dalton rosado
AINDA ESTAMOS AQUI
é ensinar a pensar e sentir o mundo de
outras formas" (Fernanda Montenegro)
A Justiça Militar enviou ao Supremo Tribunal Federal uma carta assinada por 37 militares, inclusive dois coronéis da ativa e dois da reserva, na qual faziam críticas ao judiciário e incitavam à quebra da institucionalidade constitucional. Foi o ponto de partida para a instrução e julgamento de tal prática golpista.
Além de evidenciar a necessidade de uma apuração militar por quebra de hierarquia (pois militares da ativa não podem se dirigir aos seus superiores nesses termos de clara ingerência política, ainda mais estando o governo recheado de fardados em postos de comando), a Justiça Militar entendeu que o referido documento fugia à alçada de crime militar para caracterizar também crime comum, passível de punição dentro da legislação penal brasileira.
Na verdade, Jair Bolsonaro se via incomodado com a constatação de que seu governo tinha menos poder do que supunha como presidente: o ignaro desconhecia que, no regime republicano a serviço do capital, é o próprio capital quem manda nas questões mais relevantes, cabendo aos militares apenas darem suporte à garantia da ordem burguesa exploradora.
Quando os fardados se investem de poder político, o fazem de modo arbitrário, amiúde gerando conflitos administrativos nocivos para as pessoas e para a própria lógica funcional capitalista.
Militarismo à brasileira: o fumacê num 7 de setembro |
O militar, adestrado para a guerra, é administrador arbitrário que confronta o senso da lógica capitalista e termina por ser ineficaz tanto para o povo quanto para o próprio capital a que serve).
As amarras institucionais da democracia burguesa se formataram de tal maneira que garantiram a impessoalidade do poder político diluindo-o em instâncias de departamentos, de modo que o capital não sofresse eventualmente a rebeldia de um governante que ameaçasse a sua hegemonia.
Os militares, não raro, se acham poderosos por terem as armas e querem inverter, de modo político absolutista, aquilo que o capitalismo vem aperfeiçoando ao longo dos últimos 200 anos, ou seja, o capital defende o lema descentralizar, para governar, de forma que todos os seus servos (civis e militares) se tornem membros voluntários do seu absolutismo.
Presos à lógica do capital, os militares, quando se imiscuem na política, ficam estressados com a divisão institucional burguesa porque querem governar fora de quaisquer amarras; então, acabam fazendo das suas vontades a lei, como se fosse possível um retorno personalíssimo ao absolutismo monárquico-eclesiástico feudal.
Representam politicamente o retrocesso da história, principalmente neste momento de crise do capital no qual os governantes sofrem o desgaste cada vez mais acentuado da ingovernabilidade sob a relação social capitalista, dando ensejo a que surjam oportunistas salvadores da pátria para anunciar uma pretensa solução sob a mesma lógica autoritária por sua natureza exploradora e que somente piora o que está irremediavelmente arruinado: o sistema produtor de mercadoria.
"A ditadura dos generais, de triste memória, terminaria com os militares indo embora pela porta dos fundos" |
Esse é o contexto da tentativa de golpe militar frustrado num país que, apesar de desmemoriado, tornou-se suficientemente ressabiado de uma história republicana marcada:
--por um golpe militar contra a monarquia que em 1889 instituiu a República pela direita (fato único no mundo);
--pelos levantes militares que pipocaram desde 1922, tendo o mais importante deles sido o tenentismo, com seus 15 anos de duração;
--pela volta dos militares ao poder pelas urnas no período 1946/1951, quando Getúlio Vargas, impedido de disputar a eleição presidencial, descarregou os votos que teria no general Eurico Gaspar Dutra, fazendo-o de seu poste;
--e por mais uma recaída no militarismo em 1964, com a ditadura dos generais, de triste memória, que durou 21 anos e terminou com os fardados indo embora pela porta dos fundos.
Mas. temos momentos fugazes de glória. Somos um país carente de conquistas que erradiquem o complexo de vira-latas, e que por isso vibrou com a escolha da nossa Fernanda Torres como melhor atriz dentre as concorrentes ao Globo de Ouro, superando grandes estrelas como Nicole Kidman, Angelina Jolie, Kate Winslet, Tilda Swinton e Pamela Anderson. Vibramos como se tivéssemos conquistado a Copa do Mundo de futebol pela primeira vez.
Tratou-se também de uma espécie de reparação moral à Fernanda Montenegro, que muitos profissionais importantes da sétima arte consideravam merecedora do Oscar de melhor atriz em 1999, por sua atuação em Central do Brasil.
-- porque ainda faltava um reconhecimento hollywoodiano ao cinema nacional, cujas grandes conquistas até agora se limitavam ao Festival de Cannes (melhor filme de aventura de 1953 para O cangaceiro; palma de ouro de melhor filme de 1962 para O pagador de promessas; prêmio da crítica em 1967 para Terra em transe; prêmio de melhor atriz de 1986 também para Fernanda Torres por Eu sei que vou te amar, só que empatada com Barbara Sukowa; prêmio do júri em 2019 para Bacurau; e prêmio de melhor atriz para Sandra Corveloni em 2008, por Linha de Passe;
-- chancela para o mundo a ascensão do cinema brasileiro, atraindo olhares mundiais para a qualidade da nossa dramaturgia (em parte já conhecida pelas novelas na televisão);
-- valoriza a tenacidade das mulheres brasileiras representadas no filme por Fernanda Torres, Eunice Paiva e Fernanda Montenegro;
-- denuncia para o mundo a desumanidade da ditadura dos generais, ao mesmo tempo que provoca uma reflexão nas pessoas incautas que, por ingenuidade ou ignorância, não dimensionaram o perigo de votar numa pessoa capaz de afirmar que a ditadura deveria ter assassinado 30 mil opositores.
Está na hora de sermos eminentes no exterior por outros talentos, pois até agora a grande maioria dos nossos destaques era na área esportiva.
Confesso que me emocionei pelo conteúdo humano do filme, paralelamente à denúncia implícita que traz, até porque me considero colega da Eunice Paiva que foi defensora dos direitos humanos como eu ainda sou desde o final da década de 70.
...e "Ainda estamos aqui". |
Obrigado Walter Salles, Selton Melo, todo o elenco e, especialmente, às Fernandas (mãe e filha).
Bravo, bravíssimo!
Ainda estamos aqui! (Dalton Rosado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário