terça-feira, 23 de abril de 2024

HÁ 100 ANOS NASCIA PAULO VANZOLINI, UM IMPRESCINDÍVEL DA MPB.

Quem não conheceu o autor, ator, roteirista e produtor de cinema e teatro, jornalista, cronista, médico, etc., Silveira Sampaio, não tem ideia do grau de sofisticação que um talk show já atingiu nestes tristes trópicos. 

Dos apresentadores que vieram depois, Jô Soares, evidentemente, foi o mais brilhante. Mas não daria nem para a saída numa comparação  com esse que foi o pioneiro dos talk shows televisivos, em 1957, com seu SS Show na TV Rio. 

Era o programa ideal para seus atributos de homem com vastíssima cultura, expertise em várias modalidades artísticas e capacidade de ser simpático mesmo quando fazia comentários políticos pra lá de mordazes.   

Foi no SS Show que fiquei conhecendo o grande Paulo Vanzolini, que nesta 5ª feira (25) estaria completando 100 anos (morreu em 2013). 

Eu cursava o ginásio à noite e, de volta para casa, assistia às únicas atrações de TV interessantes que adentravam a madrugada: os ótimos filmes europeus que a TV Excelsior só exibia porque lhe saíam mais baratos do que os abacaxis estadunidenses; e, quando a fita daquele dia não me agradava, o programa do Silveira Sampaio.    
A entrevista com o Vanzolini, a quem não conhecia, foi tão boa que não preguei o olho nem por um segundo. Fiquei surpreso ao saber que um homem de ciência (durante o dia era eminente zoologo, à noite boêmio da gema) tinha composto verdadeiras pérolas da MPB.

Eu gostava, principalmente, de "Volta por cima", que chegara a tocar muito nas rádios (logo adiante, ela se completaria às mil maravilhas com a obra-prima de Glauber Rocha, 
O dragão da maldade contra o santo guerreiro, destacando um dos trechos culminantes do filme).

Foi também adiante que fiquei conhecendo e gostando de outros clássicos de Vanzolini, como "Ronda", "Chorava no meio da rua", "Napoleão" e "Praça Clóvis". 

Além, claro, do "Samba erudito", que poderia até servir-lhe como cartão de visita musical: nenhum erudito conseguiu, jamais, soar tão espontâneo como sambista!

Mas, voltemos  àquele longínquo SS ShowLá pelas tantas, Vanzolini contou a história da "Capoeira do Arnaldo".

Ele costumava terminar suas noites na boate Jogral, do amigo e também compositor Luiz Carlos Paraná. E foi desafiado por outro amigo, chamado Arnaldo, a criar uma música com utilização perfeita de jargão regional. 

De estalo, escrevendo a letra num guardanapo de papel, Vanzolini compôs sua inspiradíssima capoeira, com todo jeitão nordestino.

Foi interpretada no programa do Silveira Sampaio por Luiz Carlos Paraná, que Vanzolini levara a tiracolo pra isso mesmo... 

Mas, ressalvou, como a compusera para presentear um amigo, não a disponibilizaria para lançamento em disco. Amei a música e detestei saber que nunca mais a escutaria de novo.

Lá por 1973, contudo, ao passar por um  sebo  do meu amado centro velho de São Paulo, percebi, maravilhado, que a música sendo tocada na vitrola para atrair fregueses era a "Capoeira do Arnaldo"! 

Ignorava que, certamente atendendo aos apelos gerais, Vanzolini acabara permitindo sua gravação. Comprei e toquei até o compacto simples ficar riscado.

De tanto ouvir, decorei a (longa) letra inteirinha. E em sentido figurado, não literal, sempre encarei a última estrofe  como um resumo da minha trajetória:

 

"Eu sai da minha terra/ por ter sina viageira./ Cum dois meses de viagem,/ eu vivi uma vida inteira:/ sai bravo, cheguei manso,/ macho da mesma maneira./ Estrada foi boa mestra,/ me deu lição verdadeira:/ coragem num 'tá no grito,/ nem riqueza na algibeira/ e os pecado de domingo/ quem paga é segunda-feira".
"Na boca da noite", parceria com Toquinho, é outra canção de beleza cristalina, que me tocou profundamente. Tinha tudo a ver com aquela época em que nossos amores eram necessariamente fugazes, mesmo porque não sabíamos que horrores poderiam nos atingir nas próximas horas. Embora não fosse esta a intenção de Vanzolini, foi o que então significou para mim esta pungente estrofe:
"Gente da nossa estampa/ não pede juras nem faz:/ ama e passa e não demonstra/ sua guerra, sua paz ./ Quando o galo me chamou,/ eu parti sem olhar pra trás,/ porque, morena, eu sabia,/ se olhasse, não conseguia/ sair dali nunca mais".
Vanzolini foi gênio. Foi superlativo. Foi um imprescindível da MPB. (por Celso Lungaretti)

Um comentário:

Anônimo disse...

no excelente documentário Um Homem de Moral, questionado sobre as diferenças que via entre o publico de antes e atual ele diz: hoje quando querem ouvir Ronda eles escrevem no guardanapo que entregam a garcom: Honda

Related Posts with Thumbnails