sexta-feira, 20 de maio de 2022

UM POLICIAL MADE IN USA QUE FOGE DOS PARADIGMAS MORALISTAS

Tanto quanto os faroestes, os policiais estadunidenses tinham até a década de 1960 o grave defeito de, em sua grande maioria, incutirem nos seus públicos a mentalidade maniqueísta de que o Bem seria representado pela pela lei e a ordem, enquanto contraventores de todos os tipos eram caracterizados como o Mal, muitas vezes até desumanizados (mostrados como psicopatas, incestuosos, etc.). 

Houve, claro, algumas exceções na fase do chamado cinema noir, mas geralmente prevalecia a regra de que os maus sempre tinham de acabar mal, o que virava uma espécie de spoiler à antiga...

Daí o meu entusiasmo com os policiais franceses que retratavam os agentes da ordem e os profissionais do crime como apenas como pertencentes a dois universos diferentes, com regras próprias e cujos expoentes podiam igualmente ser indivíduos decentes ou crápulas. 

Isto, claro, antes de as gangs das drogas, com seus ganhos mirabolantes, se tornarem violentas ao extremo. Na primeira metade do século 20, p. ex., várias novelas e filmes destacavam
la loi du milieu (as regras do submundo) que levava os gangstêres a prestarem solidariedade a colegas que nem sequer conheciam ou a punirem eles mesmos os colegas que cometiam crimes hediondos.

Depois vieram os cineastas mais expressivos dessa abordagem:
— Jean-Pierre Melville, cujo O Samurai (1967) é o filme que melhor caracteriza o criminoso (Alain Delon) que vive e morre segundo as regras de um profissionalismo levado às últimas consequências; e
 José Giovanni, ele próprio um ex-marginal que depois virou escritor policial prolífico, teve dezenas de suas novelas transpostas para o cinema e dirigiu dessas fitas. Curiosamente, ambos haviam participado da Resistência Francesa.

Fogo contra Fogo (1995) é um ótimo filme de um produtor, roteirista e diretor estadunidense com flagrantes afinidades com o enfoque francês: Michael Mann. 

Isto os leitores também podem constatar também em
Profissão: ladrão (1981), O Informante (1999) e Inimigos Públicos (2009), realizações de exceção no cinema estadunidense das últimas décadas, cheios de sequências de ação mirabolante e vazios de vida inteligente.

O maior mérito é mostrar, paralelamente, como eram na intimidade um criminoso hábil e bem profissional (Robert De Niro) e o policial igualmente brilhante que o persegue (Al Pacino). 

Ambos se respeitam e chegam a dialogar com inusitada sinceridade no seu segundo encontro, mas, ao se despedirem, fica claro que ambos seguirão seus caminhos até o fim e que, no próximo encontro, um deles morrerá.  

E estão os dois conscientes de que poderiam levar uma existência muito melhor se saíssem das profissões a que se dedicam obsessivamente, mas desperdiçam todas as suas chances de felicidade porque não se concebem fazendo outra coisa na vida. Um filmaço! (por Celso Lungaretti)   

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bem por aí? Por coincidência, possuo o título baixado, um dos últimos filmes bons com a dupla junta, na década de 90. De Niro estrelou no ótimo Ronin ( John Frankenheimer ), em 1998, antes de se aventurar com filmes pouco chamativos, nos anos seguintes. Já Pacino, fez o excelente Advogado do diabo ( The Devil's Advocate 1997 ), com Keanu Reeves, Charlize Theron, e a estonteante Connie Nielsen ( eterna Christabella Andreoli ). Depois, Pacino segue mais ou menos o mesmo caminho de De Niro, embora as produções sejam melhores. O Elenco não fica a dever nada, com Danny Trejo ( que arremete aos filmes Exploitation ), Val Kilmer, o "colírio" Amy Brenneman, Tom Sizemore e Jon voight. Sobre filmes estrelados por anti-herois, tem um filme com o ator Charles Grodin, que já procurei, mas não consegui achar, e não sei o Título, somente o enredo. Um cineasta ( Charles Grodin ), insatisfeito com a atuação do astro principal de seu filme, cujo protagonista é um marginal, se depara com um verdadeiro bandido ( acho que se trata de Keith Carradine ), que invade o set de filmagem, fugindo da polícia. Então o cineasta tem a "brilhante" ideia, dispensar o ator, e contratar o bandido no elenco seguindo a lógica: "ninguém melhor pra realizar uma missa, senão um padre". Talvez este filme que já passou inúmeras vezes no Domingo maior, esteja incluído na sua lista de clássicos. Abraço do Hebert, e bom fim de semana.

