O filósofo Vladimir Safatle continua sendo responsável por alguns dos fugazes lampejos de vida inteligente que ainda encontram brecha no inferno pamonha engendrado pela indústria cultural.
No artigo Um fantasma na Europa, ele disseca o atentado norueguês com base nas leituras que Theodor Adorno e Max Horkheimer fizeram do totalitarismo contemporâneo, acertando na mosca:
"...o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.
Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.
Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.
Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.
Não por acaso, palavras como 'limite', 'fronteira', 'território' tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.
Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.
Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.
Vou além: a tralha que a indústria cultural despeja nas telinhas e telonas, pura lavagem cerebral, martela o tempo todo a noção de que a ameaça aos bons, aos normais e saudáveis, são os maus, os aberrantes e doentios que vêm ameaçar o status quo, principalmente o terrorista e o serial killer.Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para 'eliminar' os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias".
Enquanto o capitalismo solapa as próprias bases da existência humana, suas patéticas vítimas são tangidas a sentirem a sociedade como um bem a ser preservado das investidas de vilãos mefistofélicos que vêm de fora para a destruir, com o apoio de alguns traidores de dentro.
Então, não há motivo para estranharmos que o debilóide norueguês tenha levado às últimas consequências aquilo que vem sendo plantado na sua cabeça dodói desde criancinha -- é, p. ex., o que se vê na série Harry Potter, o mundinho paradisíaco da escola de bruxaria ameaçado pelo caos que um Bin Laden de nariz achatado personifica.
A escola destruída no episódio (por enquanto...) final não se confunde, no imaginário dos videotas, com as lembranças traumáticas do WTC posto abaixo?
A escola destruída no episódio (por enquanto...) final não se confunde, no imaginário dos videotas, com as lembranças traumáticas do WTC posto abaixo?
A anulação do diferente é a mensagem que os meios propagam sem parar, tangendo as pessoas à defesa obsessiva de um status quo que, ele sim, é a verdadeira ameaça à paz, à felicidade e à própria sobrevivência da espécie humana; e imunizando-as contra o antídoto oferecido pelos que, via transformação da sociedade, as tentam salvar.
2 comentários:
O que pode estar escondendo o atentado na Noruega…
Ex-Assessor de Clinton : ‘Apenas um ataque terrorista pode salvar Obama’
http://www.prisonplanet.com/top-clinton-official-only-a-terror-attack-can-save-obama.html
Caro Celso,
Parabéns pelas suas anotações, sempre brilhantes, sobre mais esta manifestação de intolerância da direita. Vi o Obama falando de "solidariedade à Noruega contra o terrorismo internacional", o que será que ele quis dizer? Será que agora começaram a perceber o potencial genocida daquilo que se chama de "direita" (como mera estratégia, acrescento, para se contrapor à esquerda)?
.
Enfim, reproduzi o teu texto no meu blog e fiz um adendo final, baseado em umas leituras anteriores de Adorno, Horkheimer, Marx, Hannah Arendt, Freud e outros. Gostaria que você lesse e se quisesse deixasse algumas impressões...
.
O blog é: http://blogdojosafa.blogspot.com
.
Grande abraço, e força nessa luta!
.
Jozafá.
Postar um comentário