quarta-feira, 4 de junho de 2025

O RIGOR CHOCANTE DA SENTENÇA CONTRA O HUMORISTA LÉO LINS É IMAGEM FIEL DO RETROCESSO CIVILIZATÓRIO EM CURSO


Não fosse o autoritarismo extremado da sua condenação a oito anos e três meses de prisão, apenas e tão somente por causa de suas declarações reunidas num vídeo, eu não teria sequer tomado conhecimento da existência de Léo Lins. 

Li que o vídeo, gravado em 2022, mostra o humorista tirando sarro de negros, idosos, obesos, aidéticos, homossexuais, indígenas, nordestinos, evangélicos, judeus e pessoas com deficiência. Ou seja, ele conseguiu irritar os mais poderosos lobbies empenhados em calar o próximo, como se estivéssemos ainda submetidos à nada santa Inquisição.

Sou septuagenário, deficiente físico (parcialmente surdo por causa das torturas nos anos de chumbo), tecnicamente obeso, simpatizo com negros, nordestinos e indígenas, não discrimino absolutamente ninguém pelo sexo consentido que pratica e tenho muito respeito pela contribuição dos judeus (sionistas excluídos) à civilização. 

Decerto consideraria de mau gosto o blablablá do Leo Lins, se o escutasse. Correndo o risco de ser considerado pedante, informo que meu tipo de humor é bem diferente, na linha dos Irmãos Marx, das deliciosas comédias italianas dos anos 60 e 70, dos quadrinhos do Henfil, do Quino  e do Jules Feiffer, etc.
E, claro, percebo claramente que o tal Léo Lins deve agradar à direita grosseira e incomodar os chamados identitários. Mas, mesmo assim, sou obrigado a defendê-lo, pois é a única atitude compatível com as minhas opções de uma vida inteira. 

Sou, antes e acima de tudo, visceralmente contrário a todas as formas de autoritarismo. E uma juíza impor sentença tão draconiana a algo que os cidadãos equilibrados nem sequer consideram crime é inimaginável. Serve apenas para comprovar que passamos por uma fase de retrocesso civilizatório aberrante.

Repito uma divagação pouco conhecida de Engels, sobre a derrota dos gladiadores de Spartacus que se ergueram contra o Império Romano. Ele constatou que desde os primórdios a humanidade vinha em trajetória ascendente quanto à construção de uma civilização, mas chegou a um impasse com Roma. 

O único passo adiante possível naquele momento era o fim da escravidão, liberando formidáveis forças produtivas. E quem implicitamente acenou com tal possibilidade foram os gladiadores rebelados. Sua derrocada eliminou a única força histórica que naquele momento poderia conduzir a civilização a um estágio superior. Sem isto, o mundo sucumbiu por mil anos às trevas da barbárie.

Da mesma forma, o capitalismo foi pelo menos parcialmente pujante até que rompeu a barreira da necessidade, ou seja,  até ter-se capacitado para proporcionar uma existência digna a cada habitante do planeta. E só poderia ter seguido adiante se empreendesse a construção de uma economia voltada para o atendimento das necessidades humanas e não para a realização do lucro.
Chegou a tal encruzilhada nos anos 60 e fez a opção negativa, barrando os ventos de mudança e passando a utilizar os ganhos obtidos graças aos avanços científicos e tecnológicos não para objetivos nobres, mas sim para o aprimoramento da dominação da maioria por uma ínfima, parasitária e predatória minoria. 

Então, apesar de alguns avanços marcantes ainda terem se registrado no final do século passado, tais ganhos foram absorvidos pelas forças da desigualdade e da entropia, não levando ao redirecionamento dos nossos esforços no sentido da priorização do bem comum.

Cada vez mais disfuncional, a economia capitalista vai empurrando sua crise para a frente com a barriga, mas já se percebe claramente  a proximidade do colapso definitivo. E nesse interim, a lavagem cerebral dos meios de comunicação de massa atinge eficiência plena no seu objetivo de dividir os explorados e oprimidos para a burguesia continuar dominando, pois coloca todos os povos, todos os grupos e todas as pessoas em confrontos brutais uns contra os outros.

O punitivismo rancoroso por parte dos identitários, que cancelam e caem de pau em todos que não seguem a cartilha simplória do politicamente correto, nada mais é do que o outro lado da moeda em relação à bestialidade dos ultradireitistas. 

Os dois lados perderam totalmente a cabeça, deletaram os últimos resquícios de senso comum e normalizam desde os massacres dantescos de Israel em Gaza até as sentenças alucinadas como essa contra o humorista. O espírito de Torquemada vive.

Tenho dito que a luta principal da nossa época é a da civilização contra a barbárie. Acrescento que não podemos desconsiderar, como uma de suas componentes destacadas, a batalha do bom senso contra os extremismos que só servem para dividir cada vez mais aqueles que só unindo-se conseguirão, talvez, evitar a extinção da espécie humana, que por enquanto é a possibilidade bem mais plausível.

A escolha é entre sobrevivermos juntos ou morrermos abraçados. (por Celso Lungaretti)

4 comentários:

william orth disse...

boa noite Celso. Cirúrgico seu comentário. Interessante que quando Porta dos fundos fez piada com jesus afeminado , reclamaram de "liberdade de expressão" . Agora a coisa vira. Abraço

Anônimo disse...

Só uma amostra das piadas desse estrume falante :
“Sou contra a pedofilia, sou mais a favor do incesto, se for abusar de uma criança, abusa do filho, ele vai fazer o quê, contar pro pai?”

“Negro reclama de não arrumar emprego, mas, na época da escravidão, já nascia empregado e também achava ruim, aí é difícil ajudar”.

Talvez fosse melhor condená-lo a pagar indenização milionária, assim bateria no órgão mais sensível (o bolso) e não teria defensores da esquerda...

celsolungaretti disse...

William e anônimo, pena de prisão só tem cabimento para punir ATOS que ferem, mutilam, traumatizam, matam pessoas. Insultos ou zombarias não têm tal gravidade. Sou totalmente contrário a esse excesso de melindres, seja qual for a orientação política dos envolvidos em tais episódios.

Fui submetido a ambos quando preso político, então sei muito bem a diferença. O que os torturadores falavam, não durava nem um dia na nossa lembrança. As torturas machucavam de verdade.

E, mesmo assim, acabávamos superando o que era só trauma e não lesão permanente. Somos muito mais resistentes do que imaginamos antes de ser testados. Não quebramos com tanta facilidade.

celsolungaretti disse...

E é fácil não ser atingido pelo mau gosto de espetáculos. Basta não os presenciarmos. O fato é que os que pedem punição, o fazem para impor seus valores e suas restrições a outras pessoas e não por sentirem-se realmente ofendidos. São autoritários e mesquinhos. Desprezo gente assim.

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