Gente desiludida é um bicho mais complicado ainda... |
O poeta Ferreira Gullar, às vezes, é um observador sagaz da cena política. Mas, quando deita falação sobre assuntos sobre que ultrapassam em muito seus vãos conhecimentos, viaja (com fardão e tudo!) na maionese....
Um exemplo é esta conversa que ele diz ter mantido "com uma jovem universitária a propósito de um jornal que seu grupo editava na faculdade" e relembrou (mais uma vez!) em sua coluna dominical:
– O que esse jornal afirma –disse-lhe eu– dá a entender que o comunismo não acabou.
– E não acabou mesmo –respondeu ela. O que acabou não era o comunismo verdadeiro.
Ou seja, como ela necessitava acreditar no sonho marxista, tudo o que ocorreu, desde a revolução soviética de 1917 até hoje, era falso comunismo. Nem Lênin, nem Stalin, nem Mao Tsé-tung, nem Fidel Castro: nenhum deles era comunista de verdade. Só ela e seu pequeno grupo de universitários.
Por isso, digo que gente é bicho complicado. Claro que nem todo mundo chega ao exagero dessa jovem carioca, mas cada qual à sua maneira inventa uma realidade que só existe em sua mente.
Livros para principiantes há aos montes |
Para encurtar o assunto:
- Gullar ignora que, de acordo com Marx, comunismo seria a etapa final da edificação revolucionária, quando já não existiriam classes nem nações e os homens colaborariam fraternalmente para a felicidade geral, priorizando o bem comum. Então, comunistas de verdade só viriam a existir na sociedade comunista do futuro, não agora. Alguém que conhecesse o bê-a-bá do marxismo saberia que nem Lênin, nem Stalin, nem Mao, nem Fidel, nem o pequeno grupo de universitários a que pertencia a jovem carioca, nenhum deles seria considerado comunista de verdade pelo velho barbudo;
- Gullar ignora que, de acordo com Marx, o socialismo (não o distante comunismo) chegaria com a superação do capitalismo, começando pelas nações economicamente mais desenvolvidas, que arrastariam as restantes na sua esteira, pois são as pujantes que determinam a direção para a qual se encaminham as demais. Então, longe de ser uma realidade que só existe na sua (da jovem carioca) cabeça, faz todo sentido falarmos que a URSS de Stalin, a China de Mao e a Cuba de Fidel não eram socialistas de verdade, pois nelas a revolução precisou cumprir uma etapa anterior (eram tão atrasadas que os revolucionários precisaram, antes, criar, ou tentar criar, a infra-estrutura básica de uma economia moderna), e tendo de fazê-lo sob ataques militares, bloqueios, embargos e ameaças terríveis dos gigantes capitalistas, acabaram por resvalar inexoravelmente para o totalitarismo.
Fiquemos por aqui, para não esticar demais o post (aos interessados num aprofundamento da questão, sugiro este texto).
O certo é que o capitalismo teve a oportunidade de instalar-se plenamente e construir uma sociedade à sua imagem e semelhança: o inferno pamonha que está aí, na definição ferina do Paulo Francis.
Não se iguale aos anticomunistas profissionais, Gullar! |
Até agora as tentativas de construção do socialismo se deram nos países que Marx considerava os mais inadequados para tanto, havendo um abismo entre o sonho marxista do advento do reino da liberdade, para além da necessidade e as toscas ditaduras que invocaram o nome do velho profeta em vão.
Recomendo ao Gullar que passe a opinar apenas sobre aquilo de que realmente entende. Se não, acabará se igualando a qualquer Reinaldo Azevedo da vida.
[Aquele que já papagaiou centenas de vezes que os resistentes armados não queriam libertar o Brasil da ditadura, mas apenas instalar outra ditadura, como se tais intenções remotas tivessem qualquer importância no contexto das lutas contra o despotismo e o terrorismo de estado, nas quais a regra de ouro, segundo o entendimento civilizado, é que os cidadãos têm o direito e até o dever de pegarem em armas contra uma tirania, pouco importando qual o desenho de sociedade ideal que trazem nas mentes.]
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