sexta-feira, 27 de maio de 2016

BRASIL LEVA UM CHOCOLATE DE 7x1 DA ARGENTINA. A CULPA É DA DILMA.

O título é brincalhão, mas não incorreto. Os argentinos, que deverão sentenciar ainda nesta 6ª feira (27) 18 ex-militares participantes da famigerada Operação Condor (*), realmente nos aplicaram sonora goleada em termos do tratamento que as nações civilizadas dão às atrocidades ditatoriais. E a presidente afastada ficará na História como a antiga torturada que desperdiçou uma grande e última chance de iniciar a punição dos torturadores no Brasil.

Segundo a ONU, um dos principais deveres dos países que se redemocratizam é apurarem e punirem os crimes praticados pelos agentes do Estado contra aqueles que resistiam ao arbítrio. Mas, não se poderia esperar tal atitude de um José Sarney, que atravessara o regime militar como um mero serviçal parlamentar dos tiranos fardados; de um Fernando Collor, que começou a carreira política nas hostes governistas e foi recompensado pela ditadura com sua nomeação para prefeito (biônico) de Maceió; de um Itamar Franco, que nunca se notabilizou por atos de coragem; ou de um FHC, contemporizador por natureza.

Do Lula esperávamos muito e obtivemos nada. Em 2007, quando do lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, um chocante levantamento de assassinatos cometidos pelos capangas da ditadura e apurados pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, o alto comando do Exército, passando por cima do ministro da Defesa Nelson Jobim, lançou uma nota oficial de repúdio à iniciativa.  
Os ditadores Videla e Bignone no banco dos réus. Lá.

Como se tratava de um ato de flagrante insubmissão e quebra de hierarquia, qualquer presidente cioso de suas responsabilidades como comandante em chefe das Forças Armadas exoneraria de imediato os signatários. Lula preferiu capitular vergonhosamente, não só engolindo o sapo como também determinando aos ministros da Justiça (Tarso Genro) e dos Direitos Humanos (Paulo Vannuchi) que não tomassem, no âmbito do Executivo, nenhuma iniciativa contra os antigos torturadores; orientou ambos a passarem a batata quente adiante, apontando às vítimas do arbítrio e aos defensores dos direitos humanos o caminho dos tribunais. Pilatos explica.

Em abril de 2010, numa das decisões mais aberrantes e vergonhosas de sua História, o Supremo Tribunal Federal considerou válida a anistia que os ditadores concederam a si próprios e a seus esbirros em plena vigência do regime de exceção. A partir de então tornou-se diletantismo acionar criminalmente os torturadores, pois, chegando ao STF, qualquer condenação seria anulada. 

No final de novembro do mesmo ano, contudo, surgiu uma última e inesperada chance de virarmos o jogo, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA,  sentenciou:
"Os crimes de desaparecimento forçado, de execução sumária extrajudicial e de tortura perpetrados sistematicamente pelo Estado para reprimir a Guerrilha do Araguaia são exemplos acabados de crime de lesa-humanidade. Como tal merecem tratamento diferenciado, isto é, seu julgamento não pode ser obstado pelo decurso do tempo, como a prescrição, ou por dispositivos normativos de anistia".
Muito blablablá e nenhum torturador encarcerado. Aqui.
Se o Estado brasileiro aceitasse, relativamente às execuções no Araguaia, o que é praticamente uma obviedade no Direito Internacional --a de que leis de anistia não têm força legal para impedirem o julgamento de assassinatos e torturas perpetrados por ditaduras--, como poderia sustentar posição diferente com relação aos demais assassinatos e torturas cometidos pela repressão política do regime militar?

Lula, oportunisticamente, não tomou decisão nenhuma a este respeito no seu último mês de mandato, legando o abacaxi à Dilma. E esta mandou às urtigas a chance que teve de mandar apurar o banho de sangue no Araguaia não por iniciativa própria (o que provocaria muita grita da extrema-direita), mas cumprindo a determinação de um organismo internacional.

Ignorou olimpicamente tal sentença e, como contraponto propagandístico, criou uma Comissão da Verdade engana trouxas --cuja atuação, vale lembrar, não respaldaria quando dos inevitáveis choques com os empenhados em perpetuar a mentira, a ponto de duas testemunhas importantes terem sido assassinadas de forma suspeitíssima e ficar tudo por isso mesmo.

Enquanto isto, a Argentina vem sentenciando seus gorilas e respectivos paus mandados desde agosto de 2009 e já emitiu mais de 500 condenações à prisão. Agora, espetacularmente, vai punir militares argentinos responsáveis por operações conjuntas com as ditaduras do Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, no sentido de capturarem e/ou assassinarem militantes de esquerda no exílio.

Caso do nosso Joaquim Pires Cerveira,  que sobreviveu ao inferno do DOI-Codi/RJ em 1970 (quando fui seu companheiro de cela), mas a ele retornou, para ser morto, no final de 1973, depois de ser capturado em Buenos Aires.
Universindo Dias e Lilian Celiberti: sobreviventes.

Em território nacional, o episódio mais famoso da Operação Condor foi o chamado sequestro dos uruguaios (o casal Universindo Dias/Lilian Celiberti e seus dois filhos menores) em novembro de 1978. A imprensa brasileira descobriu rapidamente o ocorrido e denunciou, sem, contudo, conseguir evitar que os quatro fossem despachados para o Uruguai. Mas, a repercussão internacional deve ter contribuído para que todos sobrevivessem.

Resumo da opereta: os argentinos se mostraram hombres e nós, poltrões, permitindo que o nosso país continuasse sendo o asilo dos torturadores reformados.

7x1? Pensando bem, está mais para 7x0...

* Atualização em 28/05: 15 deles foram condenados, por sua responsabilidade na desaparição de 108 pessoas, entre argentinos, uruguaios, paraguaios, bolivianos e um peruano. O octogenário Reynaldo Bignone, último dos ditadores argentinos, recebeu pena de 20 anos de prisão.

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