Toque do editor |
Reproduzo abaixo uma interessante notícia do comentarista internacional Clóvis Rossi sobre o programa de legalização da maconha no Uruguai.
Nunca fui um cruzado da maconha livre como o Fernando Gabeira, pois considerava mais relevantes as causas a que eu me dedicava. Mas, se tivesse de dar o meu voto num plebiscito, certamente cravaria o sim, concordando com a proposta de que sua produção e venda se deem às claras. Até agora ninguém me convenceu de que cause mais danos à nossa saúde do que os cigarros e a fumaceira espalhada pelos carros, p. ex.
Como quase todos os jovens rebeldes da minha geração, experimentei a maconha... mas não me entusiasmou. O efeito era deixar as pessoas com ataques de bobeira, dizendo qualquer coisa que lhes vinha à mente e achando imensa graça no que não tinha quase nenhuma. Ah, também parecia dar mais tesão, algo que não me fazia falta no vigor dos meus vinte e poucos anos.
Então, como há pessoas que bebem socialmente, eu fumava maconha socialmente, sem entusiasmo. A única droga que realmente apreciei foi o LSD, até perceber que a viagem poderia me levar longe demais e eu não conseguir voltar.
Depois que nossa comunidade alternativa se desagregou e fui obrigado a me encaixar de novo no sistema, nunca tive a mínima vontade de adquirir maconha. Quando via jovens dando bandeira pelas ruas da cidade, espalhando o odor característico da cannabis e não se preocupando muito em disfarçar o que estavam fazendo, dava-lhes um sorriso irônico. Lembrava de como a coisa era diferente na década de 1970, quando cheguei a ter um amigo que cumpriu pena de um ano na Casa de Detenção por mera posse de medicamentos colocados no index das otoridades.
Um cruzado da maconha livre: Fernando Gabeira. |
Talvez por eu já ser idoso mas não repetir o comportamento careta da velharada, duas vezes a moçada simpatizou comigo e me ofereceu baseado. Embora tenha lido que a potência aumentou muito em comparação com a da década de 1970, não me causaram efeito nenhum.
Sem pretender ostentar uma expertise que não tenho, a minha impressão é de que as drogas destroem quem quer se destruir; e, no chute, eu diria que a tão alardeada dependência química não passa de dependência psicológica, com a existência do ser humano sob o capitalismo tendo se tornado tão deprimente e sem sentido que muitos não a conseguem suportar, refugiando-se em paraísos artificiais.
A principal droga que precisamos eliminar, portanto, é o regime de exploração do homem pelo homem, para voltarmos a levar uma vida digna de ser vivida, tendo em cada ser humano um irmão e não um competidor; e trabalhando para dar nossa contribuição à felicidade de todos, não para garantir as muitas drogas (luxo, poder, status, quinquilharias de todo tipo, sexo vendido, etc.) que apenas mitigam a nossa insatisfação permanente.
Por último, aproveitando o gancho do texto do Clóvis Rossi: piores do que a mais nociva das drogas são os bancos, parasitas que sugam nosso sangue e compram nossa alma com o dinheiro que usurpam de nós mesmos. (CL).
A pioneira iniciativa uruguaia de legalizar a maconha, naturalmente polêmica, está enfrentando obstáculos vindos de um agente inesperado, a banca. Ou, mais exatamente, do banco Santander.
Logo, cabe monitorar de perto a experiência uruguaia para saber se é aplicável em outros países, quais os defeitos que eventualmente tem e como saná-los. O governo uruguaio nega que o defeito apontado pelo Santander seja real.
Explica: "Demonstra a confiança dos usuários no sistema, na lei e no Estado. Se eles preferissem continuar comprando do narcotráfico, o modelo estava acabado".
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BANCOS SÃO INESPERADO OBSTÁCULO PARA
LEGALIZAÇÃO DA MACONHA NO URUGUAI
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Por Clóvis Rossi |
O telejornal Telenoche informou que a farmácia Pitágoras de Malvín deixaria de vender cannabis porque o Santander cancelou sua conta por ser um dos estabelecimentos registrados para a comercialização da droga.
A orientação veio da matriz do banco na Espanha, segundo El Observador, e não da direção uruguaia do banco. A alegação é a de que as farmácias que vendem maconha podem ser eventualmente usadas para lavagem de dinheiro.
Outros bancos estão avaliando a situação, entre eles o brasileiro Itaú, e, se seguirem o Santander, estará em grave risco um modelo que merece uma chance de ser testado.
Canceladas as contas, inviabiliza-se o funcionamento das farmácias e, por extensão, todo o esquema de legalização da cannabis, em vigor desde 19 de julho —pouco mais de 20 dias, portanto.
A alegação do Santander, se for comprovada, atinge o coração do programa, que se apoia precisamente na premissa de que é preciso afastar o crime organizado da órbita das drogas.
Não sei se o projeto uruguaio é o caminho ideal, mas sei —e todos sabem— que fracassou redondamente o enfoque policial-militar adotado nos outros países, Brasil inclusive. O consumo só faz aumentar e, com ele, aumenta a criminalidade que gira em torno das drogas.
Logo, cabe monitorar de perto a experiência uruguaia para saber se é aplicável em outros países, quais os defeitos que eventualmente tem e como saná-los. O governo uruguaio nega que o defeito apontado pelo Santander seja real.
Milton Romani, que chefiou a Junta Nacional de Drogas até 2016 e, nessa condição, foi o grande arquiteto do programa de legalização que acaba de entrar em vigor, diz que, antes dela, houve outra regulamentação, exatamente sobre lavagem de dinheiro. Garante que foram fechados todos os canais que faziam do Uruguai, de fato, um paraíso para a lavagem de dinheiro.
A legalização da cannabis provocou um segundo efeito no crime: o Monitor Cannabis da Faculdade de Ciências Sociais calcula que, no estágio atual do programa, o narcotráfico perdeu 27% do mercado —número expressivo para apenas 20 dias.
Já o diretor da Polícia Nacional, Mario Layera, faz questão de lembrar que os 11.508 uruguaios devidamente registrados como compradores (até 7 de agosto) não estão precisando cometer um delito para conseguir a dose de consumo pessoal nem precisam frequentar lugares inseguros como as bocas de venda.
Ao número de registrados como consumidores cabe acrescentar 6.963 cultivadores. "Esse número (quase 20 mil no total) é de enorme importância", diz Romani.
Ao número de registrados como consumidores cabe acrescentar 6.963 cultivadores. "Esse número (quase 20 mil no total) é de enorme importância", diz Romani.
Explica: "Demonstra a confiança dos usuários no sistema, na lei e no Estado. Se eles preferissem continuar comprando do narcotráfico, o modelo estava acabado".
É evidente que é cedo demais para que essas saudáveis constatações representem um atestado definitivo de êxito do modelo. Mas é obrigatório acompanhar a evolução do programa porque já sabemos no que dá o seu contrário.
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