domingo, 30 de outubro de 2016

O CALDEIRÃO DO DIABO

“Por que não deveríamos então lutar decididamente para que,
por meio da crítica categorial, essa crise seja sinônimo de 
uma  revolta consciente e livre de nossa gente para a 
conquista da emancipação humana?" (Crítica
Radical, na mensagem Adeus às ilusões)
A crise causada pela terceira revolução industrial da microeletrônica, agora aditada por fenômenos baseados na robótica, neurotecnologia, nanotecnologia e biotecnologia, deu margem à explicitação de contradições do sistema produtor de mercadorias que estavam apenas latentes, mas agora assumem proporções e velocidades gigantescas nos apontando para um futuro sombrio se permanecermos inconscientemente perpetuando formas sociais de mediação que já não se adequam nem um pouco ao seu conteúdo essencial mesquinho.  

No bojo desses acontecimentos, o processo eleitoral mais parece uma alucinação esquizofrênica de zumbis hipnotizados por uma poção mágica que os mantêm fora da realidade, à semelhança do que ocorre com a população no bom filme Perfume, a história de um assassino

Candidatos dos mais variados matizes ideológicos, agora com maior sucesso nas urnas de salvadores da pátria conservadores, fazem ridículos discursos de futura boa administração das cidades economicamente falidas e cindidas em bairros elegantes (uma menor porção) e bairros miseráveis (uma maior porção). Nestes últimos vive uma população atormentada pelo desemprego, pela violência urbana e pelo individualismo que torna todos os indivíduos sociais adversários de todos na fratricida luta pela sobrevivência.    

Entretanto, tudo parece muito normal. É que o brilho falso do progresso de poucos ofusca as trevas da miséria de muitos, escorraçada para o gueto onde reina a alegria desesperada dos que não têm nada a perder, muito comumente perdendo até a vida, assassinados que são na vala comum da banalidade.   

Em meio a tudo isto, a grande mídia trata a violência urbana com um espanto cínico, como se não soubesse que quem planta vento colhe tempestade, pugnando por medidas de segurança que sabem ser incapazes de conter a avalanche de assombros que desce ladeira abaixo. 

Carmen Lúcia, ministra presidente do Supremo Tribunal Federal, visita os presídios e fica espantada com a tragédia humana nesses locais que mais parecem masmorras da Idade Média como se se precisasse de visita para se conhecer a realidade de mortes e promiscuidade (entremeadas com regalias para alguns) ali reinante e os diários levantes e motins dos aprisionados, bem como a completa incapacidade do estado de prender, processar e manter preso o enorme contingente de criminosos fabricado por um sistema incongruente.  

Enquanto isso a Belíndia (mistura brasileira de Bélgica e Índia) vai vivendo a sua vida de perplexidades. Os bobos alegres da cada vez mais precária inclusão social temem a perda de status e sonham com a impossível volta a um passado que, mesmo não tendo sido bom, é melhor do que o presente e certamente menos sombrio do que a perspectiva de futuro dentro da lógica do sistema. 

Há entre eles uma intuição (ainda que inconsciente) das verdadeiras causas da tragédia que aponta para um futuro sombrio, tanto em termos sociais quanto ambientais. Mas, como dizia Ibrahim Sued, colunista social famoso do passado, os cães ladram e a caravana passa, às vezes acrescentando um repulsivo sorry, periferia!.

Aos deserdados da sorte resta se contentarem com a vitória do seu time preferido; caso ela não venha ou mesmo vindo, não custa nada a prática do vandalismo aleatório e da agressão catártica para comemorarem a vitória ou desabafarem pela derrota.  

Quanto desrespeito pelo ser humano! Quanta indiferença individualista! Quanta mentira! Quanta irracionalidade! Quanta hipocrisia legalista a respeito dos podres poderes! Estes nada mais fazem do que sustentar o roubo que está nas entranhas de um sistema nascido da corrupção, mas que diz combatê-la, por isto mesmo tendendo a frustrar qualquer tentativa de alguns paladinos da justiça em tentar consertar o desconserto do que lhes dá sustentação: o Estado capitalista.   

Infelizmente, a miséria por si só não é revolucionária. Pelo contrário, trata-se de um fruto da inconsciência social; então, quanto maior a inconsciência social, mais fácil se torna a manipulação da opinião pública por todos os organismos econômicos, institucionais, educacionais e midiáticos. Ou seja, a miséria atrai miséria, ao invés de, por sua existência chocar a sensibilidade dos seres realmente humanos, ser fator de sua extinção. 

É graças a isso que os eternos revolucionários de ontem e de hoje não devem ceder à impressão de fracasso por estarem sempre andando na contramão do fluxo social; pois, além de estarem com a consciência em paz (quantos hoje podem dizer o mesmo?), têm em seu favor a contradição de um modo de ser social que se exaure por seus próprios fundamentos, causando perplexidade entre os que o tentam eternizar. 

Aos revolucionários restam os consolos de não terem sido Maria vai com as outras; de não haverem condescendido com a exploração sistêmica; e de não terem dado aos empedernidos beneficiários dos banquetes capitalistas a oportunidade de os tornarem objetos do mesmo desprezo que têm por suas passivas vítimas inconscientes.          

Nunca foi tão urgente combatermos as categorias fundantes do capitalismo, que se apossaram da nossa mente com um poder hipnótico que é capaz de nos conduzir ao abismo como se fôssemos robôs programados para a autodestruição. Está mais do que na hora de acordarmos do transe.

Então, é de se perguntar novamente: você vai mesmo atender ao apelo institucional e de todos os partidos, desperdiçando seu tempo para ir votar?
(por Dalton Rosado)

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