sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

REINALDO AZEVEDO MENTE/3 (mensagem de Carlos Lungarzo à ombudsman da "Folha de S. Paulo")

Lungarzo lançou livro sobre o caso
Tendo recebido esses e-mails [nos quais Celso Lungaretti e Rui Martins questionam afirmação falaciosa de Reinaldo Azevedo sobre o julgamento de Cesare Battisti], tomo a liberdade de intervir nessa discussão.
  1. O decreto do presidente Lula de 31/12/2010, alicerçado num despacho muito detalhado da AGU, deveria ter, por seu caráter autoaplicável, imediato efeito sobre a soltura de Battisti, como foi dito pelos ministro Marco Aurélio de Mello e Ayres Britto, além de cerca de 60 juristas.
  2. Não quero discutir o assunto jurídico, porque não acho assunto prazeroso, mas é necessária alguma referência aos julgamentos que compõem o caso Battisti. Lembro, então, que, na primeira deliberação de STF, do dia 9/9/2009, a concessão do refúgio de Battisti foi rejeitada no STF por 5x4 votos e, posteriormente, sua extradição foi autorizada (e não exigida, o que não compete ao Judiciário).
  3. Em dezembro desse ano, também por 5x4 votos (com a mudança do voto de Ayres Britto) foi aprovada a decisão segundo a qual o presidente Lula era a autoridade, como chefe de Estado, que decidiria sobre o caso. Esse direito do Poder Executivo possui uma longa jurisprudência no STF e em cerca de 50 países das Américas e da Europa. O presidente decidiu, como sabemos, pela recusa da extradição.
  4. Os aspectos jurídicos da decisão do STF em ambos os casos são bem conhecidos. Apenas quero sublinhar o seguinte: na oitiva do STF do dia 09/09/09, os quatro ministros que votaram em favor da manutenção do refúgio (Marco Aurélio, Barbosa, Grau e Carmen Lúcia) documentaram vastamente sua decisão. O argumento mais forte é de que não cabe ao judiciário julgar o refúgio, embora possa julgar extradição, que são institutos bem diferentes.
    Cesare Battisti: o fim de uma perseguição iníqua.
  5. Sem discutir quem estava certo na primeira oitiva, cabe deixar claro que o STF decidiu reconhecer o direito do Poder Executivo de executar ou recusar a extradição, com base nos votos positivos de Grau, Ayres, Marco Aurélio, Carmen, Barbosa e os negativos de Peluso, Mendes, Gracie e Lewandowski.
  6. A partir desse momento, os aspectos jurídicos do caso Battisti estavam encerrados. Mas, o pleito foi viciosamente estendido por causa de uma manobra de Peluso, como presidente de STF, que negou-se a soltar Battisti, e marcou uma reunião muito depois, de maneira a prolongar o máximo possível a prisão do escritor italiano. Naquele momento, a defesa de Battisti, liderada por Luis Roberto Barroso, qualificou a manobra de “disfuncionalidade” e lembrou as práticas jurídicas da ditadura.
  7. Mas, apesar do empenho de Peluso, a manobra fracassou. Na madrugada de 9 de junho de 2011, o STF decidiu a liberdade incondicional de Battisti, pelo seguinte placar: contra, Mendes, Grecie, Peluso; a favor, Fux, Lewandowski, Ayres, Marco Aurélio, Carmen Lúcia, Barbosa. Ou seja 3 contra x 6 a favor. Como dá para ver, nesta votação chamada excêntrica pela Folha, os votos a favor duplicam os votos contra.
Reinaldo Azevedo ainda não engoliu a derrota
A posição da Folha no caso Battisti é conhecida não apenas no Brasil, mas também no exterior, bem como suas interpretações do caso e suas fontes, nem sempre isentas.

Entretanto, a matéria do colunista Reinaldo Azevedo excedeu tudo o que já lemos na Folha e mesmo em outros veículos (com a exceção de uma notícia passada no mesmo dia da soltura do Battisti por uma apresentadora de TV).

A sistemática reprodução de ideias que não são nem ambíguas nem confusas, mas unívocas e claramente falsas, sobre aquele julgamento encerrado há quatro anos e meio, não parece ser benéfica para o jornal, pelo menos, entre o público esclarecido.

Carlos Lungarzo (professor aposentado da Unicamp, defensor histórico
dos Direitos Humanos e autor do livro Os cenários ocultos do Caso Battisti)

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