quinta-feira, 14 de junho de 2018

A HORA E A VEZ DO ESPORTE DAS MULTIDÕES

Nenhum esporte é mais abrangente do que o futebol, jogado com os pés, as mãos e a cabeça (física e intelectualmente), é uma modalidade praticada pelos pobres do mundo inteiro. 

Basta um terreno baldio, uma bola remendada, dois tijolos servindo como trave, e ali está o saudável deleite da meninada descamisada. 

Não é por menos que a África, o continente mais empobrecido e explorado da periferia do capitalismo, tem desenvolvido o seu futebol e se tornado válvula de escape da miséria para um grande contingente de meninos africanos que se tornaram grandes jogadores mundo afora e, alguns poucos, milionários nos campos europeus. 

Tenho particularmente uma admiração pelo futebol, uma vez que, como muitos meninos, um dia pensei que seria um grande jogador de futebol da seleção brasileira, até descobrir que esse sonho não era tão factível assim. Mas ficou o gosto pela coisa e a sensação de que sou mais um brasileiro técnico, conhecedor dos caminhos das redes.

A primeira análise das virtudes do futebol como esporte é o seu aspecto coletivo. Nenhum craque, por mais habilidoso que seja, consegue ganhar um jogo sozinho. O craque pode até desequilibrar um jogo em favor do seu time, mas, para que isto aconteça, é necessário que os demais jogadores deem a sustentação necessária na defesa, no meio de campo e no ataque. 

É o equilíbrio coletivo dos segmentos compactados, nos quais todos se ajudam, que constrói a vitória e pode proporcionar ao craque o brilho intenso manifestado no orgasmo do gol que decide uma partida difícil.

O futebol, ademais, demonstra aspectos da inteligência funcional, capaz de fazer de um Garrincha, menino de uma comunidade pobre (Pau Grande, pequena localidade do Rio de Janeiro), sem muita compreensão das perigosas engrenagens da vida social humana, um gênio de pernas tornas, que resgatou os brasileiros do complexo de vira-latas, como disse Nelson Rodrigues.

Com Pelé e Garrincha, o escrete resgatou o nosso orgulho cívico e fez o Brasil explodir de contentamento em 1958 (o ano de brilho mais intenso do esporte brasileiro, com Eder Jofre, Maria Esther Bueno e a afirmação de gigantes do basquete como Amaury Pasos e Wlamir Marques).

Mas, o rei e a alegria do povo tiveram a contribuição luxuosa do futebol de um Didi, o homem da folha seca e dos passes precisos; de um Nilton Santos, a enciclopédia do futebol; de um Gylmar, com sua elegância e colocação precisa debaixo das traves; de Djalma Santos, considerado o melhor lateral da Copa de 1958 mesmo tendo participado apenas da final e, enfim, dos demais jogadores do chamando escrete de ouro. Sem a sinergia de todos esses talentos, não teríamos a honra da vitória.

Além do sentido coletivo que faz do futebol um esporte construído a partir da habilidade de 22 pés, ele também depende de 11 cabeças pensantes (por dentro e com bom uso por fora). 

É que a ocupação espacial do campo durante os 90 minutos, com suas constantes alterações de fluxo, exige uma estratégia capaz de se adaptar às mudanças e se tornar coeso, estando, assim, com seus espaços sempre povoados. É o que dá consistência ao sistema de defesa, meio de campo e ataque.

Como num jogo de xadrez, que exige planejamento antes da ação, o futebol é capaz de engendrar armadilhas por meio das quais o pretenso dominador pode ser surpreendido pelo dominado e este, com um único gol chorado, ganhar a partida. 

No futebol a vitória é sempre uma conjunção de capacidade técnica com estratégia de ataque e defesa. Isso exige a elaboração do pensar e, assim, deve servir de exemplo dos dominados socialmente nas suas lutas contra aquilo/aqueles que os domina(m). 

O BRASIL NA COPA DA RÚSSIA – Gosto de pessoas inteligentes, que não consideram que tudo e todos são inimigos. O técnico Tite tem estas duas características, ou seja, entende do riscado e trata a todos com especial cavalheirismo, como deve ser alguém que tem o comando de algo tão caro para o povo brasileiro como a sua seleção de futebol.

Ele não se mostra ofendido com qualquer pergunta ferina de jornalistas que, no seu papel profissional de explorar a notícia e aspectos delicados do seu trabalho, venham a lhe fazer. 

Responde sempre com pleno domínio do tema futebol, serenidade e lhaneza. Observo que:
— faz-se merecedor do respeito dos jogadores;
— tem capacidade de formar espírito de grupo;
— nunca se mostrou subserviente aos atuais dirigentes da CBF, nem aos anteriores, de triste memória. 

Daí as fundadas esperanças de resgatarmos a nossa imagem, depois do fiasco de 2014. Até porque é grande a capacidade de renovação do futebol brasileiro, à medida que inspira os sonhos dos meninos pobres de um dia se tornarem milionários.

[São tantos os que sonham e tão poucos os que o conseguem! Esses felizardos, embriagados com seu novo status de estrelas e sua nova condição econômica de privilegiados, não percebem que há também um aspecto negativo no fato de um esporte popular e acessível a todos haver agora se tornado uma mercadoria, e das mais preciosas...]  
Temos um ataque formado por três craques (Neymar Jr., Gabriel Jesus e William) jovens que falam a mesma linguagem, ou seja, são bons em todos os fundamentos do futebol; e ainda contamos com reservas à altura, como o Firmino.

No meio de campo dispomos de craques como Philippe Coutinho e Paulinho, o homem invisível, capaz de defender e atacar com a mesma eficiência; e na defesa, temos jogadores consagrados. 

Por tudo isso e sem os tradicionais e nefastos interesses políticos que sempre estão presentes, parasitando o sentimento popular de carinho pela seleção (como aconteceu em 1970 com a ditadura militar que prendia, tortura e matava, enquanto a sociedade comemorava o falso milagre brasileiro e o real brilhantismo da nossa seleção), podemos torcer pelo Brasil sem culpas, pois, afinal, todos temos direito a uma catarse em meio a tanta notícia ruim. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

Henrique Nascimento disse...

Claramente as pessoas estão bastante frias e distantes com esta copa do mundo (eu sou uma delas). É só observar as ruas, as casas, os carros: não se vê bandeiras e nem decoração verde-amarela. Pelo menos na cidade onde moro (Manaus-AM). Ninguém está animado de convidar os amigos para assistir os jogos da seleção brasileira nas suas casas. Apatia total. Não precisa nem discorrer sobre o porquê de tamanha apatia.

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