Demonstração de fraqueza: os 37 mil de 5ª feira na av. Paulista pouco impressionaram... |
As manifestações desta 5ª feira (20), contrárias tanto ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff quanto à política econômica da dita cuja, acabaram reunindo aproximadamente um décimo dos cidadãos que no último domingo (16) foram às ruas pedir o afastamento de Dilma do poder.
Ou seja, não houve nenhuma virada, mas sim a confirmação de que, nas ruas, o escore de Dilma é quase o mesmo das pesquisas de opinião em que se afere sua aprovação x rejeição: perde por goleada mais acachapante ainda do que os 7x1 de nossa maior humilhação futebolística em todos os tempos.
Já que uma vez ela equiparou o desempenho do seu governo ao da Seleção Brasileira sob a direção do técnico Luiz Felipe Scolari, bem que poderia levar tal palpite infeliz às últimas consequências, deixando o cargo como o Felipão, mas sem esperar ser chutada como o Felipão. Está na hora da renúncia.
Bem que a esquerda do PT tentou melhorar um pouco o quadro, ao conceber um protesto, no mínimo, peculiar: fica Dilma! + fora Levy!. Ou seja, ofereceu um álibi aos quadros mais coerentes do partido, que estavam envergonhados de se mostrarem um público defendendo um governo neoliberal.
...em contraste com os 135 mil do domingo. |
Noves fora, isto não fez aumentar o número de participantes dos atos, mas permitiu constatar-se a enorme ojeriza ao ministro da Fazenda nas hostes petistas: ele foi tão execrado pelos manifestantes quanto o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, que as redes virtuais obedientes à orientação palaciana há muito erigem em vilão máximo.
Dilma jogou no ralo mais uma oportunidade de, pelo menos, tentar virar o jogo: se houvesse exonerado Levy antes da jornada de 5ª feira, sinalizando a desistência de impor aos brasileiros uma política econômica conflitante ao extremo com os valores e tradições do PT, reunificaria seu partido e ofereceria um mínimo de esperança aos que amargam a recessão.
Agora, só lhe resta fazer coro com a mentira deslavada de Levy, que finge acreditar numa melhora da economia ainda neste ano, embora ele, o FMI, os economistas reputados e os principais analistas do chamado mercado estejam carecas de saber que 2015 e 2016 já estão condenados. Pior: nada, por enquanto, indica que a retomada começará mesmo em 2017. Depende do que será feito em seguida, depois de o ajuste fiscal, na primeira investida, fracassar miseravelmente.
Para ele ser executado conforme manda o figurino, precisará ser criado um consenso entre as principais forças políticas, incluindo a definição dos sacrifícios a serem suportados por todas as classes e segmentos da população, pois jogar a conta toda nas costas dos coitadezas é impossível: eles já estão tão empobrecidos que não têm mais como apertarem os cintos. Morrerá gente.
Como não temos, nem de longe, harmonia entre os poderes da nação neste momento --em Brasília impera o caos--, conseguir um consenso para respaldar o arrocho fiscal é missão praticamente impossível. Não rolará. Nasceu morto e impõe um inútil penar aos que já penam demais, conforme constatou o comentarista econômico Vinícius Torres Freire num texto cujo título, Esfolar o povo à toa, já disse tudo:
"A recessão está solta nas ruas, parte do povo é esfolada, como de hábito e inevitável, sofrimento ainda mais gratuito e talvez prolongado porque não se percebe princípio algum de ordem, direção e sentido no que se faz em Brasília.
...Não há coordenação de partidos, nem de bancadas, lideranças capazes ou interessadas em recolocar alguma ordem no Parlamento. Pelas atitudes recentes, não se nota que a presidente tenha reconhecido o tamanho da encrenca econômica ou política, realimentando ela mesmo crises palacianas, p. ex.
Em suma, o sacrifício do ajuste em parte é crueldade pura, pois é consumido pela crise política contínua".
