quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

VITÓRIA DE PIRRO NA CALADA DA MADRUGADA

O horário avançado não é desculpa: faltou aos parlamentares a iluminação da consciência.
O que mais me choca no governo do PT é seu pragmatismo tosco e obtuso. Desde a reviravolta na campanha presidencial de 2014 provocada pela morte de Eduardo Campos, o partido aboliu o pensamento estratégico e passou a ser movido pelo imediatismo dos apetites. Principalmente, sua fome avassaladora de poder.

Fez campanha sórdida e falaciosa contra Marina Silva, tornando-a para sempre inimiga. Reforçou, assim, a própria dependência dos apoios que necessita comprar, seja com cargos, seja com liberação de verbas, seja em espécie por debaixo do pano. 

Não dialoga com as forças afins, prefere discutir preço com os que antes eram inimigos e o continuariam sendo se tivessem caráter para tanto. Só que, identificando-se cada vez mais com as práticas podres da política oficial, cava a cova na qual acabará sendo enterrado.

O que começou mal só poderia mesmo acabar pior...
Fez campanha sórdida e falaciosa contra Aécio Neves, como se a esquerda tivesse o direito de ganhar eleições utilizando as mentiras e os abusos de poder característicos da direita. 

Não tem. Pois a esquerda almeja muito mais do que as meras vitórias eleitorais; existe para impulsionar uma transformação profunda da sociedade.  E só conseguirá concretizá-la incutindo esperanças nos explorados e organizando-os para a defesa dos seus direitos, não tangendo-os bovinizados para as cabines de votação.

Voltamos aos tempos em que se ganhavam eleições distorcendo as falas e intenções dos adversários, como em 1945, quando o brigadeiro Eduardo Gomes jamais disse que não precisava dos votos dos marmiteiros, mas a mentira mil vezes martelada acabou passando por verdade, à maneira de Goebbels.

Quase sete décadas depois, foi com mentiras tipo Marina Silva come na mão de uma banqueira e Aécio vai extinguir o bolsa-família que se desqualificaram os principais adversários. Continuamos sendo o país do eterno retorno.

Pior ainda foi o passa-moleque aplicado na esquerda independente (aquela que não oscila na órbita palaciana nem se deixa seduzir por boquinhas), aliciada pela candidatura governamental a golpes de alarmismo.

Vox populi, vox Dei (1)
Reais ou supostos intelectuais parecem ter acreditado candidamente que Marina e Aécio seguiriam o figurino neoliberal na condução da política econômica, enquanto Dilma jamais se avassalaria ao grande capital. 

Ledo engano. O Ministério anunciado para o segundo mandato, em termos ideológicos, arrancaria aplausos entusiásticos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan; se alguma restrição houvesse, seria apenas quanto à insignificância pessoal e profissional dos novos titulares. 

Ainda na categoria estelionato eleitoral, era dado como favas contadas que os dois vilões-mores, e apenas eles, entregariam as Pastas da área econômica a representantes de bancos, grandes indústrias e agronegócio. Gente como Joaquim Levy, Armando Monteiro e Kátia Abreu. Só rindo pra não chorar...

Vitórias a qualquer preço, conquistadas por diferença mínima em países nos quais a posse e mau uso da máquina governamental têm influência máxima, possuem o inconveniente de desunirem tais nações. É praticamente inevitável que os derrotados, quando acreditam não terem sido licitamente vencidos, tentem reverter o quadro.

Se, ademais, são eles que predominam nos estados pujantes, a encrenca é maior ainda. Como Marx cansou de demonstrar, são os países e/ou regiões com forças produtivas mais desenvolvidas que determinam o rumo que todos acabarão por seguir, não os grotões.

Vox populi, vox Dei (2)
De um jeito ou de outro, o poder econômico, nos países capitalistas, acaba se impondo ao poder político. A alternativa? Em médio e longo prazos, só existe uma: a revolução. No curto prazo, o PT esfalfa-se para retardar o inexorável --sem, contudo, ousar romper o pacto mefistofélico que firmou em 2002, quando se domesticou para que lhe permitissem governar. 

Salta aos olhos que há um grande esquema político sendo montado para impedir a presidenta Dilma Rousseff pela via constitucional. Só falta a definição de qual será o motivo alegado no pedido de impeachment.

O PT acaba de travar batalha insana para evitar que o descumprimento de diretrizes orçamentárias pudesse ser tal motivo. Mas, o vergonhoso resultado da refrega consagrou um casuísmo escandaloso, o efeito retroativo que jamais poderia servir como tábua de salvação para quem não fez a lição de casa no momento certo. Algo tão estapafúrdio que me fez lembrar o causo contado por Sebastião Nery, o nosso grande nome do folclore político. 

