segunda-feira, 29 de junho de 2009

HONDURAS: A PRIORIDADE É ESMAGARMOS O OVO DA SERPENTE!

Bombardeio do Palácio do Governo, 1973: o caminho
dos golpes de estado leva aos pinochetazzos

Quando eu refletia sobre como posicionar-me diante do imbroglio hondurenho, o e-mail recebido do inestimável companheiro Ismar de Souza indicou-me o caminho correto:
"Mesmo sem ter presenciado, veio-me à memória como deve ter sido o golpe contra Goulart em 1964. Os países da América Latina devem reagir rapidamente, senão a espiral golpista pode voltar com força total em republiquetas menores, depois em países maiores como a Venezuela e Bolívia".
Concordo: é mesmo um precedente perigosíssimo, daí a necessidade de abortarmos imediatamente o golpe de estado. Trata-se da prioridade nº 1, neste momento.

Quando me posicionei com tanta ênfase contra a proposta de emenda constitucional para facultar-se nova reeleição ao presidente Lula, foi exatamente por temer um desdobramento desse tipo.

O presidente em exercício tem um poder de fogo muito grande para conseguir apoios e maiorias. Se o utilizar para perpetuar-se no poder, tem grande chance de obter êxito. Daí ser inaceitável, numa democracia, que ele manobre para a convocação de constituintes ou realização de plebiscitos no sentido de que sejam alteradas as regras do jogo em seu benefício. Mudanças que entrarão em vigência no mandato seguinte, tudo bem. Mudanças em causa própria, nunca!

Pior: a rua é sempre de duas mãos. Quem apóia a presidência eterna do Chávez será um cínico se negar idêntico direito a Uribe. O que serve para a esquerda, acaba servindo também para a direita.

ESQUERDA x MAQUIAVELISMO - Mas - objetarão alguns companheiros -, o que importam as regrinhas democráticas para quem quer tocar adiante uma revolução?

Aí a discussão é longa. Mas, eu permaneço fiel a um valor da minha geração: não se fazem revoluções com subterfúgios.

O PCB sempre acreditou em conquistar, pela via democrática, posições-chave do governo (quiçá a própria Presidência da República) e depois utilizá-las como catapulta para o poder.

Foi a postura que levou ao terrível fracasso de 1964. E que gerou uma nova esquerda, em 1968, disposta a perseguir abertamente seus objetivos, proclamando-os em alto e bom som, sem tentar esconder a que vinha.

Utilizarem-se as franquias democráticas para conquistar o governo e depois tentar burlá-las para alcançar o poder é puro maquiavelismo. Nada tem a ver com o marxismo, muito menos com o anarquismo.

Outro valor fundamental para a minha geração: revoluções são feitas pelo povo e com o povo. Acontecem quando o povo está pronto para elas. Não tomando-se o poder para depois tentar-se engajar o povo, pois este tem de ser sempre o sujeito da revolução, nunca o objeto.

Quem passa por cima disto, mesmo com boas intenções, acaba vendo o povo reduzido à condição de coadjuvante também durante o regime dito revolucionário. Daí o alerta profético de Trotsky: primeiro, o partido substitui o proletariado; depois, o Comitê Central substitui o partido; finalmente, um ditador substitui o Comitê Central.

Mais: revoluções são obra coletiva, não dependem desesperadamente de líder nenhum.

Se o preço das forçações de barra continuístas é dar ensejo a golpes de estado direitistas, então um presidente de esquerda tem mais é de tentar fazer seu sucessor, como o Lula no caso da Dilma.

Se tem mesmo prestígio junto às massas, elegerá um discípulo fiel e não concederá, de mão beijada, um trunfo à direita golpista. Se não tem, que se resigne a deixar o governo no final do mandato. É simples assim.

