UM VICE DE MEIAS MEDIDAS
Seria falta de assunto ou atração pelo supérfluo?
Refiro-me à publicação pela imprensa de fotos (que viralizaram nas redes sociais, seguidas de comentários anódinos e reflexões diversas sobre tendências da moda masculina na televisão) mostrando as inusitadas meias usadas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, logo depois das eleições?
Todo mundo sabia o significado do L feito com os dedos das mãos durante a campanha eleitoral. Mas, muitos se perguntavam, o que queriam dizer os pés de Alckmin, vestidos com meias pretas mostrando estampas de bolinhas ou poás brancas?
Ninguém se interessou pelos sapatos mocassim de couro preto, imagina-se de luxo. O enfoque era o par de meias, como se elas tivessem uma linguagem muda cifrada, exigindo interpretação.
Teria sido mais um sinal da volubilidade de nossa imprensa, acusada de ter sempre incentivado o surgimento de mitos, como foi no passado Jânio, o homem da vassoura e suas forças ocultas; e, nos nossos dias, Bolsonaro, o homem-mito do palavreado chulo e da fraude nas urnas, empunhando um simulacro de metralhadora?
Ou existe em nós mesmos, leitores e eleitores, tal tendência para correr atrás da novidade, do que sai do comum, mesmo que seja por um tempo fugaz? Se não houvesse um conteúdo político, o culto a Neymar substituído pelo de Richarlison, talvez efêmero, seria um exemplo.
...chargistas sugerem para o Sr. Opus Dei este outro visual. |
Mas voltemos às extremidades inferiores do vice-presidente. Teriam sido essas meias alckmistas as primeiras a despertarem o interesse da imprensa?
Não, uma rápida busca nos mostra haver mesmo livros sobre a importância das meias, esses acessórios guardados discretamente nas gavetas do guarda-roupas, dentro dos sapatos após uso ou espalhadas pelo quarto de gente desordenada.
O mais recente é em francês e tem um título importante, Pequena Filosofia sobre as Meias, escrito por um sociólogo Jean Claude Kaufmann, bom presente de Natal que as esposas orgulhosas dos pés de seus maridos poderiam lhes oferecer (junto com um par de meias, é claro!)...
Bem antes das fotos das meias de Alckmin, há quatro anos os jornais estrangeiros, a começar pelos canadenses, publicaram os pés do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, com meias azuis nas quais nadavam discretos patinhos amarelos.
A foto dos pés de Trudeau dentro de sapatos pretos de laços tinha como fundo um cartaz azul do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, no qual se lia o tema Construir um futuro comum num mundo dividido. Haveria uma mensagem subliminar nas meias do dirigente canadense? Neste caso, quem seriam os patos?
Outro político cujas meias chamavam atenção, foi o francês de origem armênia, Édouard Balladur, nomeado primeiro-ministro (de 1993 até 1995) por François Mitterrand, numa espécie de coabitação da esquerda com a direita, depois da vitória da direita nas legislativas francesas. Aqui uma coincidência: Balladur era um homem de direita no governo socialista de Mitterrand, assim como Geraldo Alckmin no de Lula .
Édouard Balladur até que ficou elegante |
Porém, mesmo sendo de direita, Balladur usava meias vermelhas, símbolo gritante de uma esquerda mais radical. Ora, os comunistas e socialistas não têm a exclusividade do vermelho. Nisto o gado bolsonarista também se engana ao clamar nossa pátria nunca será vermelha!, porque a cor dos republicanos norte-americanos, apoiadores do detestável Donald Trump, é vermelha.
Allan dos Santos, refugiado ilegal nos Estados Unidos agora sem passaporte brasileiro, famoso entre os evangélicos bolsonaristas e execrado pelos antigolpistas por ter xingado ou incitado xingamentos contra ministros do STF nos EUA, terá de adotar o vermelho republicano, se conseguir a nacionalidade de Trump.
Bom, isso não implicará o uso de meias vermelhas. Quem usa obrigatórias meias longas vermelhas dos pés ao alto das pernas são os cardeais do Vaticano (as meias deles são consideradas aristocráticas).
E o povo, que meias usa? Durante muito tempo, usavam-se meias brancas, hoje consideradas o suprassumo do mau gosto.
Porém, nestes últimos anos, usar meias nos pés, sejam brancas, pretas com bolinhas brancas, azuis com patinhos ou vermelhas virou coisa de rico, mesmo porque havaianas dispensam meias. (por Rui Martins)
TOQUE DO EDITOR – Nunca deixarei de estarrecer-me com a seletividade da memória da imprensa e das redes sociais ditas progressistas! Agora que o Alckmin virou escudeiro do Lula, recebe tratamento afável, inclusive com a levantada de bola que foi este súbito interesse pelas meias do direitista outrora ridicularizado como picolé de chuchu.
De que cor seria a meia dele em 2012? |
Tudo bem que, residindo na distante Suíça, o nosso bom Rui não perceba o quanto chocou nossa esquerda autêntica (aquela que não desbota nem se verga a conveniências eleitoreiras) a atual comunhão de interesses entre petistas e tucanos, após décadas de hostilização mútua.
Ou como nos envergonha ver o responsável pelo massacre do Pinheirinho alçado a vice-presidente, podendo aproveitar qualquer oportunidade para substituir Lula e colocar o Brasil à mercê do ideário da Opus Dei, como esteve a Espanha durante a ditadura de Francisco Franco.
De resto, pegando carona no ótimo parágrafo final do artigo do Rui, faço questão de ressaltar: os expulsos do Pinheirinho eram exatamente coitadezas que nem meias usavam, obrigados pela penúria a limitarem-se às sandálias havaianas. (por Celso Lungaretti)
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