Como Collor, Calheiros, Palocci, Severino e tantos outros do mesmo quilate, o presidente de fato do Senado José Sarney está profundamente irritado com a imprensa por haver denunciado as práticas ilegais de que foi responsável por ação ou omissão.
Digo de fato porque, se prevalecesse o Direito, ele teria sido não só expelido da presidência da Casa, como também perdido o mandato. Aliás, nem sequer o haveriam empossado, já que disputou a eleição com domicílio eleitoral sabidamente fictício.
Ao ler que Sarney discursou na sessão solene relativa ao Dia Internacional da Democracia (!), fiquei lamentando que o grande Sérgio Porto, a.k.a. Stanislaw Ponte Preta, não esteja mais entre nós. Ele acrescentaria outra ocorrência emblemática ao seu Festival de Besteiras que Assola o País.
A queixa de Sarney é, na verdade, a de que o crucificam por práticas nas quais incidem muitos e muitos dos seus pares.
Vou surpreender os meus leitores: nisto ele tem toda razão. É próprio da hipocrisia latina deixar um boi ser sacrificado às piranhas para o resto da boiada não ser incomodado. Mantêm-se as aparências e a verdadeira justiça vai pro ralo.
Pior ainda, entretanto, é termos descido mais um degrau na escada da civilização: agora, não se punem nem mesmo os delinquentes políticos pilhados em flagrante.
Como resultado, o cidadão comum se torna absolutamente cético quanto à possibilidade de que a política sirva para a concretização dos grandes ideais da humanidade.
Quem foi um dia de esquerda e hoje não vê nada de errado em aliar-se a Collor, Calheiros e Sarney, ou em absolver quem jogou todo o peso do Estado em cima de um coitadeza qualquer, na verdade define-se como um utilitarista, adepto da ignomínia de que todos e quaisquer meios sejam válidos para ele atingir seus grandes objetivos .
Mas, revolucionários de formação marxista são dialéticos, acreditando, isto sim, na interação entre fins e meios: quem recorre a meios espúrios, torna espúrios os próprios objetivos que persegue.
Para a direita, pouco importa ser associada a essas figuras execráveis. Ela não aspira à superioridade moral. Quer apenas nos impingir o conceito niilista de que a política é mesmo imunda e não adianta remarmos contra a correnteza.
Já um marxista está tentando construir uma sociedade que só existe, por enquanto, em seus sonhos. Então, a imagem que os cidadãos comuns têm do socialismo é dada pelo comportamento daqueles que o defendem.
Daí a conclusão a que eles chegaram na melancólica década atual: "Se é para os Collor, Sarney, Calheiros e Palocci continuarem impunes e poderosos, não vale a pena desperdiçarmos nosso tempo e nossas energias tentando implantar o socialismo.Temos é de zelar por nossos interesses. Que se dane o mundo!".
Ou seja, em nome das conveniências imediatas da politicalha sórdida, leva-se o cidadão comum a concluir que direitistas e esquerdistas são todos farinha do mesmo saco.
Ainda pagaremos muito caro por esse relativismo moral (ou imediatismo imoral).
De resto, nada do que Sarney diga vale grande coisa, daí eu ter deixado para o final seu desabafo. Enfim, vamos ao besteirol:
"A tecnologia levou os instrumentos de comunicação a tal nível que a grande discussão que se trava é justamente esta: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós; e dizemos nós, representantes do povo: somos nós. É por essa contradição que existe hoje, um contra o outro, que, de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas".Legislativo e imprensa só representam o povo quando cumprem suas respectivas missões.
A do Legislativo seria expurgar-se dos Sarney e congêneres. Não o fez e dificilmente o fará.
A da imprensa é disponibilizar a verdade ao cidadão comum. Só o faz nos momentos em que seus interesses estão divididos.
Quando se trata de criminalizar os movimentos sociais ou os personagens históricos que lutam/lutaram contra o jugo do capital (caso de Cesare Battisti), a imprensa só tem representado, monoliticamente, os interesses da burguesia. Atua com tendenciosidade absoluta, estarrecedora.
Quando denuncia os podres dos Sarney da vida, mesmo que para beneficiar adversários igualmente pútridos, acaba agindo, sim, como representante do povo... por linhas tortas.
Pois é nesses tiroteios que ficamos sabendo a verdade sobre ambos os lados.
A leitura que o cidadão comum faz é exatamente esta: acredita em tudo de que um acusa o outro e não dá a mínima para as desculpas esfarrapadas de parte a parte...
Daí o que há muito clamo, no deserto desta política em que os ideais cederam lugar aos interesses e às conveniências: se quisermos ser novamente respeitados pelo povo, como o éramos no momento da redemocratização, teremos de organizar a cidadania fora do sistema e contra o sistema.
Pois o inimigo, hoje, não é apenas o capitalismo globalizado, mas também o Estado que o representa e perpetua.
O qual atingiu tal estágio de putrefação que já não pode ser redimido de dentro, condenando os que tentam fazê-lo, mesmo honestos, a ficarem patinhando sem sair do lugar.
Teremos de engendrar a alternativa fora dele.
3 comentários:
Oi, Celso
O discurso "fui difamado pela imprensa" já não cola mais.
Sarney poderia
até quem sabe vociferar atacando a imprensa, acusando-a de perseguição, de atentar contra a "democracia" e blá blá blá, mas dizer que o Senado é o único lugar "onde as coisas são feitas ás claras" já é demais.
Nisso o velho coronel acaba revelando suas próprias contradições. Esse lamentável episódio nada mais é do que a exposição das entranhas podres do decrépito Estado brasileiro.
Fiz uma charge do Sarney relacionando-o a um vilãozinho de desenho animado que não sei se você conhece.
Mas vale a pena dar uma olhada.
Abç
Que texto confuso, tira o Palloci dessa, eta extrema-esquerda sem jeito,
André Rezende
André,
quem andou confuso foi o Palocci, quando ministro do Lula.
Não sabia se era um companheiro no sentido que a esquerda dá ao termo ou um dos "bons companheiros" daquele filme do Scorcese.
Não sabia se cumpria o programa do PT ou as ordens dos banqueiros.
Não sabia se estava lá para defender os humildes ou para esmagá-los com o poder do Estado.
Acabou escolhendo sempre a 2ª opção.
Daí eu considerá-lo o que mais fundo golpeou a imagem do PT de 1979, dentre todos os envolvidos nos escândalos.
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