NO FIM DA LINHA, OS PINOCHETAZZOS - As trapalhadas do presidente hondurenho Manuel Zelaya permitiram que o golpe dado contra ele parecesse justificável. Afinal, pouparam-lhe a vida, boa parte de seu próprio partido o traiu, o Congresso avalizou a deposição e o substituto é um civil, o presidente do Legislativo, que promete marcar novas eleições para breve.

Eis um enorme perigo: começa-se por um golpe brando e se acaba em pinochetazzos. O ovo da serpente tem de ser esmagado antes de eclodir.

Mas, não por uma intervenção militar de um único país (como a Venezuela), o que geraria uma reação em cadeia, de consequências imprevisíveis. E sim por meio de uma articulação continental.

Mesmo porque a ninguém deve ser concedido o papel de polícia da América Latina. Se tanto combatemos a atuação dos EUA neste sentido, não foi para que as tropas de Chávez tomassem o lugar dos marines.

E que, uma vez afastado o perigo imediato, este episódio sirva como advertência. É hora de dissociarmos, de uma vez por todas, nossas revoluções de tudo que seja -- ou pareça -- o velho caudilhismo latino-americano.

8 comentários:

Cappacete disse...

A melhor cobertura da crise em Honduras vem sendo desenvolvida pela Agência Bolivariana de Notícias www.abn.info.ve . Sempre é bom lembrar que o primeiro golpe e Estado orquestrado pela CIA, na América Latina, ocorreu na Guatemala em 1954, na mesma América Central que assiste hoje ao golpe contra Zelaya. Na mesma época o Paraguai sucumbia ao golpe de Stroesness. Em 64 foi o Brasil, 65 República Dominicana, 71 Bolívia, 73 Chile; em 76 foi a Argentina. O panorama de hoje em dia é outro, mas é sempre bom estar atento, pois as elites golpistas brasileiras, argentinas, venezuelanas, bolivianas, equatorianas, nicaraguenses, dentre outras, ficam assanhadas quando vêem golpes de direita em alguma parte do continente.

Anônimo disse...

Essa é a questão - o golpe pareceu justificável para a ultra-direita, que não brinca em serviço.

Há boas notícias, no caso de Honduras: segundo Zelaya, o grosso do exército (militares de baixa patente) torcem o nariz ao golpe. E mesmo México, Colômbia e EUA condenam o golpe.

Até agora, incidentes mais graves não ocorreram, mas o 'democrático' novo governo, que chegou ao cúmulo de emitir carta falsa de renúncia do presidente (já vimos isto antes...), ordenou toque de recolher de dois dias a partir de hoje. Ao que parece, o povo hondurenho continuará nas ruas.

Luis Henrique

Marcos Doniseti disse...

Celso, excelente texto. E sobre esse Golpe de Estado em Honduras, eu escrevi uma mensagem em meu modesto blog, cujo conteúdo é este abaixo.


"Esse Golpe de Estado perpetrado por esses gorilas pré-históricos, integrantes das Forças Armadas de Honduras, é inaceitável.

Todos os países da América e da comunidade internacional devem se recusar a reconhecer esse pseudo governo dos golpistas. Manuel Zelaya (foto acima) foi eleito Presidente diretamente pelo povo e é o único que tem legitimidade para governar Honduras. A Democracia e a vontade popular têm de ser respeitadas, acima de tudo. Chega de Golpes! Viva a Democracia!

Neste sentido, é bastante correta e elogiável a atitude do governo Lula de se recusar a reconhecer o governo golpista. Espero que toda a comunidade internacional, principalmente os países americanos, tomem atitude semelhante.

Ao ser isolado pela comunidade internacional, o governo golpista hondurenho dificilmente conseguirá se manter no poder. Rompimento de relações diplomáticas, retaliações comerciais, a proibição do envio de remessas de hondurenhos que trabalham no exterior, expulsão da OEA, são algumas das principais medidas que podem vir a ser tomadas pela comunidade internacional e caso os golpistas hondurenhos recusem a reempossar o presidente eleito novamente, então estas atitudes tem que ser tomadas e sem qualquer hesitação.

Fora, Golpistas!

