quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

REFLEXÕES SOBRE A MORTE DE UM TIRANO

Nas pegadas de Stálin: assim se cultuava a
personalidade do ditador que já foi tarde.
"Metida tenho a mão na consciência
e não falo se não as verdades puras
que me ditou a viva experiência"
(Camões)

Pelos motivos que vou expor adiante, nunca me interessou particularmente o que acontecia na Coréia do Norte. A idade me ensinou a manter distância daquilo que só me deprimirá.

Mas, para os interessados, recomendo a ótima análise de Elio Gaspari em sua coluna Já foi tarde (acesse íntegra aqui) da qual destaco estes parágrafos estarrecedores:
"Em 1945, a península coreana foi dividida entre duas ditaduras. A do Norte, comunista e rica. A do Sul, capitalista e pobre. Nos anos 60, quando se falava em  milagre coreano, o tema era a supremacia socialista. Em 1970, todos os vilarejos do país tinham eletricidade. 

Passou-se uma geração, o Sul tem uma democracia e o Norte tem uma tirania enlouquecida, que mais se parece com a  Spectre  do romance de Ian Fleming do que com um Estado. Em apenas quatro anos, entre 1991 e 1995, a renda per capita da população caiu de US$ 2.460 para US$ 719. O regime vive do socorro cúmplice da China.

Falta eletricidade, mas as 34 mil estátuas do  Pai da  Pátria Socialista  são iluminadas mesmo de dia.

A professora Mi-Ran conta que via alunos de cinco ou seis anos morrerem de fome nas salas de aula. Sua turma de jardim de infância de 50 alunos caiu para 15.
De Hitler a Kim Jong-un, os grandes ditadores
sempre tiveram paradas militares como fetiche
 Nas casas desse paraíso, uma parede da sala deve ser reservada para o retrato do  Líder, que é distribuído com um pano. Fiscais zelam para que nenhuma família deixe de limpá-lo.
A fome dos anos 90 matou entre 600 mil e 2 milhões de coreanos do norte. Em algumas cidades morreram dois em cada dez habitantes. Um médico conta que ensinou mães a ferver demoradamente a sopa de capim. A certa altura, as famílias preferiam que as crianças morressem de fome em casa, porque nos hospitais, onde não havia remédio, faltava também comida".
O PODER MANTIDO A FERRO E FOGO,
SOBRE MONTANHAS DE CADÁVERES

 Um conceito do marxismo clássico que até hoje considero axiomático é do que o destino do mundo se decide nos países com economia avançada, não nos periféricos.

Era nesses que Marx queria iniciar a construção do socialismo, convicto de que arrastariam os demais na sua esteira.

Mas, quando foi o reformismo e não a revolução que neles prevaleceu após a revolução soviética de 1917, os apressadinhos correram a trocar o foco, passando a tentar mudar o mundo a partir das nações menos pujantes --o que só gerou decepções e fez brotarem tiranias como cogumelos.

As potências centrais acabam sempre por anular tais arroubos, seja forçando trocas de regime, seja asfixiando tais nações mediante embargos econômicos como o imposto a Cuba.

Muitos, por estarem sendo forçados a socializar a penúria e não a abundância, acabaram descambando para os piores despotismos, como o Camboja do Pol Pot. A palavra de ordem de tais  nomenklaturas  é a manutenção do poder a ferro e fogo, sobre montanhas de cadáveres.

Barricadas parisienses, 1968: os comunistas
franceses preferiram salvar Charles De Gaulle.
E os esquerdistas que, desde Stalin, traem a proposta libertária do marxismo e se põem a defender brutais tiranos, tornam execrável a imagem da revolução aos olhos dos explorados das nações prósperas, aqueles que precisaríamos reconquistar para voltarmos a oferecer uma perspectiva revolucionária global, como havia um século atrás.

A mesmerizante indústria cultural burguesa martela dia e noite na cabeça dos   videotas  que a alternativa ao capitalismo é miséria e chicote.

Os movimentos de contestação de 1968 e anos seguintes foram os últimos que abriram uma possibilidade real de revolução nos países prósperos. Nunca saberemos o que aconteceria se o Partido Comunista Francês tivesse se colocado no lado certo das barricadas, junto aos estudantes e operários jovens que se rebelaram, e não esfaqueando-os pelas costas.

Resta, para nós, a titânica tarefa de recolocarmos a revolução aos trilhos, reentronizando sua componente libertária, sem a qual ela jamais voltará a ser atrativa para os melhores seres humanos --mormente na era da internet! 

É impensável, para cidadãos tão ciosos da sua liberdade pessoal como os de hoje, a perspectiva de desperdiçarem esforços na construção de regimes que lhes imporão camisas de força. Tanto quanto em 1968, temos, isto sim, de encarnar a esperança do  paraíso agora!

E as terríveis frustrações com o stalinismo (degeneração burocrática da revolução que culminou na volta ao capitalismo e à democracia burguesa) e com o maoísmo (de cuja derrocada resultou o pior dos mundos possíveis, um capitalismo de estado altamente despótico) servem como sonoro alerta de que a nova revolução terá, obrigatoriamente, de ser global, tanto quanto o capitalismo hoje é global.

O chamado  socialismo real  implantado em países isolados, nem serviu como estopim para a revolução mundial, nem se manteve... socialista. Na verdade, tornou-se uma caricatura odiosa do socialismo, que melhor serviu à burguesia como espantalho do que para nós como cartão de visita.

É hora de reassumirmos a revolução mundial --e, eminentemente, libertária-- como meta suprema.

5 comentários:

Anônimo disse...

Quando esse ai morrer jamais vou comemorar!

Djijo disse...

Se vc reparou, qualquer ditadura só se mantém porque têm os vassalos militares apoiando, ainda mais quando é ditadura. Daí que dá pra perceber a excrescência de existir exércitos. Se nenhum país tivesse, não brigariam entre si, nem ditaduras se estabeleceriam. Assim, com a desculpa de que é necessário "defender a pátria", eles se perpetuam e vivem, segundo Brizola, como erva de passarinho, àquela trepadeira que suga e mata a árvore que a sustenta.

Hugo Albuquerque disse...

Concordo. Ainda assim, discordo de um pontinho: não necessariamente o comunismo precisaria ser construído em países "desenvolvidos" - embora sua construção não prescindisse disso, é verdade -, mas era preciso que nos países pobres, sua dinâmica precisasse ser outra, por motivos óbvios. Abrir mão de realizar processos revolucionários nos mais pobres caem na vala comum do etapismo - o que os bolsheviks acertaram na mosca quando desenvolveram a lei do desenvolvimento desigual, em resposta ao ideário menchevik: a pobre da Rússia era relativa à forma como as potências europeias a exploravam, desenvolvê-la em termos capitalistas era apenas mudar a geopolítica e criar novas redes de exploração (coisa que Stalin, no fim das contas, fez).

Hoje, é claro, esse debate perdeu o sentido, uma vez que o capitalismo transcendeu as fronteiras dos Estados nacionais que serviram como sua sustentação da Revolução Francesa até o fim da URSS - embora já tivesse condições tecnológicas de fazer isso desde o pós-guerra, coisa que, no entanto, a tensão geopolítica da Guerra Fria não permitiu. No mundo global não há mais periferia ou centro. Somos uma rede e a luta só pode ser concebida nesses termos.

O regime norte-coreano, uma deformação nacional-popular particularmente preocupante é apenas um engodo mantido pelo imperialismo chinês. O regime se sustenta internamente por uma simbologia fascista e se estrutura como uma ditadura militar, mas sua função é servir de colchão de ar pelo qual a China se protege dos EUA e anseia projetar sua superioridade sobre o Mar do Japão, tão logo. Enfim, trata-se de um país base militar, que pode ser "desligado" a qualquer momento por Pequim, que produz quase toda sua energia. O Ocidente, pelo seu lado, utiliza a miséria norte-coreana tanto mais como miragem para pressionar a China.

Willian Alves de Almeida disse...

Celso, dá uma olhada nesse texto, e quando possível opine sobe ele:

http://www.novadialetica.com/2012/01/de-socialismos-monarquicos.html?showComment=1326197834622#c3500789297545652676

celsolungaretti disse...

É uma boa reflexão, Willian.

Mas, eu não qualificaria a economia coreana do norte de "socialista". Nem de longe.

Lendo isto, lembrei-me de uma divagação incrível do Trotsky.

Perguntaram-lhe o que faria se concluísse que o desvirtuamento da revolução soviética era irreversível.

Ele respondeu que passaria imediatamente a organizar a luta dos trabalhadores explorados pela nomenklatura e pelo coletivismo burocrático por ela imposto.

É exatamente o que eu recomendaria no caso da Coréia do Norte.

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