segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

UM JOGADOR HABILIDOSO COMO POUCOS E CEREBRAL COMO NENHUM

Nos dois posts anteriores, eu lembrei o papel marcante de Sócrates na campanha das diretas-já e determinante na democracia corinthiana --que foi, para o povão, uma amostra da democracia que almejávamos para a sociedade, ou seja, o grupo decidindo e não um cartola a mandar e desmandar sozinho.

Faltou dizer algo sobre o jogador.

Foi o mais inteligente que já vi atuar -- com a ressalva de não haver acompanhado com idêntica atenção a carreira de Cruyff, até porque as partidas da Europa não eram disponibilizadas amplamente na TV como agora.

Pode ser que o maestro da  laranja mecânica  se equiparasse ao Sócrates. Pode ser.

A utilização frequente do calcanhar, p. ex., foi um expediente genial que ele encontrou para superar uma deficiência física. Algo como os dribles desconcertantes que Garrincha dava apesar de ter uma perna mais curta do que a outra --só que premeditado, não intuitivo.

Alto, magro e com pés pequenos, Sócrates tinha pouco equilíbrio e qualquer esbarrão dos zagueiros o atirava no chão. Daí ter desenvolvido toda uma técnica para não reter a bola, evitando os choques.

Quando estava marcado e recebia o passe, mesmo pelo alto, procurava dar destino imediato à bola, lançando-a para o companheiro com um único toque, no chão ou no ar.

Era um espetáculo a precisão desses toques --os de calcanhar inclusos. Muitos jogadores, com a bola rolando no gramado, não conseguiam passar tão bem.

Também me chamava a atenção o fato de que na arquibancada, com uma visão bem mais ampla do  tabuleiro e, portanto, vislumbrando melhor o lance correto a ser feito, eu raramente encontrava um jogador que o fizesse na maioria das vezes.

Sócrates era uma exceção absoluta: quase sempre o fazia. Ou um melhor ainda, que não me ocorrera.

Impagávell foi seu  drible do olhar  num jogo sem muita importância do Corinthians contra um time pequeno.

Puxando o contra-ataque, ele conduziu a bola olhando sempre para a direita, o que fez toda a defesa adversária se preocupar com o corinthiano para o qual o  doutor  fazia menção de lançar a bola.

Pelo contrário, sem virar o rosto, ele deu um toquinho hábil para o companheiro que descia sozinho pela esquerda, colocando-o diante do goleiro. Depois, enquanto os corinthianos comemoravam, os zagueiros logrados ficaram entreolhando-se em silêncio, com cara de bobos...

Finalmente, eu sempre reparei que ele achava natural fazer aquilo que fazia. Não mostrava vaidade.

Ao chegar no Corinthians, surpreendeu a torcida com sua fleuma depois de fazer um golaço: virava as costas e voltava para o seu campo.

Quando isto começou a ser comentado negativamente --afinal o Corinthians sempre foi time da grande massa, portanto vibrante--, ele mudou de atitude e passou a comemorar os gols, esforçando-se para aparentar um entusiasmo que geralmente não estava sentindo.

Percebia-se que considerava ter feito apenas sua obrigação.

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