A vontade popular é soberana!

Viva a Democracia!!".


http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/


Abraço

Anônimo disse...

STF mantém Cesare Battisti preso ilegalmente

http://passapalavra.info/?p=7399

RLocatelli Digital disse...

Olá.

O que podemos fazer, concretamente neste momento é
mandar um e-mail, carta ou fax de repúdio ao golpe à embaixada de Honduras no Brasil.
Endereço: SHIS QI 19 Conj. 7, casa 34 - Lago Sul - Cidade: Brasília
Estado: Distrito Federal
Pais: Brasil
CEP: 71655-070
Telefone: (0xx61) 3366-4082
Fax: (0xx61) 3366-4618
Email: embhonduras@ig.com.br

Lembremo-nos que a embaixada, provavelmente, é contrária ao golpe. Então não é preciso ser agressivo com o embaixador, e sim com os golpistas.

Anônimo disse...

Celso,
você neste post cai numa armadilha perigosa da direita que é condenar o referendo do Zelaya, aceitando o ato democrático dele como um vacilo que deu margem ao golpe. É isso que a direita golpista quer. Você não pode pautar suas atitudes pela lógica criminosa do outro, não são eles que pautam a regra, até porque se você convivesse com essa gente já teria percebido que o jogo deles não tem regra alguma. Então ao invés de culpar o referendo, culpe a direita de honduras por não ter votado "não" já que se opõem a uma reeleição ou ao sei lá o que, e terem ao invés disso partido pro golpe. Culpe a direita de honduras por não democratizar a mídia, isso sim é jogo baixo. Culpe a elite golpista de honduras por destruir a educação daquele país de forma a que possam manipular facilmente as massas elegendo qualquer coronel que prometa dentaduras ao povo. Vai jogar poquer com essa gente usando regra de biriba pra você ver o que acontece, aquilo é tudo bandido. Agora, não culpe outros grupos de esquerda, não divida mais.

celsolungaretti disse...

O último comentário é uma recaída no velho monolitismo stalinista.

Este blogue é definido como um espaço no qual tento provar a compatibilidade dos ideais revolucionários com o respeito irrestrito aos direitos humanos e o pleno exercício do pensamento crítico.

Não é conversa pra boi dormir, é minha crença e o meu compromisso.

Então, dou meu integral apoio aos esforços para a recondução do presidente hondurenho ao poder e cumprimento do restante do seu mandato, mas não me alinho com os erros e trapalhadas que ele cometeu, propiciando sua ridícula expulsão do país em pijamas.

Vou sempre admirar Allende que, cercado no palacio do governo chileno, recusou a oferta dos golpistas, de permitir que ele embarcasse rumo ao país por ele escolhido, levando todos os companheiros que coubessem no avião.

Preferiu, como Getúlio Vargas, entregar a vida em nome dos ideais.

O referendo hondurenho era inoportuno pelos motivos que já expus no artigo.

E, se Zelaya não tinha como fazer prevalecer seu propósito, era o momento de recuar, seguindo a sábia lição de Lênin: dar um passo atrás para poder, mais tarde, dar dois adiante.

Comprou a briga errada no momento errado e se deixou surpreender pelos golpistas como um marinheiro de primeira viagem.

Eu defendo os direitos constitucionais dos tolos, como os de quaisquer outros cidadãos. Mas, daí a me identificar com suas tolices vai uma grande diferença...

Anônimo disse...

Celso,

O referendo de Zelaya era não vinculante, não tinha poder legal.

Se ele errou, foi no cálculo do poder, pois se esta pergunta:

“Você está de acordo que, nas eleições gerais de novembro de 2009, haja uma quarta urna para decidir sobre a convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte que aprove uma nova Constituição política?”

Levou ao golpe (para ser mais honesto, acredito que a consulta foi somente uma desculpa esfarrapada para o golpe), então as forças reacionárias naquele país são muito mais tacanhas do que se imaginava.

Luis Henrique

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