sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

FAZ UM ANO QUE PELÉ MORREU E DAQUI A 9 MESES TRANSCORRERÁ MEIO SÉCULO DESDE O FIM DE SUA CARREIRA. O QUE FALTA DIZER?

Fim da linha na Vila Belmiro...
A rasgação de seda que presenciamos hoje (29/12), primeiro aniversário da morte do cidadão Edson Arantes do Nascimento, e que deverá se repetir daqui a 10 meses no cinquentenário da última partida do jogador Pelé (em 02/10/1974, sem marcar gol num Santos 2x0 Ponte Preta), é de virar o estômago. 

Houve até um comentarista esportivo afirmando que o Pelé é o maior brasileiro de todos os tempos!

Da minha parte, sendo o Brasil um país tão carente de indiscutíveis grandes homens e mulheres, eu limitaria a escolha aos poucos que desempenharam um papel histórico realmente significativo e tiveram a coragem de morrer por seus ideais. Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Chico Mendes, Frei Caneca, Tiradentes e Zumbi dos Palmares são os mais conhecidos.
   
Quanto ao Pelé, foi o maior futebolista brasileiro até 1974 e passou os 38 anos seguintes deitado sobre os louros do passado. Afora que, lembrando uma frase do clássico Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone, "ele fala(va) quando deveria calar, e cala(va) quando deveria falar".

Uma ocasião em que Pelé deveria ter optado por permanecer calado: quando inventou que não disputara a Copa do Mundo de 1974 por discordar da ditadura militar.

Para quem o conheceu bem, a desculpa simplesmente não colou. Deu para todos percebermos que ele, com a visão majestática que tinha de si mesmo, preferiu não correr o risco de sua última participação em Mundiais da Fifa ser um baita fracasso; melhor sair por cima, com a gloriosa conquista do Mundial de 1970.

Sua primeira alegação foi a de que já se despedira oficialmente da Seleção Brasileira, com direito a partida comemorativa e muitas homenagens, de forma que voltar atrás equivaleria a ter enganado o público. 

Mesmo com a cabeça quente por causa da derrota na semifinal contra a Holanda (será que, com Pelé presente, o Brasil não teria conseguido construir um placar favorável no 1º tempo, quando a partida foi equilibrada?), os torcedores e cronistas esportivos aceitaram a justificativa.
...e catando um punhado de dólares.

O caldo, contudo, entornou em 1975: com problemas financeiros, Pelé aceitou uma oferta intere$$ante do estadunidense New York Co$mo$ e voltou ao futebol, não dando a mínima para os torcedores que haviam pagado ingresso nas suas partidas de despedida.

Alguns passaram a encará-lo como mercenário. Então, a posteriori, ele saiu pela tangente, dando como motivo secreto de sua decisão a indignação com a ditadura. Eis como ele passou a contar a história:
"Pediram para eu voltar para a seleção, eu não voltei. Eu já tinha me despedido do Santos, mas eu estava bem demais. Mas o [ditador Ernesto] Geisel, a filha dele, veio falar comigo para eu voltar e jogar a Copa de 74. 

Por um único motivo não aceitei: estava infeliz com a situação da ditadura no país. Estava preocupado com o momento. Em apoio ao país, eu recusei, pois estava muito bem (físico e técnico) e poderia jogar em alto nível".
Mas, por que a ditadura não lhe causara horror no auge do terrorismo de Estado (1970) e o incomodava tanto quando as matanças e a tortura brava já tinham diminuído (1974)? Como esta contradição foi percebida por muitos críticos de suas declarações, ele bolou outra saída pela tangente, que também não justificou nada:
"A ditadura estava exigindo demais do povo. Em 1970 era diferente, a seleção era comandada pelo Zagallo, mas o [Carlos Alberto] Parreira e o [Cláudio] Coutinho eram do Exército, e a situação era melhor".
Se alguém entendeu, me explique como a situação poderia ser melhor graças à presença de dois capitães do Exército como preparador físico e supervisor, afora o major-brigadeiro que comandou a delegação e o major do Exército que foi seu principal assistente...
Antes de 1974 ele ignorava as torturas?! 

O pior eu deixei para o fim. Trata-se da coluna
O dia em que Pelé não ajudou presos políticos e se disse contra o comunismo (do competente Ricardo Perrone, leia a íntegra aqui). Eis o principal:
"...oito presos políticos trancafiados em Santos assinaram um dramático apelo por sua liberdade escrito em 60 linhas. Foi caprichosamente feito para ser entregue a Edson Arantes do Nascimento. 
O grupo solicitava que o Rei do Futebol usasse seu prestígio para pedir que Médici concedesse a eles indulto presidencial a fim de que não precisassem cumprir o restante da pena. Eles tinham sido condenados em 1969. 
Pelé não atendeu ao pedido, e a carta ainda foi parar nas mãos da polícia da ditadura. Está preservada no Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops e do Deops... 
O episódio rendeu uma conversa tête-à-tête entre policiais que serviam à ditadura e Pelé (que),  ao dissociar sua imagem dos presos, afirmou ser contra o comunismo e alheio à convulsão política vivida pelo país naquela época! 
'Esclareceu ainda o esportista que, durante jogos que realizou no México, Colômbia e Bogotá foi assediado por comunistas para assinar manifestos contra o nosso governo, com o que não concordou por ser contrário ao comunismo', diz trecho do informe, datado de 21 de outubro de 1970..."
O exemplo que ele não seguiu
Ou seja, da vez em que o Pelé deveria falar, apelando ao ditador Médici pela libertação daqueles oito pobres coitados (sindicalistas de Cubatão, que decerto foram procurá-lo por provirem de outro município da baixada santista e que nem de longe poderiam ser considerados perigosos subversivos...), ele calou, vergonhosamente. 

E a paúra transparece nas respostas dadas aos agentes da repressão, aparentemente ignorando que seu prestígio mundial o colocava a salvo de quaisquer maus tratos, intimidações e retaliações.

Certa vez, indagado sobre a omissão do Pelé em questões ligadas ao racismo, o lendário Muhammad Ali deu uma resposta sutil: alguém ser um grande esportista já é mais do que suficiente; se, além disto, trava as lutas do seu povo, é também um grande homem.

Pele foi somente um um grande esportista. E, enquanto eu estiver por aqui, continuarei lembrando seu outro lado, pois a minha mais profunda convicção sempre foi a de que, sobre os mortos, só se deve falar... a verdade, seja ela boa ou má! (por Celso Lungaretti)

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