sexta-feira, 24 de junho de 2011

BAÚ DO CELSÃO: UM TORTURADOR COM REGISTRO EM CARTEIRA

(artigo escrito em outubro/2008, quando Brilhante Ustra foi  condenado no processo
que lhe moveu a Família Teles e saiu
pela tangente no de Luiz
Eduardo Merlino)

Depois de passar 23 anos alegando inocência, o ex-comandante do DOI-Codi/SP utilizou uma brecha jurídica para obter o arquivamento de um processo sem que fosse discutido o mérito da questão; e tentou transferir toda a culpa para o Exército no outro processo, mas acabou sendo declarado responsável pelas torturas infligidas à Família Teles e pelo sequestro de duas crianças.

A 23ª Vara Cível de São Paulo, em sentença publicada neste dia 9 de outubro, oficializou a condição de torturador do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou, entre setembro/1970 e janeiro/1974, o DOI-Codi/SP, órgão de repressão aos grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar.

Já foram apresentadas 502 denúncias de torturas referentes a tal período, durante o qual passaram pelo DOI-Codi cerca de 2 mil cidadãos presos por suspeitas de “subversão” ou “terrorismo”.

E, no total dos seus seis anos de operações, o DOI-Codi prendeu (pelo menos) 2.355 opositores do regime militar e assassinou (no mínimo) 47 deles, inclusive o jornalista Vladimir Herzog. Como não há certeza de que todos os casos tenham sido documentados, os números reais podem ser maiores.

A ação declaratória foi movida pelo casal Maria Amélia e César Teles; pelos filhos Janaína e Édson; e por Criméia, irmã de Maria Amélia.

César, Maria Amélia e Criméia foram presos em 1972. Janaína e Édson, então com 5 e 4 anos, chegaram a ser levados de camburão ao DOI-Codi, como uma forma de tortura psicológica contra os pais e tia.

Eis como Édson lembra o ocorrido:
"Nas dependências deste então órgão público/estatal pude ver minha mãe e meu pai em tortura. (...) Fui levado a um lugar onde, através de uma janelinha, a voz materna, que meus ouvidos estavam acostumados a escutar, me chamava. Porém, quando eu olhava, não podia reconhecer aquele rosto verde/arroxeado/ensangüentado pelas torturas que o oficial do Exército brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra, havia infligido à minha mãe. Era ela, mas eu não a reconhecia".
A sentença do juiz Gustavo Santini Teodoro assinala que o DOI-Codi era "uma casa dos horrores, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se passava". Segundo o depoimento das testemunhas, Ustra comandava as sessões de tortura com espancamento, choques elétricos e tortura psicológica. Os gritos e choros dos presos eram ouvidos até nas celas. Daí a conclusão do magistrado:
"Não é crível que os presos ouvissem os gritos dos torturados, mas não o réu. Se não o dolo, por condescendência criminosa, ficou caracterizada pelo menos a culpa, por omissão quanto à grave violação dos direitos humanos fundamentais dos autores".
Aliás, foi exatamente o que eu escrevi no início da ação:
"Sua defesa alega que ele nada sabia das práticas cotidianas do órgão que comandava. Para tornar essa versão plausível, deveria ter anexado um atestado de surdez. Quem passou pelos porões da ditadura – ou, mesmo, morava nas redondezas – sabe quão inconfundível era a “trilha sonora” de uma sessão de tortura: os gritos raivosos dos torturadores e os urros inumanos dos torturados ao receberem choques elétricos; ruídos de socos, pontapés e objetos caindo".
Brilhante Ustra escreveu livros e mantém um site tentando, em vão, refutar o que já ficou estabelecido pelos historiadores e o conceito em que é tido pelas pessoas conhecedoras dos horrores dos  anos de chumbo.

Entretanto, noutro processo que lhe moveram, pelo assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino, desprezou a chance que teve de provar sua inocência, alegada desde que a atriz Bete Mendes, em 1985, o identificou como seu torturador.

Ao invés de deixar a ação seguir até que o mérito fosse julgado, a defesa conseguiu seu arquivamento sob a alegação de que ação declaratória seria um instrumento legal inadequado em tal caso.

Ou seja, Ustra escapou pela tangente, aproveitando uma brecha jurídica para evitar a sentença que certamente lhe seria desfavorável.

E, no processo em que acaba de ser condenado, tentou fugir à responsabilidade por seus atos, transferindo-a totalmente para sua corporação, ao protocolar uma contestação segundo a qual "agiu como representante do Exército, no soberano exercício da segurança nacional".

Ou seja, sugeriu formalmente que o Exército tomasse seu lugar no banco dos réus, conforme se constata neste trecho:
"O Exército brasileiro é uma pessoa jurídica, sendo que, pelos atos ilícitos, inclusive os atos causadores de dano moral, praticados por agentes de pessoas de direito público, respondem estas pessoas jurídicas e não o agente contra o qual têm elas direito regressivo. (...) Todas as vezes que um oficial do Exército brasileiro agir no exercício de sua funções, estará atraindo a responsabilidade do Estado".
Mesmo assim, regabofes em solidariedade a Brilhante Ustra, realizados no Clube Militar (DF), reuniram centenas de oficiais, quase todos da reserva. Talvez o temor do que lhes ocorrerá caso os esqueletos saiam do armário seja tamanho que prefiram ignorar o comportamento um tanto constrangedor do homenageado...

A melhor definição sobre Brilhante Ustra deve ter sido sido a dada pelo ex-ministro da Justiça e ex-secretário da Justiça de São Paulo José Carlos Dias:
"O coronel Ustra, premiado hoje como herói por seus camaradas, e que já foi adido militar no Uruguai durante o governo Sarney, encarna a lembrança mais terrível do período pavoroso que vivemos. Terá dito (...) que lutou pela democracia, quando, na realidade, emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar".

3 comentários:

Anônimo disse...

Isso não serve nem pra reciclar. É chorume essa tralha. Tinha que colocar todo dia a carinha dele na televisão e dizer pro povão de quem se trata.

spin disse...

Vc possui um vasto material e muitas informações sobre esta página negra da nossa história
Que tal compilar tudo num livro para as atuais e futuras gerações
Pois o que temos é a história contada pelos carrascos

celsolungaretti disse...

Prezado Spin,

seria pretensão e empáfia eu correr na raia dos historiadores. Prefiro me colocar como um combatente daquele período que relata aquilo que viveu e presenciou, complementado pelos relatos pertinentes de terceiros.

Muitas dessas informações eu já inclui, por sinal, no meu livro "Náufrago da Utopia".

Abs.

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