sábado, 16 de janeiro de 2016

APOLLO NATALI: "XIXI NA DEMOCRACIA".

Por Apollo Natali
A democracia é um regime de governo terceirizado: os destinos dos povos não são traçados por eles mesmos e sim pelas mãos de terceiros, chamados de representantes do povo no governo. 

Democracia: regime em que o povo se governa a si mesmo. Não sendo possível os povos se governarem a si mesmos reunidos em assembleias em pequenas praças públicas, como era possível fazer nas diminutas cidades gregas, resta aos habitantes dos populosos países democráticos se governarem mediante a democracia representativa. Nesse caso, o povo nomeia representantes para governá-lo. Tal canseira vem de séculos.

Eis o nó górdio dessa carta branca conferida aos eleitos: costumeiramente transformam o poder da representatividade remunerada a eles conferidos pelo voto popular num balcão de negócios em benefício próprio e em mão militar para ações ditatoriais contra o povo. De posse do poder da representatividade, não cumprem as promessas de campanha e, deste modo, atestam sua inconfiabilidade. Junte-se a semente da corrupção a brotar generosamente nas almas de um punhado deles.

Mais: julgam-se detentores do poder de vida e morte sobre os cidadãos. Isto posto, agem como carrascos do povo. Parabéns à humanidade por seu sensível faro político em criar um novo regime de governo, batizado sem erro de absolutismo democrático.

É nos textos dos botecos da vida que a sabedoria popular discute com precisão o exercício da profissão de decidir em nome do povo. São convincentes as discussões de botequim sobre comportamentos descompromissados com o povo por parte dos representantes eleitos para cargos executivos, câmaras municipais, assembleias legislativas, Congresso Nacional. O povo? Ora, o povo!
     
Uma escritora americana arremessou na mesa do editor um livro seu, recusado sob alegação de que fugia das linhas editoriais da empresa. Imaginando surpreender, não assinou a obra, adotando um pseudônimo. A editora já havia ganhado um dinheirão com a publicação de livros de sucesso dela. Num um artigo, a moça classificou o desprezo por seu livro como um xixi de má pontaria espirrado na literatura.

Mal comparando, mas comparando, eu me dou ao luxo de considerar como um interminável banho de xixi na democracia a eterna omissão dos representantes do povo, que jamais governam como-o-povo-quer-se-governar. De novo, comigo: o povo? Ora, o povo!

Assim sendo, é compreensível esperar chuva de xixi na democracia depois das eleições de 2016 na cidade de São Paulo. Mais uma vez pode não fazer parte da linha da editora --no caso os representantes do povo no governo-- a obrigação de fazer o papel do povo no governo.      

Por seu gigantismo e poderio econômico a capital paulista é o principal centro financeiro, corporativo e mercantil da América Latina, bem como a cidade mais populosa de todo o hemisfério sul e a sexta do planeta, com quase 20 milhões de habitantes. Gera, sozinha, mais de 12% de todo o PIB brasileiro.

Os famintos de poder que correm atrás da autorização do povo paulistano para governar essa mega-cidade em seu nome já somam meia dúzia. Dois têm cacife certo para finalistas: Celso Russomano e João Dória Jr.

A credencial de finalista de Russomano é garantida por sua fama em programas de defesa dos consumidores na TV, embora ele não defenda de uma só vez todos os 200 milhões de consumidores brasileiros sempre lesados. Um de cada vez, com aquele seu devido estardalhaço-demagógico-pessoal exibido na telinha. Uma esmola.

João Dória Júnior, jovem mega-empresário de sucesso mundial, tem sua credencial igualmente garantida por sua fama granjeada na TV em programas de jornalismo de celebridades da área empresarial. Credencial de finalista robustamente garantida, principalmente por ter apoio inquebrantável do governador de São Paulo.

O retrato falado dos dois famintos de poder garante à meteorologia política anunciar a continuidade de tempestades de xixi na democracia em São Paulo:
  • Celso Russomano - Suas vulnerabilidades são várias. Entre elas, a antiga aliança com Paulo Maluf, tendo sido o candidato do Partido Progressista ao governo de São Paulo em 2010. Respondeu a diversas acusações, como as de exercício ilegal de advocacia, agressão a funcionária do Incor, danos às dependências do hospital, simulação de residência para mudar seu domicílio eleitoral, destinação ilegal de verba pública e até envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. As propostas que apresentou ao longo de sua carreira política estão a léguas de distância da responsabilidade de exercer-o-governo-que-o-povo-quer. Casos da troca da denominação de estupro para a de assalto sexual nos boletins de ocorrência da polícia e da sugestão, de feitio nazista, de ingestão forçada de hormônios por parte dos condenados ou acusados de crimes sexuais. Num dos projetos, propôs cadeia para os que fizerem críticas sem provas aos políticos. Alô, alô, ditadura, aquele abraço do Russomano!.
  • João Dória Jr. –  As propostas de governo de João Dória Jr. conhecidas até agora se resumem a uma só, a de atrair investimentos para São Paulo. Governar-do-jeito-que-o-povo-quer-se-governar vai muito mais além desta solitária promessa. Um jornal eletrônico publicou uma foto com Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e João Dória Jr., os três de pé, juntos, rindo. A irônica legenda identificando o Dória na foto era "o João Dória Jr. é o da extrema direita" (*).
Direita? Nas assembleias políticas é a parte que pertence ao grupo dos conservadores. Conservadores? Aqueles que em política são favoráveis à conservação da situação vigente, opondo-se a reformas que poderiam beneficiar os menos favorecidos material e intelectualmente. A direita é uma arena sem espaço para poesias reivindicatórias do povinho. A direita não quer saber daqueles que têm as pernas fracas e não conseguem ficar de pé sem ajuda.

João Dória Jr., assim como seus companheiros do pódio da foto, tem formulado raivosas defesas em favor do impeachment da presidenta Dilma, ela supostamente de esquerda, ele aguerridamente da direita. É o chamado jogo político. Para o povo, jogo de azar.
De maneira geral, como devem ser definidos os candidatos?
Democracia? Ora, a democracia!, zombam os tiranos de todos os matizes. Reforma política? Ora, a reforma política!, escarnecem indefinidamente os eleitos.

A que distância estão os finalistas João Dória Jr. e Celso Russomano da responsabilidade de governar-como-o-povo quer-se-governar?  Sai de baixo. Mais pipi na democracia vem por aí. Uma ova que qualquer um deles vai ser fiel aos seus deveres para com o povo!

* NOTA DO EDITOR: João Dória Jr. foi em 2007 o principal articulador do Cansei!, patética tentativa de reeditar a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade de 1964. O movimento evaporou após reunir apenas algumas centenas de gatos pingados na Praça da Sé.

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