sábado, 21 de junho de 2025

ESTE FILME MOSTRA QUANDO AS PEDRAS ROLANDO NA SOCIEDADE DERAM LUGAR ÀS MOEDAS ROLANDO PARA COFRES FORTES

O
s Beatles e os Rolling Stones iniciaram suas trajetórias em solo inglês no ano de 1963, mais como bandas fortemente influenciadas pelos roqueiros estadunidenses de tradição bluesística, como Muddy Waters, Lightnin' Hopkins, Freddie King, John Lee Hocker, Sonny Boy Williamson, etc.  

Mas, a partir do sucesso avassalador dos Beatles, em algum ponto do caminho os Stones resolveram se tornar algo como o lado negro do quarteto de Liverpool. A cada LP edificante dos primeiros seguia-se um sarcástico e pessimista dos segundos, que, inclusive, responderam ao orientalismo e ao clima de contos de fadas das canções dos besouros em 1967 proclamando-se satanistas e lançando uma canção de autoglorificação de Lúcifer, "Sympathy for the Devil".
 
Já tendiam mais para o sucesso de escândalo (seu primeiro grande hit mundial, "Satisfaction", sugere no ritmo e até na letra, um paralelo com o ato de masturbação) e exacerbaram cada vez mais as provocações, vendo aumentar seu prestígio junto à juventude cada vez que algum figurão moralista se escandalizava, por causa deles.

Em 1969, quando o Festival de Woodstock se revelou o ponto culminante do movimento de paz & amor, os Stones resolveram responder com um concerto gratuito num autódromo da Califórnia, por meio do qual eles pretendiam eclipsar a apresentação daquelas dezenas de artistas importantes num sítio da zona rural de Nova York.
Mas, bancando o investimento eles próprios, não quiseram arcar com o custo de um serviço de segurança profissional: fizeram um acordo com os Hell's Angels, motoqueiros truculentos que eram inimigos figadais dos hippies, pagando os seus préstimos com cerveja. 

Resultado: o concerto inteiro, desde o show de abertura a cargo do Jefferson Airplane, transcorreu com escaramuças entre os dois grupos, culminando com o esfaqueamento e morte de um hippie a uns 20 metros de distância do palco principal. 

Assim, três meses e meio depois de Woodstock projetar a esperança num mundo redimido,  teve o efeito de um banho de água fria, mostrando a carga de violência que as pessoas ainda traziam consigo, pronta para aflorar por dá cá aquela palha.  

O filme Gimme Shelterdirigido por Albert e David Maysles juntamente com Charlotte Zwerin, começa com imagens e músicas de um show dos Stones no lendário Fillmore East de Nova York, pouco antes do 6 de dezembro de 1969 para o qual estava marcado o concerto de Altamont. 

Fãs tentam invadir o palco a cada instante e são retirados com violência pelos seguranças. As energias negativas que eram também liberadas pelas performances dos Stones estavam soltas no ar e aquelas escaramuças já eram um prenúncio do que viria a seguir.

Vemos então todo o trabalho de preparação do espetáculo e sua tempestuosa realização. Um mérito do documentário é que nada foi excluído, mesmo a incapacidade dos Stones para lidar com a tensão dominante. 

Mick Jagger cansa de pedir ao público que pare de brigar, mas não é atendido e fica perplexo, sem saber o que falar ou fazer.

No final, mostram-se os quatro artistas assistindo a teipes da pancadaria, ainda sem terem algo a dizer sobre tudo aquilo. Haviam sido ultrapassados pelos acontecimentos e o mal estar persistia meses depois.

Em termos musicais, talvez seja a melhor coleção de canções dos Stones reunidos num filme da banda. "Gimme Shelter", no final, soa como um melancólico lamento por estar a beleza da arte e das pessoas sendo destruída por rompantes de uma chocante violência primitiva.  

Quanto aos Stones, provavelmente não acreditaram no falatório de que aquela explosão de violência se devia a estarem presunçosamente se intitulando Suas Satânicas Majestades, mas, por via das dúvidas, deixaram de abordar influências sobrenaturais (e também mazelas sociais) em suas músicas. direcionando-as para um pop inofensivo, sem reais ambições artísticas. As pedras deixaram de rolar, sendo substituídas pelas moedas rolando para os cofres fortes.

Por ser muito mais do que um mero documentário musical, Gimme Shelter foi incluído na exigente Criterion Collection, dedicada principalmente aos clássicos da sétima arte (por Celso Lungaretti)

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