quarta-feira, 13 de junho de 2018

TRIBUTO ÀS CHUTEIRAS IMORTAIS – 6: É A ÚLTIMA CHANCE DE COLOCARMOS ÁGUA NO CHOPP EUROPEU! (final)

Em 20 Copas do Mundo até hoje disputadas, durante 19 prevaleceu o equilíbrio entre o continente europeu e o subcontinente sul-americano: sempre que a Europa se colocava à frente, o campeão seguinte era um selecionado da América do Sul, e vice-versa. Foram oito décadas seguidas sem que alguma impusesse sua hegemonia sobre a outra.

Em 2014, contudo, a balança se desequilibrou: pela primeira vez uma delas emplacou três conquistas consecutivas, estabelecendo o placar de 11x9. Então, o Mundial da Rússia será também o primeiro em que uma vitória do lado em desvantagem não bastará para restabelecer a igualdade. 

A Europa ameaça, portanto, tornar-se o continente do futebol, relegando-nos a condição subalterna até mesmo no esporte em que mais nos destacávamos. Como as coisas chegaram a este ponto?

2006 – Na Copa da Alemanha, o Brasil deu a Carlos Alberto Parreira a chance de bisar seu feito. Bom preparador físico que se tornou um técnico mediano, ele vencera na bacia das almas o Mundial de 1994, com um esquema de nove atrás e dois na frente (Romário e Bebeto), que só poderia mesmo levar a decisão contra a Itália para a loteria dos pênaltis, após 120 insuportáveis minutos de 0x0.

Parreira até dispunha de jogadores talentosos em número suficiente para montar uma grande seleção (Dida, Cafu, Roberto Carlos, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Ronaldo Fenômeno, Robinho), mas ficou faltando, exatamente... o dedo do técnico. Ou, pelo menos, que algum desses superstars chamasse para si a responsabilidade e resolvesse quase tudo, como Romário fizera em 1994, carregando o Brasil nas costas, pelo menos até aquela soporífera final na qual ninguém jogou nada.

Então, mesmo com o magro 1x0 e as dificuldades encontradas diante da Croácia na estréia, não caiu para Parreira a ficha de que a seleção estava lenta e desarrumada, dependendo exclusivamente de lampejos individuais.
Zidane expulso: reagiu mal à provocação de um italiano

Infelizmente para nós, isto ficaria encoberto pela mínima competitividade dos adversários seguintes, derrotados por 2x0 (Austrália), 4x1 (Japão) e 3x0 (Gama).

Aí, quando tivemos outro escrete de verdade pela frente, fracassamos melancolicamente. Para piorar, nossa asa negra foi de novo a França, que depois da goleada que lhe aplicamos na semifinal de 1958 (5x2), já nos havia dado o troco duas vezes, em 1986 e 1998. 

Com melhor esquema tático, mais atitude e o veterano Zidane em estado da graça, a França sobrou em campo: criou várias oportunidades, marcou com Thierry Henry aparecendo sozinho às costas da defesa brasileira e ainda foi prejudicada pela arbitragem, que assinalou fora da área um toque que havia sido cometido dentro dela. O único arremate brasileiro que foi na direção da meta francesa, exigindo defesa do goleiro Barthez, aconteceu aos 44 minutos do 2º tempo!

Na final contra a Itália, a França foi mais ofensiva; a defesa adversária, contudo, soube evitar outros gols depois do sofrido logo aos 7 minutos de jogo (Zidane, de pênalti). Os italianos acharam o empate em escanteio alçado para a área na esperança de que um deles ganhasse a disputa de cabeça com a zaga (foi o Materazzi) e conseguiram mantê-lo até o final do jogo e também da prorrogação.
Na famigerada decisão por pênaltis deu Itália, comprovando que nessas loterias tanto pode prevalecer o melhor (o Brasil foi ligeiramente superior em 1994) quanto o pior. Merecimento real só se definiria se fosse disputada nova partida alguns dias depois, mas os interesses comerciais hoje pesam mais do que os valores esportivos.

