sábado, 1 de julho de 2023

AS TIRANIAS PERDEM AS GUERRAS

"
Nasci lá, estive no exército na União Soviética e para eles a vida de uma pessoa não é nada, as pessoas não existem e, portanto, como não há pessoas, não há problema. Por isso, tudo o que eles fazem é para matar"
 (Igor Pidgirnyi, médico ucraniano que buscou a segurança em Portugal) 
Disse, neste artigo de 15 meses atrás, que Putin já havia perdido a guerra. 

Afirmei-o não pelo aspecto bélico da contenda, que se imaginava desigual dado o presumível poderio bélico da Rússia de então, mas pelo aspecto moral, já que sempre considero monstruoso o bombardeio e agressão militar partidos de qualquer país que mata a população civil inocente (crianças, mulheres e velhos inclusos).  

Condenei a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, que soltavam bombas desde 10 mil metros de altura sobre a cidade de Bagdá, sob o falso pretexto de que lá existiriam armas químicas. E o fiz mesmo sabendo que Saddam Hussein era um tirano desumano.

Lamento que setores da esquerda tenham tentado justificar o injustificável nesta guerra de conquista russa, aí incluída a manifestação de Lula sobre a igualdade de responsabilidades entre agressora (a Rússia de Putin)  e agredido (a Ucrânia de Zelensky).  

É reprovável que pretensos interesses geopolíticos (no caso, o bloco dos Brics) nos levem a aceitar o abandono de sentimento humanista que deve nortear a esquerda na sua busca pela emancipação da humanidade. Tal comportamento nos descredencia e nos torna iguais aos que combatemos.    
Yevgenii Prigozhin e seu Grupo Wagner: um mero mercenário esfarelou a autoridade de Putin.
Sob Stalin e seus reiterados processos de expurgos de revolucionários em nome da salvação de uma revolução que se perdia a si mesma, verificamos como podem ser perniciosos os (pretensamente meritórios) fins justificando os (abjetos) meios.

Os EUA saíram como derrotados, tanto em termos bélicos quanto morais, no conflito no Vietnam: além de ter milhares dos seus jovens mortos em terras distantes num conflito contra o comunismo (a surrada bandeira usada pelo fascismo e congêneres), recebeu de volta homens e mulheres fisicamente mutilados e sofrendo na alma traumas psicológicos irremediáveis.   

Há um aspecto nas guerras que é bem conhecido pelos generais: a questão moral das tropas.  Napoleão Bonaparte, deslumbrado com as vitórias que o catapultaram de caporal (cabo) a imperador, perdeu a autoridade libertária que antes conquistara e terminou por ser derrotado justo pela Rússia; enfraquecido politicamente, acabou exilado na distante Ilha de Elba, onde morreu esquecido aos 51 anos. 
O rato que rugia já se esborrachou no chão;
o urso em miniatura vai na mesma direção.
 
A Rússia, hoje perdida em conflitos internos que envolvem o exército regular e mercenários que combatem a soldo de corrupção política e tirania na Ucrânia e até na África, ali explorando a extração mineral (a exemplo de Boçalnaro, o ignaro no Brasil, pois este favorecia os garimpos em guerras indígenas, poluindo rios e devastando a floresta amazônica), está perdendo até mesmo a guerra para os ucranianos.  

Para a Rússia, mesmo que não saia derrotada, já é uma guerra perdida. E Putin vai passar à história como um genocida, a exemplo de Boçalnaro (que, vale lembrar, o visitou como amigo e se anunciou que, com seu apaziguamento, evitaria a invasão, caindo em total ridículo quando esta ocorreu poucos dias depois...  

Escudada numa armadura moral, a mesma Rússia, durante a 2ª Guerra Mundial, foi capaz de ganhar a guerra contra a Alemanha do tirano Adolf Hitler, devendo orgulhar-se de haver contribuído decisivamente para salvar a humanidade do perigo fascista. 

Infelizmente, tanto lá pela Europa como cá pelo Brasil, renasce o fascismo, praticado por líderes políticos que se aliam com gente como o ex-presidiário Yevgeny Prigozhin (que outrora foi condenado por assalto e hoje é o dono do grupo mercenário Wagner). Não podemos avalizar tais comportamentos, sob pena de nos desmoralizarmos, tornando-nos impotentes para barrarmos o fascismo redivivo. 

 A emancipação humana somente pode ter este nome se adotar procedimentos civilizatórios em cada gesto, sem conciliação com o que há de podre na sociedade capitalista, ainda que isto alongue o caminho a ser percorrido.  

Vivemos no mundo um momento de saturação do modelo capitalista que é praticado como forma de relação social em todas as sociedades nos seis continentes (se incluirmos a Antártida) e sob as mais variadas formas políticas. 

Mas é flagrante, destrutiva socialmente e autodestrutiva, a contradição entre forma e conteúdo sob o capitalismo; ou seja, entre a dinâmica da relação social mediada pela produção de valor (dinheiro e mercadorias) e a prescindibilidade do trabalho abstrato, único capaz de produzir valor.   
"Inúteu, a gente somos inúteu"(Ultraje a Rigor)

Consequência: estão sendo reduzidos os empregos em proporção acelerada, causando o chamado desemprego estruturalHá mais empregos sendo eliminados do que novos nichos surgindo a partir de avanços tecnológicos.

Tal fenômeno está produzindo a redução da massa global de valor, já se calculando que haja mundo afora cerca de 800 milhões de desempregados, além de bilhões de cidadãos subempregados por conta da escalada do desemprego causado pela tecnologia aplicada à produção de mercadorias (bens e serviços), ou seja, pela prevalência da lógica capitalista de mercado, 

Com a falência do Estado, sustentáculo do capitalismo, estimulam-se entre políticos e oligarquias econômicas cada vez mais concentradas em monopólios econômico-financeiros, as ideias de jerico da disputa de blocos pela hegemonia econômica como forma de salvação destes mesmos blocos. Este é o gatilho da guerra, que agora pode resvalar perigosamente para uma hecatombe nuclear.  

Os governos se norteiam pela permanência dos governantes e/ou seus partidos no poder. Como o eleitorado costuma racionar pelo bolso, os políticos estão sempre empenhados em dar aos seus nacionais a comodidade financeira que lhes garantirá reeleições. A guerra, infelizmente, costuma ser a saída político-populista para a solução de problemas que são cada vez mais comuns em razão do colapso de um modelo de relação social que atingiu a sua obsolescência.  

Ao invés de caminhar-se para a frente, sob um novo parâmetro de produção social e de paz entre os povos, sem o nacionalismo xenófobo cada vez mais incensado, procura-se o retrocesso civilizatório.
Ou, ainda, a retomada do desenvolvimento econômico, como se a causa do mal pudesse resolver o mal por ela causado.  

A paz somente ocorrerá se houver uma transcendência de suas causas de base, sendo a guerra o mais claro testemunho da irracionalidade capitalista em seu ocaso irremediável. (por Dalton Rosado) 


"A guerra, criança, está apenas a um tiro de distância" 

Um comentário:

Sergio Luiz da Silva disse...

Excelente análise

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