas miseráveis, caso dos Brics). 

Este é um exemplo da inviabilidade de propostas humanitárias de contenção da lógica funcional do capital, feitas por Piketty, que não leva em conta o princípio da queda tendencial de taxa de lucro (Marx), fenômeno que implica na necessidade cada vez maior de aplicação de recursos nos custos fixos, como a aquisição de máquinas; de equipamentos e de tecnologia, e cada vez menor (proporcionalmente) em custos variáveis, os salários. 
Contradições insolúveis acarretarão o fim do capitalismo 
Por tal princípio o capital, para manter e aumentar o volume de lucros, necessita da concentração de capitais (daí a fusão de grandes produtores de mercadorias visando à obtenção do monopólio de mercado), para fazer face à permanente queda na taxa de lucros. Ganha a concorrência de mercado quem concentra maior soma de capital e tecnologia e Piketty quer contrariar essa lógica de mercado, sem superá-la, como se fosse possível transcender a sua essência constitutiva em algo socialmente justo; conviver com um mal, administrando-o para o bem.  

Mesmo que não se deem conta disto, Piketty e outros críticos bem-intencionados do capitalismo terminam sempre sendo auxiliares da perpetuação de uma forma de relação social responsável pelo aprofundamento da miséria mundial.

O livro de Piketty equivale a uma reedição do velho, que nem chega a ser reciclado. A constatação é óbvia: a percentagem dos empobrecidos, que sempre foi gritantemente maior do que a dos enriquecidos, agora se amplia tomando contornos de inviabilidade social sistêmica; a solução imanente ao capitalismo proposta por Piketty, de taxação das grandes fortunas e das propriedades globais, é antiga e inviável dentro do capitalismo, e não vai ser o Estado, seu protetor, quem vai alterar as suas regras de funcionamento sem as quais ele deixa de existir. 

Taxação de grandes fortunas: não vai rolar...
Apesar de Piketty admitir que “o capitalismo é um beco sem saída”, ele propõe (como sói acontecer), uma saída de dentro do beco, ou seja, uma solução dentro dos marcos do capitalismo, sem transcendê-lo, ela se corporifica na maior taxação de impostos para as grandes fortunas e propriedades globais (núcleo central de sua proposição). 

Tal proposta implica a conservação da estrutura de poder do Estado, da política e na conservação do conceito de propriedade, instituto jurídico que consolida a acumulação da riqueza abstrata capitalista. Daí, certamente, o encantamento que provocou na esquerda ávida por soluções cômodas e paliativas dentro da ordem política sistêmica capitalista, e órfã de propostas transcendentais.

A razão de ser da existência da forma-valor é a sua reprodução cumulativa e excludente através da apropriação indébita, pelo capital, do tempo de trabalho do trabalhador na produção de mercadorias (extração de mais-valia - Marx), base fundamental do sistema e única forma de produção de valor válido

Assim, a ineficácia da bem-intencionada ingenuidade das propostas de Piketty e seus adeptos reside no fato de que a taxação das grandes fortunas provocaria uma paralisia do próprio sistema produtor de mercadorias, carente cada vez mais de concentração de capitais em face da concorrência de mercado, e graças a isso ela é inviável dentro da lógica capitalista e, portanto, politicamente impossível.

As soluções simplistas, que não caminham na direção da transcendência do modelo de relação social fundado na forma valor, só aumentam o contingente dos bem-intencionados no inferno.  (por Dalton Rosado)

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