domingo, 26 de novembro de 2023

HÁ MAIS DE VINTE ANOS UM ATENTADO TIRAVA A VIDA DO DIPLOMATA SÉRGIO VIEIRA DE MELLO

 


Diante de tantas mortes e convulsões provocadas por mais uma guerra no Oriente Médio, cujo estopim foi um enorme e amplo atentado cometido por uma organização terrorista - não entro nas discussões sobre bom e mau atentado -, me lembrei de outro atentado, cometido há 20 anos em Bagdá, no começo da guerra do Iraque, contra a sede das Nações Unidas. Nele morreu o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello

No começo deste século eu não dispunha de muito tempo para escrever comentários, vivia correndo como repórter freelancer para jornais, rádios e mesmo para as próprias organizações ligadas à ONU quando, numa viagem, num evento especial, precisavam de um jornalista de língua portuguesa. Foi assim que conheci Sérgio Vieira. Ia com frequência à sede do Alto Comissariado e devo ter feito algumas viagens com ele, que era alguém bastante comunicativo e social.

A morte de Vieira de Mello foi um choque em Genebra. Ainda jovem, com 54 anos, formado em filosofia na Sorbonne, ativo, preocupado com os povos desamparados e desorientados, vivendo na miséria depois de cataclismas e guerras, Sérgio, como era chamado em Genebra, sabia das dificuldades da ONU para impedir e solucionar conflitos. Depois de ter agido em missão especial no Camboja, Bangladesh, Kosovo e Sudão, tinha sido administrador, por três anos, da ONU no Timor Leste.

Pouco antes da crise no Iraque, ele  havia desenvolvido a tese de que havia uma relação direta entre a segurança mundial e o respeito aos direitos humanos. A violação flagrante dos direitos humanos é a detonadora das crises internas nos países e as crises internacionais.

Os que conheceram Sérgio e seus projetos para tornar a organização internacional mais eficaz não têm dúvida de que hoje o alto comissário brasileiro teria chegado ao posto de secretário-geral da ONU. Não era um político e nem um funcionário de carreira, mas uma personalidade marcante preocupada em construir a paz com justiça.

Fato raro, a morte de Sérgio Vieira de Mello foi seguida da publicação de diversos livros escritos por jornalistas que acompanhavam suas atividades e projetos em Genebra.

Um dos livros mais conhecidos é Chasing the Flame, de Samantha Power, jornalista norte-americana de origem irlandesa, defensora dos direitos humanos, cujos estudos em Harvard, militância política e carreira universitária, a levaram ao cargo de embaixadora dos EUA junto às Nações Unidas, tendo dele saído após a eleição de Donald Trump. O livro se transformou, em 2020, num filme com o título Sérgio: a luta de um homem para salvar o mundo, com Wagner Moura no papel principal.

Na exibição do filme, a revista Veja publicou texto sobre o que teria precedido o atentado no Hotel Canal, onde funcionava a ONU: o objetivo da missão diplomática de Vieira de Mello era conduzir o Iraque a eleições democráticas, depois de anos da ditadura de Saddam Hussein, a partir de uma constituição escrita por iraquianos. A intervenção norte-americana, vista 20 anos depois, foi catastrófica e provocou a ascensão do Estado islâmico.

Outro livro importante – Sérgio, uma esperança explodida – foi o de Jean-Claude Bührer com Claude B. Levenson, ambos jornalistas em Genebra à época, no qual José Ramos-Horta, Prêmio Nobel a paz em 1996, e ministro das Relações Exteriores do Timor Leste, comentou: O atentado contra a sede da ONU em Bagdá, que custou a vida do brasileiro, enviado por Kofi Annan, não só deixou o Iraque cair lentamente na violência, como decapitou o alto Comissariado pelos Direitos Humanos.

Ainda em 2016, a porta-voz de Sérgio na ONU, Annick Stevenson, publicou, junto com um ex-Alto Comissário para Refugiados, George Gordon-Lennox, o livro Sérgio Vieira de Mello, um homem excepcional. Para eles, Sérgio é o único ícone que jamais teve a ONU. Sua morte trágica significou que a própria ONU tinha também se tornado alvo de atentados. Sérgio foi a Bagdá, por mandato do Conselho de Segurança, com um projeto: evitar que a invasão e ocupação americana transformassem o Iraque numa anarquia e desestabilizassem o Oriente Médio.

Hoje, vinte anos depois, embora numa situação e quadros diferentes, a pergunta é a mesma: como irão viver amanhã os palestinos de Gaza e Cisjordânia com seus vizinhos israelenses? (por Rui Martins) 


Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails