A esquerda à qual decidi devotar a minha vida na virada de 1967 para 1968 mantinha firme rejeição ao autoritarismo e ao punitivismo.
Compreendia que as circunstâncias em que as pessoas eram formadas pelo capitalismo, com o homem reduzido a lobo do homem em luta encarniçada contra tudo e contra todos, favoreciam o afloramento das piores mazelas individuais e coletivas.
Quem só não rouba, barbariza e mata por temer a polícia, está sempre a um passo de supor que conseguirá cometer seus crimes sem ser punido. Os mais ousados acabam tentando a sorte e se tornam nefastos para seus semelhantes e para si próprios.
A maioria não aceita correr os riscos inerentes, mas seu comedimento está longe de ser virtuoso. Deve-se ao medo da punição nos cárceres desta vida ou no suposto inferno de uma suposta outra vida.
O que me fascinou no marxismo foi ter acenado com uma possibilidade concreta de paraíso na Terra, o que nem as religiões conseguiram oferecer de forma convincente: a de que adiante os avanços científicos e tecnológicos obtidos pela humanidade poderiam, desde que utilizados em benefício do bem comum e não da ganância privada, proporcionar uma vida materialmente satisfatória para cada um dos habitantes do nosso planeta.
Ou seja, a trajetória da humanidade, desde as cavernas, vinha sendo caracterizada pela insuficiência do necessário para todos desfrutarmos uma existência plena. Mas, a humanidade se encaminhava para um tal desenvolvimento das forças produtivas que finalmente a abundância para uns um deixaria de depender da escassez para outros.
Marx acertou em cheio: a barreira da necessidade foi realmente rompida no século passado. Só que os homens não se tornaram solidários e generosos num passe de mágica. Os privilegiados agarraram-se sofregamente a seus privilégios, tudo fazendo para que fossem poucos a desfrutarem do mesmo padrão de vida e a grande maioria continuasse com acesso parcial ou sem nenhum acesso aos frutos do progresso.
Agora, não só a desumanidade e desigualdade intrínsecas ao capitalismo impedem a humanidade de ser feliz, como ameaçam `causar a extinção de nossa espécie.
É este o motivo de eu insistir tanto na necessidade de encararmos a superação do capitalismo como a principal luta de nosso tempo, a única que poderá garantir que as conquistas pelas quais se mobilizam várias minorias e até maiorias (como as mulheres e os explorados) serão definitivas, não podendo ser levadas de roldão por retrocessos civilizatórios como o atual.
Dividir para conquistar sempre foi uma fórmula esperta para minorias poderosas evitarem que as maiorias deem fim a seus privilégios injustos. E hoje a lavagem cerebral dos meios de comunicação de massa vai exatamente nessa direção, de insuflar ao máximo a desunião daqueles que somente unidos conseguirão fazer valer sua força para mudar o mundo.
Nós, os explorados, oprimidos e vítimas de uma organização social voltada para eternizar a prevalência dos perdedores e restringir tanto quanto possível o universo dos vencedores, temos de virar esse jogo, antes que seja tarde demais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário