domingo, 18 de fevereiro de 2018

O PODER CIVIL ABDICA DE CONTROLAR AS FORÇAS DE SEGURANÇA, CEDENDO LUGAR A UM GENERAL, COM SUA LÓGICA MILITARISTA

INTERVENÇÃO MILITAR NO RIO: A DECOMPOSIÇÃO
SOCIAL NO CAPITALISMO PERIFÉRICO
Por David Emanuel Coelho
Não é um ato casuístico a intervenção militar no Rio de Janeiro, decretada pelo governo federal. Ao contrário, é mais um passo em um processo cumulativo de uso das forças militares para contornar o grave quadro de insegurança pública.

Desde o governo FHC, tropas militares têm sido usadas no policiamento urbano: primeiramente, para contornar as inúmeras greves das polícias estaduais; e depois, como forças de apoio na repressão ao narcotráfico. Agora, no auge, o próprio exército assumirá o comando das forças policiais do estado.

A militarização social é um processo complexo e de larga extensão. Toda lógica de segurança brasileira é pensada em termos militares, incluindo aí até mesmo forças civis. Mais grave ainda, tal lógica tem sido exportada para outros setores da sociedade; vide, p. ex., o crescimento de escolas administradas pela Polícia Militar. 

O fenômeno de militarização não é apenas brasileiro. No  mundo inteiro, tem crescido a militarização das forças de segurança, seja para combater o terrorismo, seja o narcotráfico. 

Juntamente com a militarização também cresce o uso de atos de exceção, como este do Rio. Basta lembrar o estado de emergência que perdurou na França recentemente e os sucessivos toques de recolher decretados nos EUA. A intervenção federal no Rio de Janeiro vem somar-se a tais atos. 

Não pode ser surpresa para quem analisa o capitalismo contemporâneo. O neoliberalismo radicalizou a exploração ao redor do mundo, empobrecendo em níveis abissais largas parcelas da população mundial.
No capitalismo periférico, porém, o efeito foi mais nefasto devido à condição subalterna destes países no sistema mundial, gerando uma riqueza interna baixa, muitas vezes dependente da exportação de recursos minerais e alimentos (produtos de baixo valor agregado).

Com uma parca capacidade econômica, as regiões do capitalismo periférico nunca conseguiram integrar totalmente o conjunto de sua população, gerando largos contingentes marginalizados, verdadeiros supérfluos, para os quais nunca houve um destino apropriado. Tais grupos sobrevivem com empregos precários ou informais. 

Para escapar da condição de marginalidade, parte da juventude destes grupos tomou o caminho da ilegalidade, juntando-se aos cartéis de drogas dominantes nas periferias brasileiras, ou passando a cometer crimes contra o patrimônio.

A resposta do Estado sempre tem sido a repressão generalizada e a ocupação violenta de bairros pobres. O poder econômico dos cartéis, contudo, acaba por submergir as forças policiais na corrupção e favorecer o recrutamento de outros jovens, tornando a repressão estatal um inócuo derramamento de sangue. 
O resultado acabam sendo eclosões de revoltas populares em tais locais, contra a matança indiscriminada e os abusos perpetrados pelas forças estatais, além de uma escalada repressiva por parte do Estado. 

No fim, exaure-se a capacidade do Estado de agir dentro dos limites naturais do regime jurídico burguês. Qual o próximo passo, então? Partir para o estado de exceção, militarizando as forças repressivas e ocupando tais áreas como se fossem os territórios inimigos numa guerra convencional. 

Mas, isto ainda não basta. Mesmo tais ações vão se mostrando ineficazes, além de esbarrarem em procedimentos da administração estatal. O jeito, então, é militarizar não apenas a ponta do sistema, mas também a cadeia de comando, transferindo o poder diretamente para as mãos de um militar. Foi exatamente o que aconteceu no Rio de Janeiro, ao se nomear um interventor. 

A intervenção militar significa que o poder civil e democraticamente eleito abdica de controlar as forças de segurança. No seu lugar entra um general, com lógica militarista, para moldar o sistema ao seu estilo. 
Porém, a questão é muito mais profunda e alarmante. Conforme disse, a militarização da vida social é um fenômeno generalizado e global. A decomposição social do capitalismo está levando a uma profunda deterioração do regime burguês, da qual o crescente poder dos criminosos é apenas um sintoma. 

O pensador marxista Paulo Arantes já argumentou que uma das principais características do modelo capitalista atual é a universalização do estado periférico. Ou seja, se antes apenas os países da periferia sofriam com a marginalização de enormes contingentes populacionais e a dissolução generalizada do sistema social, agora tal condição se universaliza, chegando até mesmo aos países centrais. Certamente, uma consequência do neoliberalismo e o fim do estado de bem-estar social

Um resultado disto é o aparecimento de condições de exceção ao redor do mundo. Ou seja,  com frequência cada vez maior veremos atos de exceção no planeta. A decomposição do regime burguês só pode ser atenuada com a suspensão dos delicados trâmites do regime jurídico e o exercício desnudado do poder.

Trata-se, enfim, da burguesia abrindo mão de parte do seu sistema político em prol da manutenção de seu domínio de classe. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Sem seu comentário... significa que concorda plenamente com o texto?

celsolungaretti disse...

Em termos genéricos, concordo.

Mas, não tenho certeza de que, no caso específico do Rio de Janeiro atual, a medida fosse mesmo necessária.

Afinal, o Temer, depois de se fingir de morto por um bom tempo, agora parece estar apostando em que a economia vá mesmo dar uma melhorada e querendo tirar proveito disso. Se não para ele próprio disputar a presidência da República, pelo menos para negociar a bom preço político o seu apoio.

Exibir o muque pode ser uma jogada espertinha neste sentido.

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