sexta-feira, 11 de agosto de 2023

UM CLÁSSICO DA NOUVELLE VAGUE QUE ABORDA OS HIATOS DA MEMÓRIA. VEJA 'A PISTA'.


 Mesmo sendo essencialmente uma máquina da mediocridade, produzindo filmes idênticos e superficiais, Hollywood consegue muitas vezes produzir obras-primas do cinema e até mesmo revolucionar o gênero de tempos em tempos. Outros momentos, contudo, na falta de criatividade, e meio que esgotados pelas fórmulas gastas, os produtores de lá resolvem simplesmente copiar grandes filmes de outros países e de outros tempos. Um exemplo disso é o filme 12 Macacos, inspirado no clássico da Nouvelle Vague O Píer (La Jetée), às vezes também traduzido pelo nome de A Pista

Esse filme de 1962, dirigido por Chris Marker, é um curta metragem de apenas 28 minutos, mas com uma proposta absolutamente ímpar. Em um processo contrário à lógica cinematográfica, o filme não nos mostra imagens em movimento, mas uma série de fotografias que, sequenciadas, nos contam uma história, como se fossem histórias em quadrinhos filmadas. 

O enredo fala sobre um viajante do tempo enviado a partir de um futuro em que a humanidade foi quase totalmente aniquilada pela devastação nuclear da Terceira Guerra Mundial. Sua missão é pedir ajuda aos seres humanos do século XX, buscando comida e remédios. A tecnologia usada para a viagem consiste em um bizarro experimento em que um homem é colocado para dormir e vai sendo transportado no tempo. 

As imagens estáticas do filme expressam justamente o congelamento do tempo por causa da hecatombe atômica: do período anterior à queda dos mísseis com suas ogivas, pouco se sabe além de fragmentos dispersos, algo mais ou menos semelhante à nossa compreensão da antiguidade ou da pré-história. O mundo entrou em profundo hiato de memória e não é possível reconstituir a dinâmica temporal em sua integridade. Esse fato é também marcado pela própria memória do viajante, que era criança à época do início da guerra e possuí lembranças do período, embora fragmentárias, sendo esse inclusive o motivo de ter sido escolhido para a missão. 

O único momento em que o movimento é estabelecido no filme é justamente quando a vida do protagonista retoma seu fluxo normal, autêntico, não sendo mais apenas lembranças dispersas. Na realidade, o filme, mais que uma ficção científica, acaba sendo um exercício de reflexão sobre a memória e sobre como lidamos com ela, muitas vezes ficando fixados em um acontecimento por anos sem, contudo, ter total entendimento dele. O final de La Jetée expressa isso, nos intimando a pensar sobre como algo que nos marcou muitos anos atrás pode ter tido um sentido muito diferente do que acreditávamos ter. (por David Emanuel Coelho) 


 

 


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