hélio schwartsman
Convite ao corporativismo
Não sei se está tecnicamente correta, mas aplaudo a decisão do ministro Alexandre de Moraes de transferir da Justiça Militar para o STF as investigações e eventuais processos de praças e oficiais envolvidos no 8 de janeiro.
Segundo a colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo, a determinação deixou o pessoal da Justiça Militar furibundo. Integrantes do Superior Tribunal Militar (STM) e do Ministério Público Militar interpretaram o desaforamento como uma demonstração de que o Supremo não confia na Justiça Militar. E é justamente por isso que eu aplaudo a decisão. A Justiça Militar, a meu ver, não é mesmo confiável, não porque seus membros tenham problemas de caráter, mas por uma questão de desenho institucional.
A principal diferença da Justiça Militar em relação à comum é que os casos castrenses são julgados, desde a primeira instância, por órgãos colegiados, compostos por um juiz togado - com formação em direito - e quatro oficiais, que não precisam ter conhecimentos jurídicos. Tal estrutura, que se reproduz com modificações nas instâncias superiores, é um convite ao corporativismo.
Esses conselhos e tribunais podem ser bastante rigorosos quando julgam praças, a base da tropa, que, pensam eles, deve ser mantida sob rígida disciplina, mas se tornam extraordinariamente compreensivos quando deliberam sobre seus pares. As histórias de vida de julgadores e julgados são muito parecidas, o que favorece a ativação dos circuitos da empatia. Os réus poderiam ser filhos ou melhores amigos dos magistrados. Diferentemente do que escreveu Tolstói, tudo compreender talvez não seja tudo perdoar, mas é um bom primeiro passo.
Levantamento da Folha de 2021 mostrou que, nos dez anos anteriores, o STM condenou um único general e arquivou 20 processos contra oficiais no topo da carreira. Alguém poderia achar que é porque oficiais generais são todos modelos de virtude. Não penso que seja o caso. (Hélio Schwartsman)
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