celsolungaretti disse...

Um momento inesquecível de ambos foi em "O poderoso chefão II", só que nunca aparecem juntos em cena: o Al Pacino é o Michael Corleone já liderando a família mafiosa e o Robert De Niro aparece nas reminiscências de décadas atrás, como o pai dele, Vito Corleone, quando jovem (no primeiro filme ele já está velho e é interpretado pelo Marlon Brando).

O Robert De Niro é o único da saga do Coppola que atuou também no filme que ficou muitos pontos acima da dita cuja: "Era uma vez na América". Infelizmente, essa extraordinária obra-prima nunca teve o merecido reconhecimento, até porque coloca gangstêres estadunidenses de origem judia como paradigma da involução do "sonho americano" para o primado das grandes corporações.

Os judeus, que exercem enorme influência na indústria de entretenimento, detestaram. E o filme não decolou. Na minha opinião, isso não aconteceu por "mera coincidência", até porque se tratou de um caso parecido com o do melhor filme de todos os tempos, "Cidadão Kane", que foi sabotado pelo magnata William Randolph Hearst por este ter percebido que era ele a inspiração do personagem principal.

Outros papéis inesquecíveis do Robert De Niro foram como Al Capone em "Os Intocáveis", o diabo em "Coração Satânico", o pugilista Jake La Motta em "Touro Indomável" e o motorista de táxi em "Taxi Driver".

O Al Pacino foi um arraso nos dois filmes antológicos de gângster do Brian De Palma, "Scarface" e "O Pagamento Final". E também ficou muito bem no papel do capeta, em "O advogado do diabo".

Não encontrei no dicionário de cinema o filme a que vc se referiu com o Charles Grodin, será que vc não está confundindo com outro ator?

Um abração e ótimo domingo, Hebert!

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bem?! Era uma vez na America tem passado muito no canal TCM, e Cidadão Caine, também!! Charles Grodin, ator do ótimo filme de ação estilo "escapada", Fuga à meia noite ( com Robert De Niro ), fez um filme que destaquei acima, mas não me lembro do título, e imaginado que Você tivesse no seu acervo por aí, mas tudo bem, o negócio é "garimpar" por mais informações sobre ele!! Ahhh, me diga lá, e quanto ao tal debate de Ciro e Gregório, qual a sua avaliação ( se é você teve a oportunidade de ver )?

celsolungaretti disse...

Hebert,

como a minha audição é precária, não curto muito esses debates secundários. Só assisto aos mais importantes.

Dessa trupe mambembe que está aí, o Ciro é o único que, ao mesmo tempo, ainda tem chance (embora remota) de eleger-se e, se eleito, ousaria confrontar o poder econômico.

Torço para que o Bozo acelere a autodestruição e fique fora do segundo turno. Adoraria ver o Ciro pegando no pé do Lula no debate final.

Também assisti a "Fuga à meia-noite" (não obedeço besteiras de filólogos, em meia-noite o hífen faz falta), é um filme agradável que vi faz tempo.

O melhor lugar para vc garimpar filmes continua sendo o imdb.com/ E, por lá, não achei uma fita do Grodin com as características que vc. disse.

Um abração!


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