2010 – Aí veio a revolução tática do Barcelona, que o técnico Pep Guardiola iniciou em 2009, entronizando o jogo coletivo de posse de bola, movimentação constante e objetividade ofensiva. Foi um resgate e aperfeiçoamento daquele futebol total do técnico Rinus Michels e do maestro Johan Cruyjff,  o chamado carrossel holandês (ou laranja mecânica) da Copa de 1974.

O selecionado espanhol, obviamente o mais afinado com tais conceitos, venceu o Mundial da África do Sul com inegável eficiência, mas ficou devendo brilhantismo. 
Lenda do futebol, Andrés Iniesta fez o gol do título

Depois da fase de grupos, limitou-se a vitórias por 1x0 (sobre Portugal, Paraguai, Alemanha e Holanda, sendo esta última na prorrogação da finalíssima, com um golaço de Iniesta). Nas quatro partidas a Espanha foi superior, mostrando-se, contudo, incapaz de construir placares mais categóricos.

O Brasil permaneceu alheio à modernidade futebolística sob o autoritário Dunga, que a CBF tentou transformar em técnico da noite para o dia. 

Como jogador ele sempre fora um carregador de piano, provavelmente ressentido com a obrigação de ralar para os mais talentosos brilharem. Mas, pelo menos compensava suas evidentes limitações com muita entrega e capacidade de liderança. 

Como treinador ele continuou limitado e nem um bom líder conseguia mais ser, pois o elenco, quase todo atuando no futebol internacional, se desacostumara ao simplismo, rispidez e rabugices dos treineiros da velha escola.  
Assim, o Brasil de Dunga só venceu galinhas mortas (2x1 em cima da Coréia do Norte e 3x1 na Costa do Marfim, durante a fase de grupos; e 3x0 sobre o Chile nas oitavas de final), empatou em 0x0 com Portugal e foi derrotado pela Holanda por 2x1 nas quartas de final. 

Robinho marcou no 1º tempo, Schneidjer fez os dois gols da virada no 2º, Robben jogou muito e Felipe Melo foi o de sempre: cavalar, causando a própria expulsão quando nossa seleção mais precisava dele.

2014 – Finalmente, a CBF (abreviação de Casa Bandida do Futebol, segundo Juca Kfouri) parece ter concluído que o fracasso de 2010 se deveu a ter como técnico um sub-Felipão. Então, para dar a volta por cima na Copa seguinte, recorreu ao Felipão-ele-mesmo, técnico que já estava totalmente ultrapassado e vinha de passagem desastrosa pelo Palmeiras.
Até o Brasil vencer a Copa das Confederações, Dilma gelou Marin. Depois deu pra trás
Como homem de esquerda, não desculparei jamais que em março de 2012, quando o corrupto Ricardo Teixeira teve de renunciar à presidência da CBF sob vara, a presidente Dilma Rousseff e o ministro do Esporte Aldo Rebelo tenham aceitado passivamente sua substituição pelo filhote da ditadura José Maria Marin, um deputado que, em 1975, discursara na Assembléia Legislativa de São Paulo exigindo que fosse apurada a infiltração subversiva na TV Cultura.

Bastaria o governo federal ter levado ao conhecimento dos presidentes de clubes e federações que Marin, um dos responsáveis morais pelo assassinato de Vladimir Herzog, era um nome inaceitável para ocupar o posto de dirigente máximo do futebol brasileiro às vésperas do Mundial marcado para nosso país. Pusilânimes, endividados e dependentes de favores da União como eram e são, jamais ousariam passar por cima desse veto informal.
O craque Romário e o filho de Herzog pediram saída de Marin

Mas, a ex-presa política torturada e o ex-militante do partido cujos combatentes foram executados em massa no Araguaia não se deram a tal trabalho. E Marin, como era de esperar-se, escolheu o igualmente autoritário Felipão como técnico, desprezando as sondagens de Pep Guardiola, interessado em acrescentar outra enorme proeza ao seu currículo brilhante. [Terá a decisão de Marin sido por afinidade ideológica? É difícil imaginarmos outro motivo...]

A campanha começou com o Brasil sofrendo para derrotar a Croácia por 3x1: saiu em desvantagem e virou graças a um pênalti mandrake (o terceiro gol, marcado no último minuto, resultou num placar enganador). Seguiu-se um empate em 0x0 com o México e a previsível sova nos camaronenses por 4x1. 

