quinta-feira, 2 de novembro de 2017

TODOS LEMBRAM DA REVOLUÇÃO RUSSA. POUCOS LEMBRAM DA NOSSA GRANDE GREVE DE 1917 E DA COLÔNIA CECÍLIA.

Ao apresentar no blogue o filme O Jovem Karl Marx (vide post), dei-me conta de como é raro vermos os mais importantes episódios e personagens revolucionários serem levados às telas. 

Da revolução russa, p. ex., temos os nonagenárias fitas de Eisenstein, que intelectuais cultuam mas os jovens não suportam em razão da forma anacrônica; Reds (d. e c/ Warren Beatty, 1981) sobre como o escritor John Reed documentou e eternizou os 10 dias que abalaram o mundo; O assassinato de Trotsky (d. Joseph Losey, 1972) e obras menores que quase ninguém conhece. É bem pouco. 

Daí a extrema relevância, ainda mais para revolucionários brasileiros, do filme La Cecilia (d. Jean-Louis Comolli, 1975), que resgata um episódio histórico pouco conhecido mesmo entre nós: a implantação de uma colônia rural no Paraná, por parte de anarquistas italianos.

O experimento durou cerca de quatro anos, entre 1890 e 1893. Houve muito entusiasmo no início, mas depois foram aflorando os problemas que acabariam levando à extinção da colônia. Eis alguns deles:
  • a contribuição desigual de citadinos e camponeses, pois a produtividade dos primeiros era inferior. Deveriam receber a mesma fração dos frutos do trabalho, conforme os ideais igualitários? Isto não significaria uma espécie de proletarização dos que produziam mais por estarem acostumados a lidar com a terra? De outra parte, se os lavradores fossem melhor aquinhoados do que os outros, não estaria sendo reproduzida a escala de valores da sociedade burguesa? Inexistia uma solução que contentasse a todos.
  • a dificuldade de lidarem, no dia a dia, com o conceito do amor livre, uma novidade que incomodava principalmente as colonas de origem camponesa;
  • a absoluta falta de seriedade do Estado brasileiro, que já era patético décadas antes de De Gaulle o haver constatado. O imperador Pedro II, atendendo a pedido do músico Carlos Gomes, doou as terras para a instalação da Cecília, mas, proclamada a República, o seu ato foi sumariamente revogado e os colonos tiveram de pagar pelas terras com parte de sua colheita e trabalhando sem remuneração em obras do governo;
  • a hostilidade dos moradores da região (por sentirem-se prejudicados pela concorrência) e de uma vizinha comunidade polonesa, católica e conservadora;
  • as fases de escassez e de fome, com a consequente ocorrência de doenças decorrentes da desnutrição (problemas passageiros, que, contudo, reforçaram a tendência ao egoísmo por parte dos menos convictos dos ideais anarquistas, gerando nocivas divisões);
  • a tentativa do governo de recrutar os colonos (italianos!!!) para combaterem a Revolução Federalista, o que, inclusive, contrariava seus ideais, pois simpatizavam com os revoltosos.
A Cecília chegou a ter 250 moradores, houve defecções em massa, a chegada de novas levas de pessoas atraídas pela divulgação nos círculos libertários europeus, etc. Alguns desistentes migraram para Curitiba, onde fundaram a Sociedade Giuseppe Garibaldi.

É o que o filme mostra, de forma dramatizada e com evidente simpatia pela causa.

Vale destacar que o elenco, cuja única cara familiar ao público brasileiro é a do ótimo Vittorio Mezzogiorno (No coração da montanhaO processo do desejoTrês irmãos), deu perfeita conta do recado.

Particularmente, eu preferiria uma abordagem menos convencional – como, p. ex., a que o cineasta suíço Alain Tanner deu aos ideais de 1968 no seu extraordinário Jonas, que terá 25 anos no ano 2000 (veja-o aqui). 

De resto, chega a ser chocante que, em meio a tanta tralha produzida no Brasil, ninguém haja realizado um filme sobre a Colonia Cecília. Nem sobre a importantíssima greve geral de 1917, a primeira com maior abrangência em nosso País, tendo sido dramática, sangrenta, longa e... vitoriosa!    

A tutela do sectário PCB sobre a historiografia de esquerda implicou a minimização, tanto da Colonia Cecília quanto da greve de 1917, durante décadas. Quando as bandeiras negras anarquistas foram erguidas nas barricadas parisienses em 1968, o interesse dos historiadores por ambas foi reavivado, daí resultando livros e estudos acadêmicos que dimensionaram melhor sua relevância.

Nosso cinema, contudo, continua desperdiçando estes dois grandes temas. Que cada um teça suas conjeturas sobre os motivos de tão injustificável omissão.


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Um comentário:

Unknown disse...

Celso, valeu pela indicação do filme.

É bom ver que o sonho de liberdade é bem antigo.
Por em prática, já é outra história.
Gostei quando eles recinheceram que tanto aprenderam como ensinaram com a convivência.
Num filme com recursos limitados os atores deram o brilho que ele precisava.
Pode ser também que o ideal deu um gás a mais nas interpretações mesmo que tenha momentos panfletários.
Mas como não simpatizar cpm aqueles doidos que amavam tanto a liberdade?

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