terça-feira, 10 de maio de 2016

AQUELES QUE INVARIAVELMENTE FAZEM A COISA ERRADA NA HORA ERRADA: OS COLECIONADORES DE DERROTAS.

Oito meses depois de sair das prisões da ditadura, comecei a cursar jornalismo na ECA-USP,

O presidente do Centro Acadêmico Lupe Cotrim era o Augusto Nunes, que depois daria uma guinada ideológica digna de um Carlos Lacerda.

A cada momento entrava na nossa sala de aula para anunciar o início de uma luta qualquer. Como sabia que estava sendo vigiado, eu só escutava. Mas, percebia que ele nunca vinha comunicar que alguma meta tivesse sido atingida. 

Certa manhã, cheguei atrasado como sempre e encontrei a porta da sala trancada: uma veterana professora de História da Arte, que passara umas duas décadas licenciada, reassumira a cadeira e ousara tratar universitários, no pós-1968, como fedelhos de internato.

Quando a aula terminou, entrei e explodi com os colegas: "Se vocês admitem ser trancados por dentro, deixando o resto lá fora, estão mortos! É melhor enterrar logo..."

Os colegas encheram-se de brios e resolveram pedir a substituição da professora, por desatualização e autoritarismo. Eu não pretendia me queimar mais, no entanto nunca fugiria de uma luta que, mesmo sem querer, iniciara. Então, quando me pediram para redigir o abaixo-assinado da classe ao diretor Antônio Guimarães Ferri, noblesse oblige, assenti.

O Augusto Nunes fez a entrega e recebeu a resposta do Ferri: um conselho, chefiado pela própria professora da qual tentávamos nos livrar, apreciaria nossa reivindicação; e se fizéssemos cópias e espalhássemos o manifesto pela escola, ele nos enquadraria no decreto 477.

Na verdade, a panfletagem deveria ter sido feita antes e não depois do diretor ser cientificado do nosso movimento. E o Nunes disse à turma: "Se vocês ainda quiserem que eu providencie a distribuição, eu o farei, conforme prometi". É óbvio que, temendo a expulsão, os colegas recuaram. Permaneci calado.

No dia seguinte, lá apareceu o glorioso presidente do CA para lançar uma nova bandeira qualquer, que certamente não manteria erguida até o fim, como todas as outras. Assim que ele começou sua lengalenga, levantei-me ruidosamente e fui embora, batendo a porta.

Não sabia que estava me antipatizando com o futuro diretor de redação do Estadão, o que faria minha carreira no jornal marcar passo durante toda sua gestão. Mas, mesmo que soubesse, teria agido da mesmíssima maneira. Sigo um velho ditado espanhol, prefiro a morte do que um cheiro forte...

Vem de longe, portanto, meu desapreço e desdém pelos colecionadores de derrotas.

Ah, ia esquecendo o que me fez lembrar deste episódio de mais de quatro décadas atrás: é que o advogado-geral da União acaba de anunciar que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra o impeachment presidencial.

Como o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, acaba de declarar que a corte só vai apreciar esse tipo de questionamento depois da sessão do Senado que afastará provisoriamente  Dilma do cargo, conclui-se que José Eduardo Cardozo pretende que um colegiado de 11 ministros vá invalidar o decidido por 367 deputados e pelo menos a metade dos senadores mais um... e isto no momento em que a oposição terá conquistado expressiva vitória e vai estar montando o novo governo! Acredite quem quiser.. 

Ademais, nada existe na Constituição que confira ao Supremo o papel de corte de apelação das decisões do Legislativo. Seria uma grosseira invasão das prerrogativas de outro Poder.

Então, mesmo não sendo jurista, adianto desde já o resultado de tal recurso e de outros na mesma linha prometidos por Cardozo: baterão e voltarão, ou seja, vão ser negados sem choro nem vela.

Mais derrotas para a coleção.

2 comentários:

ismar disse...

Caro amigo,

Fiquei interessado em você dizer que sabia que estava sendo vigiado.
Ainda por causa da militância na VPR, eles continuaram te perseguindo?

Como era esta vigilância? ostensiva ou profissional, feita pelo DOI-CODI?

Realmente eu não sabia que eles mantinham tamanha vigilância, mesmo sobre um ex-militante já retirado da luta.

abs

celsolungaretti disse...

Ismar,

a ECA-USP era uma das faculdades mais visadas pela repressão, conhecida como foco da esquerda (aliás, o Vladimir Herzog lecionava lá e a maioria dos jornalistas que foram presos quando de sua morte tinham sido alunos, sua militância começara na escola e continuara na profissão).

Então, sabíamos que havia infiltrados nos observando, embora não os identificássemos. E tentávamos não dar muita bandeira. Mas, perdi a calma naquela manhã e tive de assumir o movimento, embora fosse algo meio temerário. Mas, quando se discutiu quem redigiria o abaixo-assinado, um monte de colegas apontou para mim. Com que cara eu recusaria? Enfim, talvez por ter sido uma atitude meio porraloca, não houve consequências.

Eu tentava ir vivendo sem paranoias. Fazia tudo às claras, sem assumir ares de conspirador. A minha jogada é que me vissem como um sujeito isolado, que não fazia parte de nada e falava o que me dava na telha. Devo ter sido convincente, pois não fui preso nem chamado para depor.

Quando liberaram a documentação da repressão, requisitei a que me dizia respeito e fiquei sabendo que controlavam o apê onde eu morava. Havia relatórios de visitas periódicas. O zelador e o síndico jamais me contaram, covardes que eram.

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