reformado" (Leonel Brizola, em 1998)
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Os partidos políticos (mesmo os ditos revolucionários clandestinos) estão sempre de olho do poder estatal e, portanto, pertencem de modo imanente a uma estrutura de poder vertical invariavelmente nociva aos interesses do povo.
Por sua vez, um partido de trabalhadores, teorica e obviamente, defende os interesses dos trabalhadores. Assim, fica implícito que um partido de trabalhadores implica a defesa da existência do trabalho, do trabalhador e do Estado (e, dentro deste, de uma participação legal, constitucional).
É uma postura essencialmente política, assumida pelos que creem na solução dos problemas sociais pela via da mediação social da forma-valor, indissoluvelmente ligada às categorias trabalho e trabalhador.
Como consequência, qualquer tese que critique a existência do Estado, do trabalho e do trabalhador, como categorias imanentes ao capitalismo que são, posiciona-se pela desconstrução de tais construtos políticos e se coloca na contramão do capitalismo trabalhista. A crítica da economia política se opõe pela base a ditos construtos.
Criticamos o Estado porque ele, historicamente, representa a verticalização de poder numa organização social e, portanto, a opressão em si. Mais do que isto, para existir o Estado moderno, qualquer que seja o seu matiz ideológico, necessita da riqueza abstrata (valor, dinheiro e mercadorias) com a qual financia os seus custos operacionais, que são categorias capitalistas; e estas somente podem ser obtidas a partir da existência do trabalho abstrato, o único produtor de valor, e no qual se opera a exploração capitalista (extração de mais-valia).
Criticamos o trabalho abstrato porque ele é a mercadoria primária da formação do capital e a fonte de toda a exploração social segregacionista por ele engendrada. A manutenção do trabalho e, consequentemente, do trabalhador acarreta a manutenção do capital e de sua exploração; e as suas defesas representam, por conexão implícita, a defesa do capitalismo.
O trabalho é uma mercadoria ao mesmo tempo concreta (porque produz um objeto ou serviço necessário à vida) e abstrata (porque produz a abstração valor, mensurada por um quantitativo numérico expresso num padrão monetário qualquer e que viabiliza a acumulação por essa via da apropriação indébita de parte do valor produzido via trabalho). Como não se acumula capital sem trabalho abstrato, abolir o trabalho abstrato é a única forma de se abolir o capital e o capitalismo.
Criticamos o trabalhador, que é ao mesmo tempo vítima e servo do capital, seja por ato voluntário ou sob a coerção estrutural; e também porque não admitimos a confusão conceitual e semântica entre aquele que produz o sustento da vida com seu esforço físico e inteligência (esta sim uma atividade ontológica da existência humana!) e aquele que, enquanto trabalhador, se condiciona ser explorado e a produzir valor para o capital.
Incensar o trabalhador e reivindicar melhoras salariais (como tem sido defendido historicamente pela esquerda e até, falaciosamente, pela direita) é como se pedir ao carrasco capitalista que seja condescendente e amenize o sofrimento de sua vítima, ao invés de confrontar tal carrasco.
Aliás, a filosofia explica que o escravo só se escraviza porque aceita a escravização, ainda que sob a ameaça de tortura ou morte. Os colonizadores europeus importaram os escravos negros porque os índios resistiam em se submeter ao trabalho escravo direto ou ao trabalho escravo indireto (do trabalho abstrato).
Esta introdução conceitual serve como base de uma análise do significado mais profundo de um partido de trabalhadores.
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IGNORÂNCIA CONCEITUAL OU A MAIS DESLAVADA DESONESTIDADE INTELECTUAL
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Fui fundador do Partido dos Trabalhadores no Ceará, em 1981.Participei da eleição para governador em 1982, quando, ainda sob a ditadura militar, lançamos nossa candidatura num Estado dominado pelos coronéis.
Ganhamos em 1985 a eleição para a prefeitura de Fortaleza, primeira vitória petista para uma esfera governamental importante no Brasil, tendo como candidata uma mulher de luta: Maria Luiza Fontenele, de orientação marxista à época.
Governamos com este referencial, sem conciliação com as forças do capital e sem corrupção, tendo tal experiência servido para compreendermos que, na administração pública estatal capitalista, havia algo que não se encaixava com os nossos propósitos verdadeiramente revolucionários. Tínhamos que tomar medidas administrativas que nos eram impostas pela governabilidade e por ditames jurídico-constitucionais que contrariavam o interesse do povo.
Como secretário de Finanças, vivi a contradição de administrar a escassez de recursos para a satisfação das demandas sociais e posso afirmar: comemos o pão que o diabo amassou (inclusive por termos contra nós parte dos dirigentes do próprio PT, além de outros partidos de esquerda, como o PC do B).
Veio a minha candidatura à sucessão de Maria Luíza, contando com seu apoio. Era um sapo difícil de ser engolido pelas correntes petistas nacionais (principalmente) e locais, que não aceitaram a perspectiva de uma nova vitória, na Executiva Municipal, de um expoente da resistência à conciliação com o capital; fomos expulsos.
