domingo, 20 de setembro de 2015

O DESABAFO DE OUTRO VELHO COMPANHEIRO DO LULA

Antônio Tito Costa é outro nonagenário inconformado com a trajetória negativa cumprida por Lula e o PT, que começaram desafiando o patronato e hoje dão seu aval a pacotes econômicos antipopulares, fazendo uma opção preferencial pelos banqueiros em detrimento dos trabalhadores e do povo brasileiro. 

Sua carta aberta resume o que muitos petistas de outrora sentimos. Compartilhamos o mesmo sonho e amargamos a mesma decepção, amarga como fel.

"Quem te viu, quem te vê/ Quem não o conhece, não pode mais ver pra crer/ Quem jamais o 
esquece, não pode reconhecer..."

Hoje, quando Lula se dispõe a percorrer o Brasil defendendo o neoliberalismo, é dos mais 
oportunos o desabafo do Tito Costa, 
daí eu publicá-lo na íntegra.

CARTA ABERTA A LULA
Tito Costa (*)
Meu caro Lula, permito-me escrever-lhe publicamente diante da impossibilidade de nos falarmos em pessoa, com a franqueza dos tempos de nossos seguidos contatos –você na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos e eu prefeito de São Bernardo do Campo.

Não vou falar das greves que ocorreram de 1979 a 1981, que projetaram seu nome no Brasil e no exterior. Não quero lembrar os dias angustiantes da intervenção no sindicato pelo ministro do Trabalho, em março de 1979, e da violência que se seguiu com prisões, processos e a sua detenção pelo Dops.

Todos esses fatos sempre foram acompanhados por mim juntamente ao senador Teotônio Vilela, a Ulysses Guimarães e a numerosos políticos do então MDB.

Na véspera da intervenção no sindicato, você ligou no meu gabinete me pedindo ajuda para retirar estoques de alimentos ali guardados. Enviei caminhões da prefeitura para retirá-los e o material foi depositado na igreja matriz da cidade.

Não falo das reuniões, madrugadas adentro, em meu apartamento em São Bernardo, com figuras expressivas do mundo político e também de outras esferas, como dom Cláudio Hummes, nosso amigo, então bispo de Santo André, hoje pessoa de confiança do papa Francisco, em Roma. Éramos todos preocupados com a sua sorte, a do sindicato e também a das nossas instituições em pleno regime militar.

Prefiro não falar dos dias em que o acolhi em minha chácara na pequena cidade de Torrinha, no interior de São Paulo, acobertando-o de perseguições do poder militar da época: você, Marisa, os filhos pequenos, vivendo horas de aflição e preocupantes expectativas.

Nem quero me lembrar das assembleias do sindicato, depois da intervenção no estádio de Vila Euclides, cedido pela Prefeitura de São Bernardo, fornecendo os aparatos possíveis de segurança.

Eram os primórdios de uma carreira vitoriosa como líder operário que chegou à Presidência da República por um partido político que prometia seriedade no manejo da coisa pública e logo decepcionou a todos pelos desvios de comportamento e de abusos na condução da máquina administrativa do Estado.

E aqui começa o seu desvio de uma carreira política que poderia tê-lo consagrado como autêntico líder para um país ainda em busca de desenvolvimento. Você deixou escapar-lhe das mãos a oportunidade histórica de liderar a implantação de urgentes mudanças estruturais na máquina do poder público.

Como bem lembrou Frei Betto, seu amigo e colaborador, você, liderando o Partido dos Trabalhadores, abandonou um projeto de Brasil para dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de poder, acomodando-se aos vícios da política tradicional.

Assim, seu partido, em seus alargados anos de governo, com indissimulada arrogância, optou por embrenhar-se na busca incessante, impatriótica e irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de sua causa que não é a do país.

Enganou-se você com a pretensão equivocada de implantar uma era de bonança artificial pela via perversa do paternalismo e do consumismo em favor das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual agora se apercebem com natural desapontamento.

Por isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu a oportunidade histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda busca um caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para todos. Alguma coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente factível pelo poder político que você e seu partido detiveram por largo tempo.

Agora, perdido o ensejo de sua consagração como grande liderança de nossa história republicana recente, o operário-estadista, resta à população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de dificuldades e incertezas.

Seu amigo, Tito Costa.

* Antonio Tito Costa, 92 anos, era prefeito de São Bernardo do Campo quando das célebres greves de metalúrgicos lideradas por Lula. Foi também deputado federal constituinte.

3 comentários:

SF disse...

No começo governo do PT me caiu nas mãos o 18 Brumário de Luís Bonaparte. Li por alto, pois achei um texto fácil de ler. Não tinha e nem tenho o aprofundamento teôrico para entender tudo que ele contém, mas neste tempo em que durou o governo lulopetista vi muitos paralelos entre o que descreve o livro e o que aconteceu com o PT. Se fosse espírita diria que Lula é a reencarnação do Luís. Até o apelido remete.
É triste ver uma personalidade ou um grupo não cumprir suas promessas, porém bastaria ter lido o velho Karl para saber aonde nos levaria a aventura petista.
O importante é saber que o processo continua, é inerente à natureza.
A expectativa com e a adoração a personalidades é típico de intelectos primários, enredados na armadilha do ego.
Vai-se um sonho, é hora de acordar vc não acha?

celsolungaretti disse...

Desde que o antigo sonho não insista em ficar nos assombrando, agora como pesadelo. É uma bobagem sem tamanho o Lula fazer campanha pela aprovação do pacote do Levy.

Não vai resultar e ele, ainda por cima, emascula sua história. Deveria é convencer a Dilma a desistir dessa iniquidade.

Marcos Lourenço disse...

O PT, CUT tentam achar um rumo que os salvaguarde desse desastre. Está difícil. As deserções, as críticas de antigos companheiros como do Tito Costa aparecem cada vez mais.

Uma coisa certa é que PT/CUT não serão os guias e nem referência das movimentações da massa trabalhadora que estão aparecendo. Alias, nunca foram autênticos guias; enganaram.Serão varridos, pelo menos nas grandes capitais, ou melhor já estão sendo colocados de lado.

Na sexta feira estive na AV.Paulista e fiquei impressionado com a passeata de uma frente de partidos de esquerda e movimentos populares. É um começo.

Sem PT, CUT. Sem os assalariados de sindicatos que seguram as faixas do PT/CUT ou empresas que fornecem aqueles ridículos balões.

Foi emocionante. Rústica faixas confeccionadas pelos próprios manifestantes mas com mensagens que chegam a nossos corações conclamando-nos à luta e a resistência contra a exploração sem limite do capitalismo.

O trabalhador já caminha por novas estradas e achará seu caminho. Temos que ter esse sonho, essa esperança.

Pouco foi noticiado a respeito dessa passeata, quer pelos jornalões ou blogs.

Milton Temer num recente artigo disse que o "PT impôs a CUT e UNE [cooptados] uma fidelidade incondicional a uma militância ideologicamente desarmada". Deu no que está dando.

O tempo do PT, dos seus corruptos líderes e dos seus estrategos medíocres e oportunistas e de suas instâncias sindicais passou.

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