sexta-feira, 7 de julho de 2017

DUAS CONTRADIÇÕES SE TORNARAM EXPLÍCITAS COM A CRISE ATUAL DO CAPITALISMO. SAIBA QUAIS SÃO.

"Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer
não é divagarmos acerca da sua vontade, mas sim
investigarmos o seu poder, os limites desse
poder e o caráter desses limites"
(Karl Marx)
Vivemos hoje, no Brasil, um paradoxo. Ao mesmo tempo em que as instâncias do Estado funcionam de acordo com suas incumbências (o Poder Judiciário e suas instituições correlatas, como Ministério Público e Polícia Federal, prendem, processam e julgam; o Poder Legislativo legisla; e o Poder Executivo governa), vemos que os preceitos constitucionais de independência e harmonia entre esses mesmos poderes entram em flagrante conflito. 

O conflito se caracteriza pelo choque entre a autonomia funcional de cada Poder (independência relativa) e a desarmonia que é inerente ao impossível funcionamento harmônico de uma sociedade que perdeu a conexão entre a forma de produção social destinada à satisfação das necessidades sociais e o conteúdo dessa mesma forma de produção, o qual agora explicita a sua irracionalidade endógena e impossibilidade material de sobrevivência. 

Fazendo uma metáfora com o funcionamento do motor de um veículo poderíamos dizer que a carcaça do veículo está intacta; os pneus novos; todos os comandos (embreagem, freios, acelerador, luzes, etc.) funcionam; o motorista é experiente; mas o motor deixou de funcionar e, assim, o veículo pára. 

O motor da sociedade capitalista, em razão do qual tudo é projetado, aperfeiçoado e criado de modo imanente é a produção de valor, que financia todos os poderes do Estado por meio dos impostos. 

Como a produção de valor (o sangue que irriga todo o organismo social e institucional) não se reproduz no nível exigido pela lógica de sobrevivência da forma-valor (tal como a velocidade de uma bicicleta que a mantém de pé, o valor para ser acreditado como válido precisa se reproduzir continuamente e de modo aumentado) ocorrem todas as distorções funcionais das instituições e do próprio tecido social. 
.
A CONTRADIÇÃO ENTRE PROCESSO
 ELETIVO, PODER ECONÔMICO E EXERCÍCIO
 ISENTO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS
.
Analisemos, primeiramente, a contradição entre o processo eletivo sob a égide do poder econômico em relação à legislação eleitoral e aos órgãos de controle estatal. 

O processo eleitoral é o canal de legitimação política de assunção aos poderes Executivo e Legislativo, e é definido pela influência do poder econômico (que macula a livre vontade popular). 

Assim, como o processo eleitoral envolve, necessariamente, os elevados custos das campanhas eleitorais que somente são possíveis de serem financiados por agentes econômicos e graças à inevitável interveniência da capacidade estatal na economia e em benefício desses mesmos agentes financiadores, estabelece-se uma correlação conflituosa de funções institucionais nada harmônicas entre os Poderes. 

Com a crise econômica, o quadro se torna cada vez mais espúrio, pois quem pode mais elege mais).  Daí o segmento político ser hoje o mais execrado pelo povo, com os parlamentares sendo vistos indivíduos que participam de um jogo sujo cujo objeto teleológico é igualmente nocivo.   

Entretanto, a legislação eleitoral estabelece regras de funcionamento que pugnam pela isonomia da concorrência eletiva e que atribui aos órgãos de controle institucional (Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal) a função de coibir aquilo que está intrinsecamente posto como regra funcional – os gastos eleitorais patrocinados pelo poder econômico, que rege toda a sociedade.

Ora, a Operação Lava Jato tornou explícita a evidência de uma promiscuidade eleitoral que vicia as funções legislativa e executiva, maculadas pelo financiamento ao arrepio da lei e pelo interesse sistêmico da concorrência de mercado capitalista que tudo define. 

Este é o primeiro conflito inconciliável que se estabelece entre uma realidade eleitoral que se pretende isonômica do ponto de vista da legislação e da função jurisdicional em relação ao processo eletivo, e o exercício das funções do Poder Legislativo e do Poder Executivo.

Ou seja, trata-se de uma grande contradição que explicita a disfunção institucional perante o móvel de mediação social – o poder econômico –, qual seja a inexequível pretensão legal de isonomia no processo eleitoral. 
.
A CONTRADIÇÃO ENTRE DIREITO
E FUNÇÃO JURISDICIONAL
.
O nosso Direito substantivo civil deriva, em sua gênese mais profunda e original, do Direito romano, que na época em que foi concebido trazia a mácula de uma sociedade escravista por excelência (na Roma antiga, com quase 1 milhão de habitantes, 80% da população era escrava). 

A abolição da escravidão direta sob os princípios iluministas apenas adaptou o espírito escravista antigo ao Direito burguês, obviamente conservando os institutos jurídicos segregacionistas anteriores que, por assim serem, são intrinsecamente injustos. 

Portanto, o processo legislativo patrocinado pelos parlamentares eleitos sob a forma que nós conhecemos, incumbidos da elaboração das normas de Direito substantivo, obedece aos critérios do interesse sistêmico, até porque a primeira coisa que um parlamentar faz ao se investir no mandato é jurar cumprir os preceitos constitucionais em vigor, que são defensores da conservação da lógica capitalista de reprodução do valor.     

No exercício da função jurisdicional, todo magistrado probo se depara com o conflito entre o senso de justiça que é inerente à consciência humana e aquilo que está determinado na legislação que ele é obrigado a observar e cumprir, e que é manifestamente injusto. O magistrado interpreta a lei e a adequa ao fato concreto, sem, contudo, ter o condão de legislar a partir do próprio julgamento, sob pena de ter suas decisões judiciais reformadas em instâncias superiores e cair em descrédito. 

A condição conflituosa do ato jurisdicional que busca a realização do ideal de justiça deriva da consciência jurídica e social do magistrado e da sua obrigatoriedade de obediência à lei injusta legiferada sob a égide do capital, que visa proteger a segregação social a partir do direito de propriedade e tantos outros, e que agora vem se manifestando de forma acentuada no Brasil. 

Com a crise do capitalismo deterioram-se as condições de vida social e ocorre o desequilíbrio em função do desemprego estrutural, que torna o cidadão apto ao trabalho impotente diante: 
 da obtenção dos seus meios de sobrevivência;  
— da elevação do número de falências do empresariado, impotente na obtenção do lucro que sustenta o seu negócio;  
— da criação de um ambiente de violência urbana incapaz de ser contida pelo aparato policial, com o Estado perdendo a capacidade de prender (daí as mortes de um lado e de outro);  
— da ineficácia dos serviços públicos essenciais. 
Assim, a função jurisdicional e o próprio direito entram em completa contradição e inviabilidade de execução.
O que vemos hoje no Brasil é a deterioração da vida social em todos os seus aspectos. A desarmonia dos poderes institucionais origina-se do conflito entre suas funções constitucionais e tal deterioração, que se aprofunda cada vez mais. 

Estamos apenas no começo da crise do capitalismo. No momento em que se explicitar a sua inviabilidade funcional (quando o motor deixar de funcionar completamente pela incapacidade dos mecanismos econômicos de intervenção paliativa nos problemas econômicos estruturais), evidenciar-se-á com maior clareza ainda o conflito funcional dos Poderes. (por Dalton Rosado) 

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails