eugênio Bucci
O LÁBARO ESTIOLADO
No feriado de 15 de novembro, data da proclamação da República, subiu um pouco o número de pedestres que se concentram em frente a quartéis de algumas cidades brasileiras para requisitar um golpe de Estado.
Tem sido assim desde que o TSE proclamou o resultado das urnas, dando a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva. A turma que não se conforma exige que as baionetas anulem a eleição.
Uma das faixas desfraldadas em São Paulo, diante da sede do Comando Militar do Sudeste, ao lado da Assembleia Legislativa, resumiu bem o espírito do pessoal: "Nação brasileira implora por socorro – SOS Forças Armadas".
Como nomear esse tipo de coisa? Com acerto, a imprensa vem se valendo de adjetivos precisos: atos golpistas, manifestações antidemocráticas ou inconstitucionais. É o que são, de fato.
Na linguagem do jornalismo, o emprego de qualificativos criteriosos dá mais objetividade, e não menos, ao que se descreve. Um ato público que solicita uma ruptura violenta da ordem democrática só pode ser definido como golpista, assim como um cidadão que tem nacionalidade brasileira e dispõe de passaporte brasileiro só pode ser definido como um cidadão brasileiro.
As aglomerações às portas dos quartéis trazem uma pauta de reivindicações inconstitucionais e ilegais. Logo, são golpistas. Dar o devido nome aos fatos, com substantivos e adjetivos, é um dos deveres mais valiosos da imprensa – e é exatamente esse dever que a imprensa está cumprindo quando chama de golpistas as manifestações golpistas.
Não adianta dizer que são apenas reuniões pacíficas e ordeiras. Não são, não senhor. Do mesmo modo que uns minguados caminhoneiros bloquearam estradas pelo País afora, num levante criminoso e até agora muito mal explicado, esta turma quer estrangular as vias do Estado Democrático de Direito.
Mais do que os caminhoneiros sabotadores, querem inviabilizar o País. O seu propósito não tem nada de pacífico, não tem nada de ordeiro.
Quanto aos quartéis, em vez de se esgueirar na ambiguidade melíflua, deveriam se considerar ofendidos com o assédio da barbárie que se amontoa ao redor de seus muros.
O que mais chama a atenção, contudo, é o mau gosto infantiloide que há nisso tudo. As imagens mostram adultos em trajes auriverdes perfilados sobre o asfalto para brincar de marcha-soldado. O golpismo da temporada tem uma nota pueril, por mais que seja perverso.
Uns batem continência. Outros marcam passo, desengonçados e balofos, como escoteiros da terceira idade. Sempre aparece alguém tocando corneta (e mal). Como crianças amedrontadas, pedem socorro à força bruta para dar cabo de assombrações que não existem.
Um lá fez discurso e disse que os apartamentos de mais de 60 metros quadrados serão ocupados e repartidos pelo novo governo. Delírios imobiliários.
O atual presidente (agora empenhado no abandono de emprego) se reuniu com Geraldo Alckmin e pediu a ele que ajudasse a livrar o Brasil do comunismo. Delírios reacionários.
Um fantasma ronda a imaginação devastada dos crianções envelhecidos: o fantasma do fantasma do fantasma do comunismo.
A vestimenta dos circunstantes também merece registro. O pendão nacional virou um adereço prêt-à-porter que as senhoras mais ricas usam como um lenço, uma écharpe tropical. Os homens tendem a vestir a mesma peça como se fosse uma capa de super-herói, e há os que improvisam um capuz quando chuvisca. O lábaro emoldura o bárbaro estrilado.
Que espetáculo desconcertante. Quando vemos as vagas em verde-amarelo pela televisão, a cena parece saída de um daqueles filmes de zumbis. Os tipos que se movem na tela, implorando a intercessão da brutalidade, lembram mortos-vivos políticos adornados pelo estandarte pátrio e armados de telefones celulares.
Deserdados pela ditadura militar extinta, transitam num limbo entre a tirania defunta e a ordem democrática em formação. Eles não souberam se desprender do que a História já cuidou de sepultar e não se sensibilizam com o que a Nação presente tenta construir.
Com ares de comédia, o que vem se desenrolando é uma tragédia. Seria um erro zombar da situação. Dia destes, em Nova York, ao ser importunado por alguém que o perseguia na calçada com um celular dizendo frases de morto-vivo político, o ministro do STF Luís Roberto Barroso virou o rosto para trás, sem diminuir o passo, e disparou: "Perdeu, mané. Não amola".
A tirada do magistrado soa sardônica, mas o impasse é grave. As forças que procuram fazer regredir a roda da História nacional não estão aí a passeio. Por um triz, não ganharam as eleições. Suas performances são cafonas, sua estética é jeca e seu discurso, infantil, mas nunca, desde a redemocratização, estiveram tão organizadas e tão determinadas como agora.
As pequenas multidões de camisa amarela que agora acampam nas cercanias da soldadesca têm lá o seu quê de ridículo, mas o que elas expressam é mais profundo e ameaçador. Os golpistas que sequestraram e estiolaram as cores nacionais ainda vão dar muito trabalho. As instituições que se preparem. (por Eugênio Bucci)
Um comentário:
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Gramsci véi tá sorrindo no seu locus do Hades!
Desde quando povo (demos) é anti-democrático?!
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Outra operação indecente é o Lula ficar derrubando a bolsa e subindo os juros com declarações que mais parecem feitas para o pessoal dele operar vendido.
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O margarina deve ser honesto. Já saiu.
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Como essas jogadinhas de uma burguesia em busca dos últimos resquícios de mais-valia restantes no sistema interessam à esquerda?
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Tirano de farda, de toga ou de colarinho-branco é sempre tirano.
A tirania é o governo de criminosos.
E leva ao caos.
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Ele (o caos, a casa-da-mãe-joana, desabastecimento, hiperinflação) se instala a partir do vilipêndio das instituições.
É resultante do colapso do capital como motor de inovação e crescimento da espécie humana.
O coletivo promovido pela alienação do valor embutido na mercadoria está se esgarçando.
Espero que ainda reste um pouco de humildade e generosidade nos governantes.
A ver...
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