Não vejo necessidade de expor aqui, mais de meio século depois, a fundamentação econômica de suas teses. Exatamente por causa de sua relativa complexidade, não despertaram o interesse da grande maioria dos quadros da organização.
O que me pareceu um verdadeiro ovo de Colombo foi sua conclusão. Se não, vejamos.
A esquerda brasileira se dividia de forma exacerbada entre dois segmentos. Um, o que prevalecia acentuadamente antes do golpe de 1964, acreditava na necessidade de uma etapa inicial, democrático-burguesa na nossa revolução, para extirpar resquícios feudais que ainda continuariam existindo no campo.
Como consequência, os camponeses também estariam entre os sujeitos revolucionários e haveria uma burguesia nacional que poderia ser nossa aliada durante tal fase.
O outro, cujos adeptos eram principalmente os esquerdistas empenhados em aprofundar os motivos da derrota infame diante da quartelada castellista, via o Brasil como um país definitivamente capitalista, cuja burguesia se atrelava à sua congênere internacional e cujos sujeitos revolucionários seriam os explorados das cidades e dos campos (os últimos lutando não pela posse individual da terra, mas para dela disporem visando à produção coletiva).
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Argumentou que, ao contrário dos modelos estrangeiros (principalmente a revolução russa de 1917), não havia no Brasil nenhuma força de esquerda capaz de ser a dominante naquele momento, como o Partido Comunista Brasileiro havia sido durante mais de quatro décadas, após vencer a disputa com os anarquistas e incorporar parte deles aos seus quadros.
Então, a revolução brasileira só teria alguma chance de êxito se iniciada pelo conjunto de forças de esquerda, cada uma dando a contribuição a seu alcance, até que, ao longo do processo, alguma se afirmasse (ou não) como a principal.
E seria também o próprio transcurso do processo revolucionário que daria a última palavra sobre se haveria ou não uma etapa democrático-burguesa. Os que a pregavam lutariam por ela, mas certamente não se deteriam caso tal etapa fosse ultrapassada de passagem e o processo seguisse adiante; nem os adeptos do socialismo direto tinham motivo para ficar querendo comprovar sua estratégia no blablablá se poderiam fazê-lo na prática.
Assim, cada partido e organização de esquerda começaria perseguindo seus objetivos por si só, no seu território próprio e com os recursos que possuísse, depois alianças iram se forjando ao sabor da luta.
Tal proposta permitia desatar o nó que produzira situações ridículas como a da ocasião em que uma passeata estudantil contra a ditadura terminou com um discurso de Zé Dirceu num dos cantos do Largo São Francisco (SP) e um de Catarina Meloni no outro lado, cada um pretendendo representar a verdadeira União Estadual dos Estudantes (a entidade saíra rachada de um congresso recente).
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-- nessas circunstâncias, os três remanescentes do Comando Estadual decidimos não realizar a conferência preliminar do Congresso da VAR-Palmares na qual seriam escolhidos os dois delegados de SP, avocando a indicação (eu e o Moisés optamos por nós mesmos);
-- o terceiro comandante de SP se uniu, então, aos dois comandantes nacionais que víamos como néo-massistas, dando-lhes a justificativa para um contra-ataque em que fomos, eu e o Moisés, apresentados como golpistas e tivemos nossa delegação anulada;
-- no transcurso do Congresso da VAR-Palmares, contudo, o comandante Carlos Lamarca concluiu que a organização estava mesmo esvaziando a montagem da coluna revolucionária e priorizando implicitamente o crescimento nas cidades, então encabeçou o chamado racha dos sete (o Moisés e eu inclusos), que encampou as principais propostas de nós dois: a volta à identidade de VPR e a adoção das Teses do Jamil como plataforma revolucionária.
De resto, eu não poderia deixar de reivindicar o papel que desempenhei no racha dos sete e foi geralmente escamoteado nas histórias contadas por outros autores, pois nada do legado que pretendo a duras penas ter deixado para a esquerda brasileira faria sentido sem levar-se em conta a origem da estigmatização que eu sofreria, nem o porquê de eu ter-me tornado uma espécie de lobo solitário. (por Celso Lungaretti)
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