Afora o fato de que seguir direitinho as receitas amargas da ortodoxia econômica não tem levado os países à bonança, mas sim à desgraça. Como escreveu o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, os "imensos sacrifícios" que foram impostos à Grécia a partir de 2010 "supostamente deveriam produzir recuperação", mas, "em lugar disso, a destruição do poder aquisitivo aprofundou a crise, criando sofrimento em escala semelhante ao da Grande Depressão e severos problemas humanitários".
DILMA É A PESSOA ERRADA, NO LUGAR ERRADO E NA HORA ERRADA.
Como o que foi feito até hoje determina a continuidade da recessão pelo menos até 2017 e nada está sendo feito que vá melhorar o quadro, a perspectiva é de que a penúria e o desemprego nos fustiguem por muito tempo ainda.
Pelo que mostrou até agora, terá Dilma competência e credibilidade para conduzir o País num período tão difícil? Como Roosevelt, encontrará formas para, pelo menos, atenuar o sofrimento dos brasileiros? Como Churchill, conseguirá pedir-lhes "sangue, suor, trabalho e lágrimas" sem que eles caiam na gargalhada? Pensem nisto.
Sim, o governo de Dilma é legal e se beneficia, conforme o veterano jornalista Clovis Rossi destacou, da existência de "uma profunda desconexão entre a rua e o disfuncional sistema político brasileiro e entre as urnas e a superestrutura política". Daí não haver como derrubá-lo com um voto de desconfiança.
Mas, a ilegitimidade cobra seu preço. Os governistas acusam Aécio Neves de não saber perder, mas omitem que Dilma não soube ganhar. Superou Marina Silva e o próprio Aécio recorrendo a uma demagogia delirante e avassaladora, na linha de "ou eu, ou o dilúvio". Nada teve de positivo para oferecer ao eleitorado, sua campanha foi totalmente negativa, de satanização dos dois principais adversários.
Era óbvio que deixaria feridas sangrando muito mais do que o habitual no front inimigo e era também óbvio que os eleitores iludidos não se conformariam com a chegada do dilúvio pelas mãos da própria Dilma. O estelionato eleitoral está na raiz de sua descomunal impopularidade atual.
Mas, estelionato eleitoral também não é razão suficiente para o impeachment, em termos formais. Cabe aos dirigentes petistas refletirem sobre se vale a pena continuarem aferrados de forma tão obsessiva ao poder apesar de amplamente rejeitados pelos brasileiros, humilhados na batalha das ruas e incapazes de acenarem com qualquer perspectiva fundada de melhora.
Até quando conduzirão o Titanic na direção do iceberg? Estarão cientes de que vão passar à História como os insensatos que imolaram os trabalhadores no altar de suas ambições e de sua falta de grandeza histórica?
É melhor uma renúncia digna do que a manutenção do poder por meios indignos, como os vergonhosos toma-lá-dá-cá que presenciamos na semana passada, quando sujeitinhos imundos foram cooptados e se firmaram pactos faustianos com as forças demoníacas que o PT prometera exorcizar.
Um comentário:
De maneira nenhuma Dilma poderia ser um Roosevelt; esqueceu há muito o que terá aprendido com Brizola. E menos ainda o seu governo poderia anunciar algum New Deal.
E as ilusões dos petistas continuam, só Deus sabe como. Li no Brasil 247 que as manifestações de ontem foram uma vitória portentosa contra os "golpistas", a voz uníssona do povo brasileiro, nas ruas, contra o Cunha em primeiro lugar. A lorota que se propagandeia é a de que Cunha vem a ser o inimigo público n. 1, odiado até pelas árvores. O repúdio a Levy é secundário. Sem dúvida, foi este o tom do 20 de Agosto, que entrou para a História, mas apenas até a semana que vem.
Meu filho de seis anos perguntou-me por que Dilma não chama os brasileiros para uma conversa franca, um papo reto. Eu respondi que não pode fazê-lo. E ele me corrigiu: "Não pode, porque não quer!"
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