O todo poderoso coronel de um cafundó nordestino assistia a um jogo de futebol disputadíssimo e, no apagar das luzes, acontece um pênalti a favor dos visitantes. Os atletas da casa se revoltam, o campo é invadido, o coronel acaba tendo de decidir a questão. E dá o veredito: "O pênalti tem de ser cobrado, sim! Só que a nosso favor..."

Preocupado apenas com as aparências e formalismos legais, o governo não se dá conta dos estragos que a batota fiscal produziu em sua imagem.

Vox populi, vox Dei (3)
Nem percebe que os partidários do impeachment não desistirão, apenas vão escolher outro motivo. Gilmar Mendes tenta prover um, o petrolão oferece infinitas possibilidades. Mas dia, menos dia, esse bloco sairá à rua. Não vai dar pra segurar.

Estancar o processo de impeachment no nascedouro, evitando que ele tramite no Congresso, será a pior solução possível, pois vai tanger os opositores para a via verdadeiramente golpista. Bateriam de imediato na porta dos quartéis.

O melhor será a batalha se travar no terreno da legalidade democrática, ou seja: 
  • que o impeachment vingue e se dê posse a Michel Temer (argh!), como manda a Constituição;
  • ou que o impeachment seja apreciado, votado e rejeitado, o que dará à Dilma a credibilidade para governar que não tem neste momento.
É esta a batalha que o PT deveria travar, ao invés de perseguir sofregamente vitórias de Pirro na calada da madrugada.

9 comentários:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Se o impeachment de Dilma ocorrer, e parece que o governo trabalha ativamente para que ocorra, a coisa se acomodará em torno ao PMDB, na figura do Temer. Mais do que a vice-presidência, eles têm o controle do estado político.

A impressão que tenho é a de que não está clara para nós a força inacreditável que esse "partido político" possui. Eles estão realmente no poder desde 1985, e dominam a vida institucional, tanto no parlamento quanto nas empresas públicas, onde está o dinheiro.

Por outro lado, não existe nenhum motivo para supormos que os banqueiros, o pessoal do Agronegócio e o imperialismo americano planejam um golpe de estado, com os tanques na rua e tudo mais. Podem se articular a certa altura pelo impedimento de Dilma conforme o impedimento de Dilma se revele inevitável, e favorável aos seus negócios.

De fato, não há motivo para que as oligarquias desejem romper com a sua "democracia". Farão isto quando vier a época da revolução, mas, antes, preferirão o seu estado "de direito", por uma questão de credibilidade. Tem-se a noção de que a democracia é uma coisa boa, e a nossa gente acredita viver em uma. Por muitos motivos a revolução brasileira, que acontecerá um dia, será de uma violência extrema, e penso que só poderíamos esperar a saída realmente golpista diante de alguma coisa desse tipo, quando a trombeta revolucionária soar. Golpe, guerra civil, intervenção estrangeira, em meio ao que muitos "revolucionários" da atualidade fugirão covardemente. (Ou talvez haja outra via para a transformação da sociedade, reformista, como acreditava o Jacob Gorender.)

O que temos no horizonte, ainda que com acentuada diminuição do crescimento econômico e com todo o inferno que são as instituições no Brasil, é a estabilidade do capital, por meio da vitoriosa esquematização social e política vigente desde 1990. Nós a aconhecemos como Neoliberalismo.

Por outras palavras, o que temos é um horizonte conservador. Um horizonte de muito viço e muita "confiança", graças, do ponto de vista institucional, à existência de alguma coisa como o PMDB. O PMDB é o PARTIDO DO ESTADO, amadurecido nesse sentido, até mesmo para garantir a "democracia".

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

E há, é claro, toda a questão jurídica em relação ao impeachment.

Até o momento, o que existe são aqueles orangotangos procurando direção política no ex-qualquer coisa Lobão (a que ponto chegamos!), pondo 500 pessoas na rua.

Contra Dilma, não há nada provado. Gilmar não vai derrubá-la com uma canetada, e nem a Veja mobilizará a sociedade contra o seu governo, publique as capas que publicar.

Dilma não é Collor, nem Getúlio.

celsolungaretti disse...

Eduardo,

o problema é que a administração do PT está sendo tão ruim que começa a comprometer os lucros dos poderosos. E eles, obviamente, não perderão as imensas oportunidades que o petrolão lhes proporciona, arriscando-se a terem de engolir o PT até 2022.

