quarta-feira, 2 de agosto de 2023

CHACINAS NO BRASIL E A BARBÁRIE CAPITALISTA

 

“A violência faz-se passar sempre por uma contra-violência, 

quer dizer, por uma resposta à violência alheia.” 

Jean-Paul Sartre 


Em 02 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo invadiu o presídio de Carandiru e matou 111 presos, todos indefesos e majoritariamente pretos e pobres. 

Em 17 de abril de 1996, na região de Eldorado do Carajás, Estado do Pará, a Polícia Militar daquele Estado matou 19 trabalhadores rurais sem terras, assassinados por tiros, sendo alguns deles disparadas à queima roupa.   

Na noite de 31 de março de 2005, nos município de Queimados e Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, 29 pessoas morreram assassinadas a tiros e tantas outras saem feridas.

Em 07 de abril de 2011, a Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro carioca de Realengo, é invadida por Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, armado com dois revólveres, que mata a tiros 12 alunos com idade média de 14 anos e fere vários outros.

Em 6 de fevereiro de 2015, na localidade denominada Vila Moisés, bairro Cabula, em Salvador, 12 pessoas são assassinadas pela Polícia Militar e outros seis ficaram gravemente feridos.  

Na madrugada de 27 de janeiro de 2018, na casa de shows Forró do Gago, em Fortaleza,  14 pessoas são assassinadas a tiros disparados a esmo e outras 15 saem feridas. 

Em 01 de dezembro de 2019, na favela Paraisopóles, a maior de São Paulo, a Polícia Militar, após uma perseguição, chega ao Baile Funk, promove um tumulto no qual morrem 09 jovens e 12 outros ficam hospitalizados.  

Em 06 de maio de 2021, na favela Jacarezinho, no Rio de Janeiro, uma operação da Polícia Civil e Militar resulta na morte de 29 pessoas a tiros de armas de fogo.  

Em 31 de outubro de 2021, 25 pessoas são assassinadas em uma operação da Polícia Militar em Varginha, Minas Gerais, sob a alegação de que os mortos eram bandidos pertencentes a uma quadrilha de assaltantes de banco.

Recentemente, final de julho deste ano, morrem 14 pessoas por tiros da Polícia Militar numa operação no Guarujá, São Paulo, e o Governador do Estado, Tarcísio de Freitas, afirma estar “extremamente satisfeito com a atuação do Polícia Militar”. Afirma-se que tudo ocorreu em represália à morte de um policial militar, de nome Patrick Reis.  

O relatório do grupo de estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), conclui que no período de 2007 a 2021 foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na região metropolitana do Rio de Janeiro, nas quais ocorreram chacinas com um total de 2.374 mortes de seres humanos. 

Estes são exemplos tópicos de muitos outros possíveis de serem elencados num relatório sobre a crueldade e a violência que nos cercam.  

Como se vê, há uma simultaneamente de procedimentos policiais e do crime organizado em vários estados brasileiros, nos quais reina uma guerra civil urbana motivada por um absurdo desnível social que se acentua cada vez mais por aqui e está cada dia mais identificado com o que ocorre nos estados mais pobres da África, da Ásia, da América Central e do Caribe, além de outros vizinhos da América do Sul. 

Aqui se vive na Belíndia - mistura de Bélgica, com altos níveis de bem-estar de alguns poucos, com a Índia, devido à altíssima miséria da maioria -, e o resultado disso é a violência urbana extrema que retratamos nestes breves registros que poderiam ser sequenciados por intermináveis outros, representantes de exemplos e fatos de tristes notícias jornalísticas e das estatísticas policiais e judiciárias.  

A criminalidade civil e policial é um processo de retroalimentação. Mata-se para combater os bandidos e os bandidos matam para intimidar a polícia e os trabalhadores cordatos (a grande maioria) a não resistirem aos furtos e latrocínios. Os que matam são originários da mesma estratificação social dos que morrem, numa simbiose macabra. 

Há os bandidos que assaltam bancos com metralhadoras e há banqueiros que assaltam com os juros do cartão de crédito e do cheque especial. 

Há o enriquecimento do crime organizado e de policiais corruptos que o defendem, principalmente da produção e comercialização das drogas, que são mercadorias, mas ilícitas, e há os que ganham dinheiro vendendo as mercadorias lícitas, que são uma droga.  

Há uma divisão entre as mercadorias. Uma, ilícita, atrai pelo vício dos consumidores que escraviza e gera os lucros dos traficantes; as outras, lícitas, atraem pela necessidade de consumo do seu valor de uso e pelo fetichismo do lucro financeiro que lhe é imanente, e que mexe com a ideia de cada capitalista ou pretendente a sê-lo de ficar rico a partir do comércio destas. 

Há políticos que precisam de dinheiro para continuar sendo políticos e há políticos que dizem combater a concentração do dinheiro, mas defendem a sua continuidade e competente administração. 

