sábado, 6 de agosto de 2011

IT'S A LONG WAY

"Descobri que biografar alguém significa, a partir de certo ponto, abdicar da própria vida e se mudar para a vida do biografado", avaliou Ruy Castro, numa interessante coluna sobre um jovem estadunidense que veio ao Brasil rastrear a trajetória do avô (morto em 2000) para escrever-lhe a biografia.

Foi exatamente como me senti quando, a pedido do dono de uma agência de comunicação empresarial na qual eu trabalhava, tentei escrever a biografia (com jeitão de  memórias póstumas) de um grande amigo dele.

Tratava-se de um imigrante que, percebendo uma boa oportunidade de negócios no Brasil, criou uma indústria que inexistia por aqui, aproveitando os incentivos fiscais para a região amazônica.

Acabou vendendo-a por algumas dezenas de milhões de dólares, comprando uma cobertura que lhe permitia vislumbrar um dos cenários mais belos do mundo e... tendo azar pelo resto dos seus dias.

Quando o entrevistei, fiquei sabendo que os filhos adultos o haviam decepcionado e que estava com os dias contados (sofria de câncer a as várias operações só lhe causaram sofrimento, sem curá-lo).

Vivia no imenso apê com profusão de luxos inúteis e um filho que  comprara -- tinha engravidado sem querer uma aventureira e fechou então o acordo de recompensá-la regiamente para lhe entregar o nenê e sumir para sempre da vida de ambos.

O menino era cuidado por uma governanta. O velho não tinha muito jeito para lidar com ele.

Senti-me tão oprimido naquele ambiente esquisito -- fazia-me lembrar o Cidadão Kane, cercado por tesouros de todo tipo mas carente do maior de todos, o calor humano -- que decidi não mais  me mudar para a vida do biografado.

Entreguei minhas fitas para um amigo especializado em biografias e, dando uma desculpa educada, transferi a tarefa, com um suspiro de alívio. Profundo.

Mas, nem sempre foi tão deprimente para mim o ingresso na vida de outras pessoas.

Tendo de escrever longas matérias jornalísticas sobre dirigentes empresariais, fiquei sabendo como era o capitalismo de outros tempos, quando as grandes individualidades ainda tinham papel decisivo.

Um, ao perceber que o produto fabricado na sua indústria não estava sendo atrativo para o mercado brasileiro, pegou uma mala de amostras, voou para os EUA e, como se fosse um caixeiro-viajante, saiu garimpando pedidos de porta em porta. Acabou não só salvando a empresa como se tornando um dos nossos principais especialistas em comércio exterior.

Outro, quando sua fábrica inundou, passou a comandar pessoalmente os trabalhos de emergência, dormindo numa cama de campanha, arrastando máquinas pesadas como se fosse um peão, sujando-se de graxa e encharcando-se de suor. Resultado: três décadas depois os veteranos ainda se referiam com carinho ao patrão que não era esnobe e almofadinha como quase todos os outros.

 Filmaço sobre a Resistência holandesa;
lembra o francês Exército das sombras
Apesar da minha profunda aversão ideológica à figura do capitalista, não deixava de perceber uma certa grandeza nesses titãs do capitalismo selvagem, principalmente ao compará-los com os empresários atuais -- liliputianos, insossos e intragáveis.

Com os primeiros, dava ao menos para eu manter uma conversa agradável; com os segundos, eu queria esgotar o quanto antes o motivo do contato para dar o fora.

Nada se aproveitava. Pareciam clonados, todos iguais, oriundos das mesmas faculdades, com especializações idem, jogando o mesmo tênis nos mesmos clubes chiques, falando os mesmos lugares comuns do seu meio. Conhecia um, conhecia todos.

Dos veteranos que tinham passado fascinante, o mais insólito era o de um medalhão da indústria papeleira.

Muito jovem, participara da resistência holandesa ao nazismo, comandando, inclusive, a sabotagem à bomba atômica alemã.

Tornou-se herói de sua pátria e lá casou com uma princesa.

Ao invés de se deitar sobre os louros, veio tentar a sorte no Brasil. E venceu.

Fazendo parte da família real, ainda era convidado para casamentos e  festas da corte. Mesmo assim, poucos brasileiros conheciam sua história de vida, pois não a ostentava.

3 comentários:

spin disse...

Me lembrei do Daniel Ludwing, do Projeto Jari

http://www.tijolaco.com/tucanos-a-jobim-vem-praca-a-casa-e-sua/

spin disse...

O link está errado! É este aqui, sobre o Jari de Ludwing

http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.023/787

celsolungaretti disse...

É, mas o holandês é tão discreto a respeito do seu passado que não consegui nem encontrar o nome dele no Google.

Estava ligado à implantação de uma nova fábrica papeleira, na década de 1990.

Escrevi sobre ele para a revista "Celulose e Papel".

Ficou lá pra trás. Só retive a história dele na memória, talvez porque gosto muito do filme SOLDADO DE LARANJA.

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