Quando derem o bote, não será nada tão amadoresco quanto vc parece crer.
O que vem por aí é um esquema profissional.

Meu prognóstico, de velho comandante de Inteligência? Conseguirão o impeachment. Porque o PT deu sopa demais pro azar.

E, continuo enfatizando: nossa prioridade máxima não é defender o governo do PT, mas sim evitar que ele seja derrubado por um golpe de estado.

Um impeachment permitirá à esquerda voltar ao poder já em 2018. Uma ditadura pode durar 15 ou 21 anos, como as últimas. E o custo humano é sempre altíssimo.

Abs.

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Sim, o impeachment pode acontecer, porque o governo é mesmo ruim, trabalha mal, é corrupto, não articula nada de positivo na sociedade, etc, etc. Mas não está na ordem do dia; há muito mais um golpe de mídia no ar, que utiliza a palavra "impeachment" como instrumento de propaganda. Foi dado um golpe midiático, por exemplo, agora nas últimas semanas do 2º turno, pela Veja, bem sucedido de certa forma.

Quanto ao que viria depois, as oligarquias do Brasil têm nada menos que o PMDB! Não existia nada desse tipo, nem em 1937, nem em 1964: as instituições e a conjuntura nacional e internacional eram completamente diferentes. O PMDB sustenta uma institucionalidade que funciona plenamente para as oligarquias, ao abranger todos os setores do Estado. Do contrário, não estaria no poder desde o início da Nova República.

E mesmo para um golpe como o de 1964 é preciso certo apoio popular. Até agora o movimento golpista é aquele que se vê na paulista aos sábados, sob a liderança pública de uma figura tão ridícula como o Lobão. Serão 100 mil no ano que vem, como em 64? Dificilmente.

Dar golpe, com tanques na rua e para criar uma ditadura de 15 ou 21 anos, não deixa de ser um esforço de guerra. Por outro lado, a palavra "democracia" cai bem. Temer ficaria uma graça de presidente democrata, ou mesmo o Cunha. Isso, no caso do impeachment se concretizar.

Anônimo disse...

Eu venho prevendo problemas já a bastante tempo. Pouco antes da eleição ví o espectro obscuro que está governando a nação.O que o PT fez nesta eleição para vencer, se fosse em outras épocas seria chamado de magia negra. Pacto com demônio e coisas do tipo. Mas na era da marquetagem são apenas negócios.Me lembra a parte II do poema dramatico de Fausto. Estou preparado, não para ir para a batalha, mas para assistir bem de longe o desenrolar de toda a tragédia que há de vir pela frente.

Anônimo disse...

Quando eu vejo um partido como o PT, com ânsia de hegemonia e poder eterno, não me resta dúvida do seu fracasso eminente.

FAUSTO
Que sou eu, se não posso alcançar, afinal,
A coroa com louros da nossa humanidade,
A que todos almejam com tanta ansiedade?

MEFISTÓFELES
Não és mais, meu senhor, do que és: um mortal!
Perucas podes ter, com louros aos milhões.
Alçar-te com teus pés nos mais altos tacões,
Serás sempre o que és: um pobre ser mortal!
J. W. Goethe

ninguem disse...

Este blog é um dos poucos que consegue, livre de paixões enxergar mais claramente aquilo que estáacontecendo.

ninguem disse...

O pilar da democracia, mesmo que pareça execrável do ponto de vista ético e moral, ainda é o PMDB. O poder de decisão é do PMDB, e seu líder Michel Temer, honorável mestre maçom, ligado diretamente a Grande loja da Inglaterra, comanda com mãos ocultas o destino da nação.
O PT é uma marionete nas mãos do PMDB, e enquanto o PT, obtém vitórias de Pirro, compradas a muito custo,o PMDB cresce em poder financeiro, pessoal e politico.

Anônimo disse...

Quando Lula disse que iria fazer o diabo para vencer as eleições, estava aí o prenuncio da vitória de pirro e de seu fracasso. Jogou na lata do lixo toda sua biografia, flertou com tudo que é de mais obscuro e sinistro que um governante poderia fazer. Fazer o diabo, quer dizer, fazer tudo, esquecer a ética, a moral e os bons costumes. Fazer qualquer coisa pelo poder, até matar a mãe se fosse obrigado. Quem joga esse tipo de jogo, só pensa na vitória momentânea, mas esquece o amanhã,esquece que depois de vencer, precisa governar.

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