A direita, como se pode inferir das falas e comportamentos do Governador de São Paulo, pretendente a substituir com mais acabamento ao seu ex-líder Boçalnaro, o ignaro, quer incutir nas mentes oprimidas do povo a ideia de que “bandido bom é bandido morto”.  

Foi assim que o ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel - caçado por crime de colarinho branco e que dizia que a Polícia devia atirar bem na cabecinha dos bandidos de colarinho sujo - quis se identificar com o segmento do eleitorado simplista e individualista desejoso do combate à criminalidade pelo Estado que o oprime e com um discurso falso moralista foi eleito governador sendo praticamente um desconhecido e obscuro juiz, auto considerado paladino da justiça.  

A esquerda teme abordar, por conveniência ou ignorância, a questão que está na base da miséria social e moral - esta última é também determinante - de uma sociedade doente: a falência do capitalismo sob o qual governa e do qual é dependente e se torna protetora.  

Assim, quer que o diabo seja bonzinho, ou seja, quer humanizar o desumano; considera que o dinheiro é como uma faca ou uma foice que pode servir para cortar alimento ou a madeira, tal como pode servir para assassinar uma pessoa brutalmente. Entende, erroneamente, que tudo depende do uso do dinheiro, e que há dinheiro bom e dinheiro ruim; dinheiro limpo e dinheiro sujo, e com ele convive sem conhecer a sua essência corruptiva, escravista e usurária. 

Limita-se a condenar corretamente os abusos policiais e atua apenas na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, esquecendo-se que a apropriação indébita do tempo de trabalho abstrato produtor de valor é uma violação fundamental dos direitos da pessoa humana e que deve ser a primeira categoria capitalista a ser superada. Além disso, comete outros equívocos:

- não quer entender, ou não entende, que o desemprego estrutural, fruto da falência do capital que administra, é também uma violação de direitos humanos;  

- quando no poder, cobra os impostos ao trabalhador já explorado pela extração de mais-valia para financiamento da máquina opressora do Estado ao qual serve, e assim segue os mesmos passos de uma violação básica de direitos humanos. 

Nesse sentido, quer começar a construir a casa pelo telhado.  

O dinheiro não é um utensílio inanimado como uma fita métrica pela qual se mede o tamanho de um objeto, ele é a expressão numérica do valor, sua representação monetária, que é o objeto da acumulação capitalista segregacionista e obtida pela apropriação indébita do tempo de trabalho abstrato produtor de valor.  

Administrar o Estado e tentar promover equilíbrio financeiro, como está a fazer Fernando Haddad, tem uma consequência e um significado, sendo uma tarefa previamente destinada ao fracasso e uma ação capitalista na sua essência constitutiva mais profunda. 

Não se pode dissociar o alto índice de criminalidade e violência urbana do fato de que pessoas estão catando lixo para comer; de que um trabalhador apto ao trabalho que o escraviza nem mais o encontra, e se submete às exigências do capital e sua guerra concorrencial de mercado - a força de trabalho é uma mercadoria igual às outras, com a diferença de que nela corre o sangue nas veias de quem a vende. 

Ainda ontem ouvi o jornalista e defensor ecológico Fernando Gabeira discorrer sobre as medidas administrativas estruturais para o combate à criminalidade e violência policial num comentário sobre a chacina do Guarujá, ocorrida em São Paulo recentemente. 

Confesso que foi seu comentário que me inspirou a escrever este artigo, com vontade de lhe dizer fraternalmente: o que é que é isso companheiro?!  

Não! Não é uma questão de boa ou má administração, ainda que uma coisa ajude as pessoas e a outra atrapalhe, e sensibilidade humanista governamental, ainda que ele dissesse que a violência policial da Bahia ocorria sob governos petistas, tal como nos outros governos de direita; mas de uma sociedade doente e que somente curará a doença que lhe aflige extirpando a bactéria que a corrói: o capital

Como pode se querer que um Partido de Trabalhadores, sustentado por trabalhadores e que tem um Presidente advindo de sindicato de trabalhadores, admitir que temos que superar a categoria capitalista do  trabalho abstrato - porque produtor da abstração valor - que alimenta o capital e a ele próprio? 

Como se querer que alguém que vive de ser advogado político de trabalhadores venha a aceitar a tese de superação da categoria capitalista trabalho pelo Partido que diz defender os Trabalhadores, quando é nisto que reside a essência de sua existência e ainda pugnar por sua autodissolução atrelada ao Estado opressor? 

Como se pode querer que a esquerda institucional, atrelada a uma estrutura da qual depende e pela qual o atual Presidente, um trabalhador mutilado no trabalho, exerce um poder político, ainda que submisso ao capital, que é quem dita as ordens para a política, tenha capacidade crítica ao que nos escraviza e à barbárie violenta que só cresce e se dissemina?  

Impossível!!  

Ajoelhou, tem que rezar, como dizia o velho guerreiro Chacrinha! (por Dalton Rosado) 


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