Talvez o menos conhecido dos grandes letristas do auge da MPB seja Antônio Carlos de Brito (1944-1987), o Cacaso.
Professor universitário, poeta, cronista e desenhista acidental, abrilhantou com seus textos e caricaturas os veículos alternativos da época, como Opinião e Movimento.
E são simplesmente brilhantes suas contribuições musicais, tanto que compôs em parceria com, e/ou teve suas criações interpretadas por: Almir Sater, Cláudio Nucci, Djavan, Eduardo Gudin, Edu Lobo, Francis Hime, João Donato, Joyce, Nelson Angelo, Novelli, Olívia Byington, Sivuca, Sueli Costa, Tom Jobim, Toninho Horta, Toquinho. A nata da nata.
Graças a uma citação do Elio Gaspari na sua coluna dominical, fiquei conhecendo, com enorme atraso, outra das poesias magnificamente sarcásticas de Cacaso: "Jogos Florais - 1", feita na época do milagre brasileiro para detoná-lo com muita classe:
Minha terra tem palmeiras,
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso, o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil,
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
Antes, eu já me apaixonara por duas canções cujo destaque absoluto são seus versos, musicados e gravados por Edu Lobo. Vale a pena reproduzir na íntegra as letras, pois têm uma qualidade cada vez mais difícil de encontrarmos nos trabalhos atuais:
VIOLA FORA DE MODA
Moda de viola,
de um cego infeliz,
podre na raiz, ah, ah!
Vive sem futuro,
num lugar escuro
e o diabo diz: Ah, ah!
Disso eu me encarrego,
moda de viola
não dá luz a cego, ah, ah!
LERO-LERO
Sou brasileiro,
de estatura mediana,
gosto muito de fulana,
mas sicrana é quem me quer.
Porque no amor,
quem perde quase sempre ganha,
veja só que coisa estranha,
saia dessa se puder!
Eu sou poeta
e não nego minha raça,
faço verso por pirraça
e também por precisão.
De pé quebrado,
verso branco, rima rica,
negaceio, dou a dica,
tenho a minha solução.
Não guardo mágoa,
não blasfemo, não pondero,
não tolero lero-lero,
devo nada pra ninguém.
Sou esforçado,
minha vida levo a muque,
do batente pro batuque,
faço como me convém.
Sou brasileiro,
tatu-peba, taturana,
bom de bola, ruim de grana,
tabuada sei de cor.
4 x 7,
28, noves fora,
ou a onça me devora,
ou no fim vou rir melhor.
Não entro em rifa,
não adoço, não tempero,
não remarco o marco zero,
se falei, não volto atrás.
Por onde passo
deixo rastro, deito fama,
desarrumo toda trama,
desacato satanás.
Diz um ditado,
natural da minha terra:
bom cabrito é o que mais berra,
onde canta o sabiá.
Desacredito
no azar da minha sina,
tico-tico de rapina,
ninguém leva o meu fubá!
Um comentário:
Este negócio do diabo dizer há, há é meio esquisito...
"Und der Teufel, der lacht nur dazu Ha, ha, ha, ha, ha, ha."
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