quinta-feira, 24 de novembro de 2022

SE LULA FOR COMUNISTA, HITLER É DEMOCRATA! – 2

(continuação deste post)
A
s experiências iniciais sob o receituário marxista-leninista em países originalmente rurícolas como a Rússia e a China, optaram por uma acelerada industrialização sob os moldes capitalistas e conseguiram recuperar no tempo o atraso de suas relações sociais, feudais ou semifeudais, em relação ao republicanismo capitalista.

Como esses dois países têm dimensões continentais, foram capazes de suprir internamente as suas carências materiais e avançar na recuperação do atraso das suas relações econômico-industriais com o ocidente capitalista, branco e masculino tecnologicamente desenvolvido socialmente, mas cindido em classes sociais distintas.

No entanto, como o uso do cachimbo entorta a boca, os revolucionários sucumbiram frente aos burocratas do partido comunista que se assenhorearam do poder político.

Deu-se então uma intensificação das relações capitalistas de Estado até a abertura ao capitalismo de mercado mundial. Isto porque o capital é viciante e os que caem nas suas garras, como os jogadores num cassino, ficam ávidos por acumular ganhos que só são garantidos para os banqueiros da jogatina (estes sempre lucram e o conjunto dos apostadores sempre perde, embora um ou outro deles se saia bem, até para que o restante mantenha sua ilusão de que um dia quebrará a banca). 

Como se considerar comunista um país como a China, que oferece ao mundo mercadorias baratas a partir de uma produção empresarial capitalista de extração brutal de mais-valia? Na verdade, o que a China faz é solapar os fundamentos capitalistas atuais adotando a desumanidade extrema de uma fase anterior, a do capitalismo selvagem.

Mao Tsé-Tung provavelmente jamais terá imaginado que sua vitoriosa revolução armada de 1949 contra os nacionalistas de Chiang Kai-shek iria debilitar o capitalismo mundial usando as regras de mercado do próprio capitalismo como fatores desestabilizadores do dito cujo (além de semear a confusão ao intitular-se falaciosamente como comunista).

O que dizer da Rússia, atualmente governada por um ditador plutocrata que, incapaz de vencer a guerra contra o país menor e menos populoso por ele invadido injustificadamente, torna-se um covarde franco atirador de mísseis de longa distância que matam civis a esmo?

A confusão semântica sobre o conteúdo do receituário marxiano de comunismo, identificado nos maus exemplos da Rússia e da China num mundo de economia capitalista globalizada, é largamente fomentada pelos capitalistas em geral.

Capitalismo ocidental é hoje a mesma coisa que capitalismo eurasiano, com diferenças cosméticas apenas no campo da forma política de governo.

Não, senhores, o capitalismo de Estado não é comunista e opera sobre as mesmas bases categoriais do capitalismo de mercado liberal clássico ou keynesiano social-democrata.

Estas três formas de capitalismo representam o oposto ao preconizado no ideário comunista. Este, pelo contrário, seria capaz de promover prosperidade linear, paz e elevação do intelecto humano, ao invés da atual miséria material de fome e pobreza eco/suicida capitalista.

Um provérbio chinês diz que a palavra ensina, o exemplo arrasta; realmente, os exemplos do que seria um caminhar para o comunismo idealizado foram péssimos e deseducativos.

No meu entender, Rússia e China poderiam haver tomado rumos diferentes dos adotados, já que dispunham de trunfos consideráveis, tais como suas dimensões continentais e capacidade de suprimento das próprias necessidades de consumo. 

É possível que isso contrabalançasse sua manutenção sob isolamento econômico por parte das grandes nações capitalistas (que, ademais, enviaram tropas para combater a nascente república soviética e insuflaram/financiaram ações contra-revolucionárias).

No entanto, ao invés de negarem as categorias capitalistas, tais nações estimularam e incentivaram a existência das ditas cujas sob um monopólio estatal de mercado interno que é o pior modelo de concorrência de produção e comercialização. Paulatinamente, ambas acabaram se direcionando para um capitalismo liberal, acolhendo o capital externo e passando a com ele concorrer sob uma mesma lógica.

Ora, para manter as rédeas de um regime de exploração sob o qual os trabalhadores produtores de valor jamais se beneficiaram com a riqueza abstrata por eles produzida, vieram regras de contenção política em nome de um comunismo que jamais existiu e que nega todo o primado de socialização comunista de fraternas relações humanas.

Assim, a propaganda ideológica capitalista passou a rotular como comunistas exemplos históricos que, mais do que semelhantes, são idênticos aos dos opressores: excludentes e exploradores. Ou seja, os mesmos pecados originais do capitalismo liberal ocidental clássico, mas com o defeito adicional de serem politicamente fechados e opressores.

Ao longo da história, as mutações semânticas são frequentes e intencionais. Exemplo disto é a palavra democracia, hoje tida como critério inquestionável de participação popular saudável.

Tal termo, na Grécia antiga, significava uma opção ao poder centralizado num monarca, contrapondo-lhe uma diluição que propiciasse aumento da participação social. Mas tal participação excluía os escravos que existiam em grande número. 

Somente os demos (uma casta de cidadãos privilegiados) podiam ter voz nas audiências públicas de deliberação. Ou seja, a democracia grega não era tão democrática assim.

Do mesmo modo a democracia burguesa moderna, regida pelo poder econômico dominante e dentro das regras preestabelecidas pela ordem jurídico-constitucional capitalista, não representa a livre manifestação consciente do eleitorado manipulado e vigiado (principalmente nas regiões mais afastadas do interior, onde reside a maioria dos eleitores).

Isto não significa que o oposto irrecusável da democracia burguesa seja a ditadura, como pedem os fanáticos seguidores do Boçalnaro, o ignaro. Se a democracia burguesa não passa de uma arapuca de representação popular, a ditadura é a prisão dentro da arapuca.

Como vimos, a repetição exaustiva de um conceito deturpado de comunismo, baseado em exemplos negativos de socialização sob valores comunistas deturpados e descaracterizados, consolidou uma noção de que ser comunista é querer conquistar governos para apropriar-se da riqueza socialmente produzida e agir de modo despótico, mazelas frequentes no capitalismo.

Daí eu utilizar a palavra
emancipacionismo (que não é criação minha, mas da turma da crítica radical social marxiana do valor) como
 ideal de realização da justiça social a partir de critérios de produção social:
— fora da lógica capitalista da forma-valor; 
— sob novos cânones do direito; e 
— sob critérios de organização jurídico-constitucionais de base popular.

A direita derrotada qualifica Lula de comunista, mas é uma pecha tão obtusa quanto seria intitular Hitler de democrata. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

SF disse...

***
Grande Dalton!
A coisa não está mais tão difícil como esteve.
O fato é que, espera-se algo de bom a partir deste mandato.
Com mil ressalvas e profundamente cético digo que pode ser que:
1 - Retome-se a agenda ambiental de preservação da floresta, incentivo a agro-floresta e a agricultura familiar;
2 - Pare-se de criminalizar a reforma agrária;
3 - Retome-se a regularização fundiária no campo e na cidade;
4 - Voltem as políticas de amparo social, redução das desigualdades e erradicação da pobreza.
5 - Um estado LAICO!
6 - E, principalmente, que o presidente passe a incentivar a concórdia e harmonia entre todos os brasileiros.(ou fique calado - calado, até Pelé é poeta)
E tudo de bom que possa vir num contexto que é mau por natureza.
***

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