Em editorial desta 2ª feira, 19 (ver íntegra aqui), a Folha de S. Paulo pede "respeito à anistia", pois, no seu entender, a "iniciativa de denunciar militares por sequestros durante a ditadura militar é tentativa canhestra de burlar uma decisão do Supremo".
Desinformando seus leitores, o jornal da ditabranda tenta fazer crer que a impunidade eterna destes carrascos é fato consumado:
"Quando julgou a Lei da Anistia em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu sem ambiguidades que ela é constitucional e que seus efeitos se aplicam tanto aos integrantes de organizações da luta armada quanto aos agentes do Estado que tenham cometido crimes políticos ou conexos.
Com a decisão, portanto, o Supremo encerrou de vez, e para o bem da sociedade, toda a polêmica sobre o alcance da anistia".
A Folha supõe que sejamos todos crédulos e ignorantes.
Sem dúvida nenhuma, é mesmo incontornável a aberração jurídica cometida pela mais alta corte do País, que deu a tiranos o direito de anistiarem preventivamente a si próprios em plena vigência do regime de exceção (!), contrariando não só o entendimento da questão em todo mundo civilizado como a lógica mais comezinha: seria uma brecha para todos os criminosos de todas as ditaduras escaparem sempre das punições.
As instâncias inferiores do Judiciário poderão até acolher teses como a dos procuradores da República que sustentam serem crimes continuados cinco execuções comandadas pelo célebre Major Curió sem que os restos mortais fossem encontrados até hoje.
Mas, tais pendengas inevitavelmente desembocarão no Supremo e o Supremo inevitavelmente considerará intocáveis os torturadores. Resumindo: é perda de tempo.
Mas, tais pendengas inevitavelmente desembocarão no Supremo e o Supremo inevitavelmente considerará intocáveis os torturadores. Resumindo: é perda de tempo.
NADA IMPEDE, CONTUDO, QUE O EXECUTIVO PROPONHA A REVOGAÇÃO DESTA CARICATURA DE ANISTIA E QUE A PROPOSTA SEJA APROVADA PELO LEGISLATIVO. Aí, evidentemente, o STF seria provocado a reposicionar-se sobre o assunto.
É flagrante a desonestidade da Folha ao omitir que existe, sim, uma via democrática para sustarem-se os efeitos desta lei vergonhosa, gerada pelos culpados de assassinatos (incluindo execuções covardes de militantes aprisionados e indefesos), torturas, estupros, ocultação de cadáveres e outros horrores, com o aval de um Congresso subserviente à caserna, manietado e intimidado ao extremo, cujos membros não haviam sido escolhidos em eleições livres; e com a anuência de uma esquerda que cedeu à chantagem ditatorial para obter, em troca, a libertação dos presos políticos e a permissão de volta dos exilados.
Tal via democrática só não é trilhada por falta de vontade política. Já estamos no quinto mandato presidencial de antigos perseguidos políticos --o que teve de refugiar-se no exterior e os dois que conheceram os cárceres da ditadura-- sem que nenhum deles ousasse dar o passo obrigatório para que a Justiça seja feita.
Para nosso opróbrio, ainda não acabamos de eliminar o entulho autoritário... 27 anos depois de voltarmos à civilização!
Para nosso opróbrio, ainda não acabamos de eliminar o entulho autoritário... 27 anos depois de voltarmos à civilização!
Um comentário:
A Folha (e a mídia colaborativa em geral, que aproveitou a ditadura para crescer) confunde opinião publicada com opinião pública. Esses meios costumam se erigir em arautos do povo e da sociedade, mas nas horas críticas se apartam destes, ficam do lado dos mais fortes e poderosos do momento. Às vezes se colocam também no papel de 'savants', de esclarecidos, achando ter uma opinião mais informada e autorizada sobre tudo.
O Supremo, a meu ver, terá a chance de rever essa lei, sempre que provocado pelos procuradores e advogados. Um ponto interessante: a lei da anistia exclui sequestro do rol dos crimes anistiáveis. ora, todos que foram levados pelas forças de repressão sem mandado judicial foram, na realidade, vítimas de sequestro - alguns dos quais não voltaram dele. Se a própria lei exclui esse crime do rol de delitos anistiáveis, e se é essa lei que estão invocando para não responsabilizar os que o praticaram, há uma inconsistência que tem que ser explorada pelos doutos representantes do MP e das vítimas.
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