Tanto quanto os faroestes, os policiais estadunidenses tinham até a década de 1960 o grave defeito de, em sua grande maioria, incutirem nos seus públicos a mentalidade maniqueísta de que o Bem seria representado pela pela lei e a ordem, enquanto contraventores de todos os tipos eram caracterizados como o Mal, muitas vezes até desumanizados (mostrados como psicopatas, incestuosos, etc.).
Houve, claro, algumas exceções na fase do chamado cinema noir, mas geralmente prevalecia a regra de que os maus sempre tinham de acabar mal, o que virava uma espécie de spoiler à antiga...
Daí o meu entusiasmo com os policiais franceses que retratavam os agentes da ordem e os profissionais do crime como apenas como pertencentes a dois universos diferentes, com regras próprias e cujos expoentes podiam igualmente ser indivíduos decentes ou crápulas.
Depois vieram os cineastas mais expressivos dessa abordagem:
— Jean-Pierre Melville, cujo O Samurai (1967) é o filme que melhor caracteriza o criminoso (Alain Delon) que vive e morre segundo as regras de um profissionalismo levado às últimas consequências; e
— José Giovanni, ele próprio um ex-marginal que depois virou escritor policial prolífico, teve dezenas de suas novelas transpostas para o cinema e dirigiu dessas fitas. Curiosamente, ambos haviam participado da Resistência Francesa.
Fogo contra Fogo (1995) é um ótimo filme de um produtor, roteirista e diretor estadunidense com flagrantes afinidades com o enfoque francês: Michael Mann.
O maior mérito é mostrar, paralelamente, como eram na intimidade um criminoso hábil e bem profissional (Robert De Niro) e o policial igualmente brilhante que o persegue (Al Pacino).
Ambos se respeitam e chegam a dialogar com inusitada sinceridade no seu segundo encontro, mas, ao se despedirem, fica claro que ambos seguirão seus caminhos até o fim e que, no próximo encontro, um deles morrerá.
E estão os dois conscientes de que poderiam levar uma existência muito melhor se saíssem das profissões a que se dedicam obsessivamente, mas desperdiçam todas as suas chances de felicidade porque não se concebem fazendo outra coisa na vida. Um filmaço! (por Celso Lungaretti)