Nas oitavas de final, o pífio empate com o Chile por 1x1 no tempo normal e 0x0 na prorrogação levou a decisão para os pênaltis (ruim até neste quesito, nosso selecionado venceu por míseros 3x2, desperdiçando duas cobranças).    

Contra a Colômbia, complicamos um jogo que estava fácil (2x0), sofrendo um gol aos 35' do 2º tempo e passando sufoco nos minutos derradeiros. Para piorar, Neymar sofreu entrada criminosa e ficou fora da Copa.
Espectador privilegiado: viu bem de perto o show alemão
E veio o catastrófico 7x1 do Mineirão, a pior e mais humilhante derrota sofrida pela seleção principal do Brasil em mais de mil partidas disputadas desde julho de 1914. Embora não estivéssemos mesmo à altura da Alemanha, o escore jamais teria sido tão acachapante se Felipão:

— não houvesse enfraquecido nosso meio de campo ao optar pela escalação de mais um atacante, Bernard, ao invés de tentar anular o ponto forte do adversário (diz-se que tal insensatez se deveu a ele ter sonhado, na véspera, que o jogador atleticano nos conduziria à vitória); e

— não tivesse ficado atônito e impotente no momento da adversidade, assistindo sem nenhuma reação à Alemanha marcar quatro gols consecutivos em apenas sete minutos, entre os 23' e 29' do 1º tempo, quando a derrota por 1x0 se transformou num chocolate de 5x0, inviabilizando qualquer possibilidade de virada. 

Enquanto isto, Messi, Mascherano e Dí Maria conseguiram, aos trancos e barrancos, conduzir a Argentina a uma improvável final. Na fase de grupos Leonel foi decisivo com seus quatro gols, Javier tapava os buracos de toda a defesa e Ángel decidiu a partida de oitavas de final contra a Suíça marcando o tento único no antepenúltimo minuto da prorrogação.
Contra a Bélgica (1x0) Di María se contundiu e a tarefa de criar oportunidades para os companheiros ficou inteiramente entregue a Messi que, sobrecarregado, não fez mais gols (para o que também contribuiu a possibilidade que os adversários passaram a ter de colocarem vários zagueiros em cima dele, o único jogador perigoso que sobrara na linha de frente dos hermanos).

Foi demais. A Argentina não conseguiu fazer um mísero gol na Holanda (venceu nos pênaltis) nem contra a Alemanha (perdeu por 1x0, tendo jogado melhor nos 45 minutos iniciais e depois caído de rendimento). Contudo, resistiu bravamente até o reserva Götze marcar, quando faltavam apenas sete minutos para o final da prorrogação.

A vice-campeã Argentina, com puro-sangues de menos e pangarés demais, fez campanha heroica, sobrevivendo a duas prorrogações e só entregando os pontos no finalzinho da terceira.
Do que o Brasil fez, nem é bom falar. Às vezes me belisco para ter certeza de que não foi um pesadelo e o 7x1 aconteceu mesmo.

2018 – Deste 21º Mundial, o que mais quero é uma vitória sul-americana, para impedir que os abastados europeus acrescentem definitivamente a superioridade futebolística às tantas outras que já detêm sobre os abestados (nós), entregando-nos mais um certificado de vira-latas.

A grande chance de fazermos ao menos justiça poética (já que a social é, por enquanto, quase impossível) está na ponta das chuteiras brasileiras: contamos com nosso melhor grupo de jogadores desde 2002 e um técnico acentuadamente superior aos cinco que já nos trouxeram títulos. Depois que Tite conquistou a Libertadores  e o Mundial de Clubes com o modesto Corinthians de 2012, não existe missão impossível para ele.
Depois do Mundial de Clubes, o de seleções?

O Uruguai de Suarez e Cavani também pode surpreender. E até no caso da convulsionada Argentina não convém descartarmos uma volta por cima, pois conta com o maior futebolista deste século, o que não é pouca coisa. 

Já Peru e Colômbia estão lá com a esperança de darem bons espetáculos, jogando como nunca; e a certeza de que, mesmo assim, perderão como sempre. O máximo que podem alcançar são as quartas de final.
O PENTA DA 'FAMÍLIA SCOLARI' (2002)

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