O argumento de Lula, longe do Ceará e em entrevista em São Paulo, era de que Maria Luíza havia escolhido um candidato do seu bolso, desqualificado, como faziam os coronéis. Uma infâmia contra a prefeita e contra a minha pessoa, pois desde cedo eu ajudara na construção do Partido, antes mesmo de Maria Luíza a ele se filiar.
Na minha pouca experiência aos 38 anos (hoje tenho 67), achei que se tratasse apenas de um comportamento equivocado dos dirigentes. Ainda não me caíra a ficha de que a prioridade, num partido de trabalhadores, qualquer que seja ele, não é superar a exploração contida na forma-trabalho e na forma-trabalhador, sua razão de ser, mas apenas obter as vantagens que o capitalismo possa proporcionar a partir do desenvolvimento econômico (eu ainda desconhecia o Marx esotérico que aborda critica e brilhantemente tal questão);
O ato de nossa expulsão, portanto, obedecia ao imperativo do capital, já que o PT:
— queria governar dentro dos limites estreitos da ordem capitalista;
— acreditava na necessidade de conciliação com o capital, alegando que, ao se colocar como a outra face de uma mesma moeda, estaria defendendo os interesses dos trabalhadores (o que não passava de uma falácia!);
— não admitia que ser trabalhador é compactuar com o capitalismo (liberal ou de Estado), preferindo fechar os olhos às gritantes evidências de que o chamado socialismo real não passa de uma forma política estatizante dentro do modo de produção do capital, sem superá-lo;
— em síntese, trata-se de um partido que cria (e crê) na viabilidade de uma convivência harmônica entre o interesse do trabalhador e o poder político sob a égide do capital estatizante.
Tal postura é equivocada, pois, ou representa uma ignorância conceitual, ou a mais deslavada desonestidade intelectual.
O PT chegaria até mesmo a perseguir os marxistas tradicionais, também equivocadamente trabalhistas. Poucos anos depois de sua fundação, já tomava o rumo da busca eleitoral do poder burguês. E não poderia ser diferente.
O engano foi daqueles (eu incluído) que não compreenderam que o pé de laranja não dá manga. Quem se propõe, mesmo que sinceramente, a ser trabalhador e defender os seus interesses de classe, está, na verdade, defendendo o capitalismo na sua forma política socialista.
Então, como o capitalismo tem regras inflexíveis de existência, podemos concluir que o PT nacional não poderia ter destino diferente do que agora se evidencia. Trata-se de um partido que abrigou revolucionários no primeiro momento para depois expulsá-los ou domesticá-los, tornando-os meros reformistas. Deu no que deu.
Então, como o capitalismo tem regras inflexíveis de existência, podemos concluir que o PT nacional não poderia ter destino diferente do que agora se evidencia. Trata-se de um partido que abrigou revolucionários no primeiro momento para depois expulsá-los ou domesticá-los, tornando-os meros reformistas. Deu no que deu.
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LULA ACREDITOU QUE
A CLASSE OPERÁRIA
A CLASSE OPERÁRIA
PUDESSE MESMO
CHEGAR AO PARAÍSO
CHEGAR AO PARAÍSO
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Não me regozijo pela condenação do Lula. Apesar dos seus equívocos conceituais, é um ser humano originário das camadas humildes da população e meu sentimento de solidariedade com relação às suas origens me leva agora a sentir tristeza, ao invés de qualquer sentimento de vingança. E também por ser um inteligente migrante nordestino radicado em São Paulo a quem conheci pessoalmente ainda em 1978 (numa palestra na Associação Cearense de Imprensa) e a quem muito admirei nos albores da minha juventude, quando eu era um voluntarioso advogado militante de causas populares, ingênuo como tantos militantes neófitos de esquerda.
Lula acreditou em Papai Noel, ou seja, acreditou que a classe operária poderia, se não ir ao paraíso sob o capitalismo, pelo menos melhorar as suas condições de vida; e que o PT poderia governar o país com uma confortável hegemonia política, dando a seus dirigentes o acesso às delícias dos salões palacianos e às honrarias que tanto envaidecem os deslumbrados (estes costumam ser laçados pela gravata, como diz um bravo companheiro de lutas).
Por algum tempo a pretensão de Lula deu certo, até que as contradições do capitalismo e a relação promíscua que ele próprio estabeleceu com os donos do capital, seu segmento político e suas instituições, terminaram por mostrar-lhe que o céu é bem distante, enquanto o inferno pode estar à nossa espreita na próxima esquina.
O Poder Judiciário nas sociedades mercantis, capitalistas, é o cutelo dos poderosos; e o é porque os magistrados cumprem leis feitas por um Legislativo que historicamente atua em favor desses mesmos poderosos.
Por Dalton Rosado |
Assim, o cumprimento da lei, quando se trata de desmoralizar aqueles que levantaram bandeiras pretensamente anticapitalistas em desafio à hegemonia secular do capital (mesmo que, no fundo, estejam com ele conciliando), é sempre rigoroso.
Que nos sirva de lição: é preciso mudarmos a forma e o foco das nossas lutas emancipatórias!
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